quarta-feira, 31 de agosto de 2011

As Serviçais - Kathryn Stockett


No âmbito da leitura conjunta realizada no DESTANTE.
Nitidamente influenciada por W. Faulkner na estrutura da obra (múltiplos narradores) e por Harper Lee na temática (o racismo do sul dos EUA; note-se que Por Favor Não Matem a Cotovia é citado no livro por mais de uma dezena de vezes), Kathryn Stockett apresenta-nos um romance de leitura fácil e fluida, sem grandes ideias de fundo mas com um estilo fácil, agradável e inteligente.
A primeira fase do livro deixa-nos algo expectantes; por vezes o leitor sente que falta ao livro uma linha de rumo, um objectivo final. Mas à medida que avançamos na leitura vamos vislumbrando onde a autora quer chegar. A emoção aumenta, ao ponto de as ultimas cem ou cento e cinquenta páginas nos acorrentarem totalmente ao livro.
Para além do interesse da “estória”, este livro é um testemunho interessante de uma época de charneira na afirmação dos direitos cívicos nos EUA; uma caminho que se inicia com a luta de Martin Luther King mas que ainda não está totalmente percorrido.
No centro da questão está o feminino. As mulheres. A mulher branca mais insensível e implacável que os homens e a mulher negra mais sofrida mas também mais inteligente, talvez porque o seu espírito submisso a faça cultivar aquela paciência que conduz à sabedoria. Acima de tudo, neste livro, a luta pela igualdade de direitos é a luta da mulher negra; é a luta da solidariedade e da união. Mas a questão do racismo não se resume a uma luta linear entre brancos e negros. A segregação racial provoca dramas terríveis no relacionamento entre brancos e entre negros. Como diz o escritor Howel Raine, na nota final da autora: “a desonestidade sobre a qual uma sociedade é fundada torna todas as emoções suspeitas, torna impossível saber se aquilo que flui entre duas pessoas era um sentimento honesto, pena ou pragmatismo”. Na verdade, o peso de aceitar ou não tradições tão arreigadas como as normas de segregação racial tornam suspeitas as relações sociais, criando um clima de conflito permanente. Em parte é ainda esta triste realidade que se vive nos nossos dias. E não só no sul dos EUA.
Uma outra ideia fundamental deste livro é o poder que os livros e a escrita assumem na vida dos personagens. Aibeleen escrevia as orações e era quase sempre atendida nos seus pedidos. Talvez Deus também goste de ler… e é um livro que está no centro do romance; o livro como único meio de mudar o mundo daquelas pessoas.
Stockett demonstra neste livro ser uma alma nobre; uma alma grande, daquelas que tem o dom de mostrar à humanidade o que é, realmente, ser HUMANO.
Avaliação Pessoal: 8.5/10

terça-feira, 30 de agosto de 2011

O Último Cabalista de Lisboa - Richard Zimler


O Último Cabalista de Lisboa baseia-se num acontecimento verídico, um grande massacre de cristãos-novos e judeus ocorrido em Lisboa no reinado de D. Manuel, em 1506, na Páscoa judaica. A fome e a peste atingiam a capital sem piedade e o povo, fanatizado pelas pregações anti-semitas dos frades dominicanos, encarando os judeus como responsáveis pela ira de Deus, levou à morte milhares deles. O rei, pouco corajoso, foi complacente com os acontecimentos, permitindo inclusivamente grandes fogueiras no rossio, onde muitos judeus foram queimados.
Na ficção de Zimler, Abraão Zarco é morto nesse dia mas por um cristão-novo. Berequias Zarco, o sobrinho de Abraão é o herói da nossa estória e levará a cabo uma investigação emocionante e recheada de perigos.
Trata-se de um livro bastante negro: é visível a amargura com que Zimler descreve este terrível fenómeno histórico que é o anti-semitismo. Uma das grandes manchas negras da história da humanidade, que se mantém até ao século XX e com reflexos ainda na realidade actual.
Mas nem tudo é sombrio neste livro: um dos aspectos mais interessantes deste livro é o facto de o maior amigo de Berequias, Farid, ser um muçulmano. A amizade entre os dois é muito intensa e é visível a boa convivência entre judeus ou cristãos-novos (aqueles que haviam sido forçados à conversão) e os mouros, em oposição ao fanatismo e violência insana dos cristãos.
Se bem que se trate de uma obra de ficção, é bom que se diga que o ambiente retratado tem, infelizmente, uma grande base de realidade: a porcaria dos corpos e das almas grassava em Portugal: o fanatismo, a estupidez, a barbárie total. De todos os problemas do reino eram atribuídas culpas aos judeus. O ódio reinava e a própria Igreja Católica alimentava-o. Por medo ou pró convicção, o povo transformava o ódio na violência mais absurda que se possa imaginar. Muitos destes judeus tinham sido expulsos de Castela, em 1492 de onde o Rei Fernando (cognominado O Católico) os havia expulsado. Mas não é a paz que eles encontram em Portugal. É a insanidade total de um ódio tão cego quanto inexplicável.
Um livro triste, chocante, mas também emocionante e que nos faz pensar. E até ter uma certa vergonha de sermos “filhos” desta nação e desta cultura de raiz cristã que nos moldou…
Avaliação Pessoal: 9/10

