segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Para Sempre - Vergílio Ferreira

Paulo é um homem só. Na fase final da sua vida recorda Sandra, a mulher que amou. Sandra morrera de cancro. Recorda Xana, a filha que foi morrendo no abismo da droga. A mãe que morrera na sua infância; as tias o padre que o atormentaram com uma religião beata que nunca respondeu aos seus pedidos de misericórdia. Memórias que flutuam no rio estéril da memória…
A melancolia de um tempo que chega ao fim, um tempo que pareceu eterno nas promessas de que é feita a vida, mas que desemboca inexoravelmente na solidão, no pessimismo, na visão negra da vida. Neste livro, Paulo aguarda a morte numa imensa introspecção onde os tempos múltiplos da vida são revistos com mágoa, com o sofrimento que só a linguagem poética de Vergílio Ferreira consegue exprimir.
A morte com que se inicia o livro é a mesma, negra e impiedosa com que ele termina; a morte que está em todos os cantos da vida… a morte, esse fantasma permanente…
Para Sempre é um livro de mágoas; um livro pessimista, negro, macabro; um livro sobre a vida, sobre a necessidade de a pensar mesmo que no fim dos tempos, no momento em que nada mais o pensamento poderá mudar.
Mas é também um livro sobre a morte como redenção; como o remédio único e fatal para o sofrimento; para a culpa e a podridão; para a vida. A morte como o fim desse sofrimento prolongado a que Paulo chama vida.
É um livro difícil de ler; não que a linguagem nos atrapalhe; não que o enredo seja emaranhado ou confuso. Não… é difícil de ler porque dói. Faz doer. O sofrimento que sai da caneta de Vergílio atravessa as páginas e vem de encontro ao leitor, apanhando-o desprevenido. E vai directamente à alma de quem lê, sem piedade. Nas letras, palavras e frases vê-se a dor; sentem-se as lágrimas; encaixa-se os socos da revolta.
Vergílio Ferreira é talvez o escritor contemporâneo que melhor utilizava a língua portuguesa de forma a transmitir todo o sentimento ao leitor. Não vemos Paulo como um mártir ou um desafortunado. Vemos Paulo e verificamos que podíamos ser nós. Vemos Paulo e não temos pena; sofremos com ele; temos pena de nós. Não lamentamos a vida de Paulo; lamentamos a vida.
Um livro duro de ler, mas sem dúvida um grande livro, de um dos melhores escritores do século XX em Portugal.

Avaliação Pessoal: 9/10

sábado, 26 de fevereiro de 2011

(intervalo)

Neste fim de semana há Oscars em Hollywood.
Eu não sei se estou a ficar velho, mas tenho a sensação que os bons velhos tempos não mais voltarão. Cada ano que passa, vendo as "pepinadas" que se vão fazendo e as palhaçadas que vão ganhando prémios, mais fico convencido que não voltaremos mais a ter coisas maravilhosas como esta:

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Patagónia Express - Luís Sepúlveda

Tipicamente sul-americana, com traços que fazem lembrar Garcia Marquez, a escrita de Sepúlveda tem também a singeleza que encontramos em Isabel Allende e a leveza de um Jorge Amado.
Este livro é uma crónica de viagens com a marca indelével da biografia do autor, um idealista sonhador, um homem de causas, um moderno Che Guevara que assume as ideias políticas socialistas a par do intenso combate pela ecologia que Sepúlveda sempre assumiu.
É um livro, também, de combate político. Sepúlveda foi uma das vítimas do horrendo regime de Pinochet que transformou o Chile numa pátria de assassinos. Fala-se, assim, das suas memórias do cárcere, das perseguições, do terror de um país assolado pelo obscurantismo e pela injustiça.
Mas é muito mais que isso; é o elogio das maravilhosas paisagens do sul do continente americano, a Patagónia, com as suas gentes simples e honestas, em que de demonstra todo o humanismo que caracteriza a obra de Sepúlveda.
É com um humor refinado que Sepúlveda, na primeira parte da obra descreve as ideias do Avô, o seu ódio à igreja e aos proprietários de terras, num mundo de injustiças que foi terra fértil para as ideias socialistas; é esse Avô, com as suas ideias libertárias que levavam o neto a urinar em todas as portas de igreja que encontrava, que moldará a personalidade do jovem, alter-ego de Sepúlveda.
A segunda parte do livro descreve as viagens de Sepulveda por diversos países sul-americanos, bem ao jeito de Che Guevara: descrevem-se as suas aventuras na Bolívia, Argentina, Panamá e Equador, finalizando com uma breve mas belíssima incursão pela Amazónia.
Trata-se de um livro de leitura muito fácil, numa escrita cristalina, pura e intensa do ponto de vista das ideias. Um livro que acaba por ser uma bela biografia de um homem que tem sido um combatente pela justiça, pela paz e pelos ideias ecológicos. Um livro indispensável.
Avaliação Pessoal: 9/10

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

A Vida de Pi - Yann Martel

Pi é um personagem fascinante, daqueles que qualquer leitor gravará na memória; e A Vida de Pi é um livro único. Belo, fantástico, soberbo.
Pi teve uma infância extraordinária: um professor comunista, um pai apaixonado por animais e três religiões que mostravam a Pi todo o encanto que pode haver na religião: mundos de paz, de bondade e de comunhão com a natureza. As religiões não têm de ser o meio fértil dos ódios, guerras e fanatismos. Talvez só os indianos percebam esta beleza. Até neste aspecto este é um livro único: bem diferente daquelas visões tenebrosas da Índia que a literatura nos tem oferecido. Não se trata aqui da Índia corrupta e miserável, mas da Índia mística e profunda, bela e guardiã dessa paz interior a que chamam misticismo.
Mesmo tratando-se de uma história bastante dramática, Martel não prescinde de um sentido de humor fino e discreto numa escrita sentida, simples e profunda, com um envolvimento filosófico que dá à obra uma grande riqueza de conteúdo.
As magníficas descrições da vida animal não se restringem a uma abordagem romântica e bucólica: a luta pela sobrevivência no barco naufragado assume contornos de extremo dramatismo; a luta pela vida e a impiedosa ausência de sentimentos exigem que a sobrevivência apele ao egoísmo. A crueldade é levada ao extremo. No entanto, quando Pi se encontra no alto mar, meses a fio, junto de uma fera de dois metros de envergadura, a esperança nunca vacila. A vida vai perdendo sentido, a espera corrói a esperança mas nunca a destrói. O medo que lhe desgasta a alma é o mesmo medo que lhe serve de defesa.
Na sinopse deste livro fala-se de uma mistura entre o real e o absurdo. Mas trata-se, por assim dizer, de um absurdo real, um absurdo que se cristaliza em situações reais e objectivas: o rapaz e a fera frente a frente, rivais e aliados, o instinto e a razão, ambos presas e predadores. Entre Pi e o tigre não há uma relação de aliança; não há romantismo nesta história; há o matar e o morrer, a morte e a sobrevivência.
Um rapaz e um tigre, sozinhos num barco salva-vidas, em pleno Oceano Pacífico, durante sete meses. Não se trata de um tema particularmente propiciador de um enredo interessante. No entanto, Martel consegue-o com mestria, transformando um quotidiano monótono num drama permanente, numa narrativa sempre emocionante. Em algumas passagens, este livro assemelha-se ao mais assombroso documentário do Nathional Geographic. Aliando uma fértil imaginação a um conhecimento profundo do mundo animal, o autor cria situações magníficas como um impensável combate entre um tigre e um tubarão, numa luta que deixa o leitor aterrado e ao mesmo tempo maravilhado.
Na luta permanente entre o homem e o animal não é a inteligência daquele nem a força deste que triunfa; é a força mental. O querer. A vontade. É na vontade que reside todo o heroísmo e o maior herói é aquele que consegue desafiar os limites da resistência. Esse heroísmo é servido, no entanto, por uma arma poderoso – a esperança. É a capacidade de sonhar que salvará Pi. É o sonho que nos comanda a vida, afinal.
Num dos episódios mais belos deste livro, Pi vai parar a uma ilha fantástica, onde depara com algas carnívoras e lagos que transformam a água do mar em água doce. Esse episódio ilustra com mestria a linha ténue que separa a realidade da fantasia; ou melhor, que ilustra na perfeição a beleza real que há na fantasia.
O final do livro é belíssimo por envolver uma mensagem extraordinária: por vezes a realidade é muito mais bela que a fantasia.
Avaliação pessoal: 9.5/10

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Trópico de Câncer - Henry Miller

Eis um livro que é vítima do preconceito e de uma certa ignorância medieval. É verdade que usa uma linguagem que, na vida comum, podemos adjectivar de obscena. É verdade também que não é um romance com uma linha de rumo definida, o que torna a leitura, por vezes, algo complicada. Não é, portanto, um livro fácil nem de perto nem de longe um livro erótico. A sua natureza auto biográfica e a profundidade filosófica do enredo aproxima-o mais do existencialismo de Camus do que da literatura erótica com que tantas vezes foi conotado.
Miller escreve como pensa e como sente. Daí que a sua linguagem seja absolutamente livre. Livre como o pensamento e os instintos humanos que o comandam.
Não é também um livro divertido. Longe disso. Porque a vida de Miller (e de Joe, o alter-ego do autor, personagem principal desta obra) nunca foi fácil nem divertida. Vagabundo em Paris, com empregos precários ou mesmo sem emprego, Joe vagueava pela vida à procura de um sentido para uma existência irremediavelmente perdida nas ruas e vielas do sofrimento.
Quase todo o enredo se desenrola em Paris (exceptua-se uma passagem por Dijon, onde Joe foi um inenarrável professor de inglês). O encanto, o mistério e a sedução de Paris estão por todo o lado, mesmo no meio da miséria. Paris exerce uma atracção fatal sobre Joe que, no entanto, vê nos parisienses os maiores obstáculos. Os outros são sempre o inferno, como afirmou Sartre.
Mau grado estes aspectos muito ligados ao existencialismo, Miller é profundamente influenciado por Dostoievski, que cita várias vezes. A vida de Joe faz lembrar, por diversas vezes personagens do mestre russo, como Trofímovitch de Os Possessos ou Michkin de O Idiota. Joe, como Miller, é um pessimista. O tom melancólico da obra resulta da monotonia de uma vida em que o sexo, a comida e a bebida são os refúgios únicos do inferno mundano, como se fossem necessidades básicas, as únicas que poderiam tornar a vida simplesmente suportável.
Outro aspecto notável é a forma como Miller consegue exprimir os seus sentimentos e percepções de uma forma por vezes marcadamente surrealista: as reflexões de Joe confundem-se com os seus sonhos e pesadelos como na pintura de Dali ou na obra-prima de Boris Vian, Outono em Pequim.
Em suma, podemos dizer que se trata de uma obra que exige reflexão e uma leitura muito atenta. Em grande parte é uma imensa reflexão sobre a vida, o espelho de uma existência sofrida.
Não posso, no entanto, considerar este livro uma obra-prima. Falta-lhe a dimensão lúdica. Faltam-lhe os motivos de interesse que um grande romance tem de envolver. Obviamente, essa nunca foi a preocupação maior de Miller. Trata-se de uma obra marcadamente introspectiva, pelo que o prazer de ler nem sempre triunfa.

Avaliação pessoal: 8/10

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A melhor leitura do mês

"A Solidão dos Numeros Primos" é um livro cheio de ternura e de humanidade. Um livro algo triste mas em que os sentimentos escorrem pelas páginas como as lágrimas da vida...
"Milagrário Pessoal" é um livro encantador pela linguagem, pelo amor às palavras e pela beleza africana que se espraia pela lingua portuguesa como a música do canto dos pássaros...
Mas...
Mas "Por Favor não Matem a Cotovia" não é apenas um livro. É um clássico. Um livro eterno. Um hino, ou melhor, uma sinfonia dos sentimentos. Um livro maravilhoso. O melhor de Janeiro.