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Enquanto Salazar Dormia - Domingos Amaral


Com oitenta e cinco anos de idade, Jack Gil, espião britânico em Portugal durante a segunda guerra mundial, recorda as suas aventuras naquele período, numa Lisboa que vivia a Guerra de uma forma diferente, num autêntico ninho de espiões e contra-espiões.
No entanto, mais do que um relato dos problemas políticos da época, é um reviver de memórias pessoais e românticas. O rumo da narrativa é mais “as mulheres de Jack” do que “Jack, o espião”. Quer dizer, estamos perante uma espécie de James Bond para quem as bond girls são mais importantes do que as suas funções como espião.
Não se trata de uma obra literária de grande fôlego; as personagens são caracterizadas de forma algo superficial e o enredo é algo previsível. Mas há outros aspectos que me fazem recomendar este livro.
Em primeiro lugar, é uma leitura fácil e divertida. A emoção não falta, os diálogos são simples e directos, não há descrições nem reflexões enfadonhas. É uma leitura que prende o leitor pela emoção e suspense.
Em segundo lugar (e este é o aspecto que considero mais importante), é um romance bastante pedagógico porque desfaz alguns mitos muito arreigados na mente simplista de muita gente: tal como a revista Visão explicava há pouco tempo, Salazar não teve grande mérito na famigerada neutralidade portuguesa durante a Segunda Guerra Mundial. Salazar manteve Portugal fora da Guerra porque, na verdade, a Inglaterra nunca teve qualquer interesse na nossa participação porque não estava interessada em criar mais uma frente de combate. Por outro lado, foi Hitler que nunca quis invadir a Península Ibérica por considerar Portugal e Espanha países amigos.
Por outro lado, este livro mostra-nos bem que essa neutralidade nunca existiu: o Portugal de Salazar colaborou claramente com a Alemanha de Hitler, quer através do fornecimento de volfrâmio para o armamento alemão, quer pelo apoio ou pelo menos o “fechar os olhos” a combates aéreos que se deram em território nacional, a ataques sistemáticos dos submarinos alemães a navios aliados em águas portuguesas ou a perseguições a refugiados por parte dos espiões alemães.
Em suma, estamos perante um livro que merece ser lido pela leveza com que aborda o assunto mas também pela informação que podemos retirar do livro sobre este período tão controverso da história contemporânea portuguesa.
Avaliação pessoal: 8.5/10

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Ivanhoe - Walter Scott


Walter Scott é considerado o criador do Romance Histórico e este Ivanhoe é o seu livro mais famoso.
A acção decorre na Inglaterra do século XII, numa altura em que se digladiam o mítico herdeiro do trono, Ricardo Coração de Leão e seu irmão, João Sem Terra (o Príncipe John da lenda de Robin dos Bosques), que usurpou o trono a Ricardo enquanto este combateu nas cruzadas. Regressado secretamente à Inglaterra, Ricardo conta com o apoio do povo e de um grupo de bravos cavaleiros, entre os quais Ivanhoe, para recuperar o trono. Não poderia no entanto faltar a estória de amor, em que Ivanhoe se enamora pela bela Rowena, protegida de Cedric, um nobre tradicional da aristocracia saxónica que é nada mais que o pai de Ivanhoe, que o deserdara por abandonar os hábitos tradicionais saxónicos, tornando-se cavaleiro.
Mas este magnífico romance vai muito além do romance de aventuras e de cavalaria. Estão aqui bem patentes alguns dos fenómenos que mais indelevelmente marcaram a Idade Média europeia, nomeadamente a questão dos judeus, a luta entre saxões e normandos na disputa do trono e a questão dos templários.
Os judeus são vistos por Walter Scott de uma forma muito peculiar; por um lado o autor apresenta-os como vítimas do fanatismo religioso da época, que faz deles pouco mais do que seres diabólicos, alvo de todo o desprezo e injustiças. Mas, por outro lado, descreve-os como impiedosos usurpadores da riqueza, enriquecendo à custa da usura. Mas não se pense que há aqui qualquer espécie de anti-semitismo por parte do autor; ele encara esse espírito usurário como única forma que os judeus encontraram de se afirmar na sociedade inglesa e, quando muito, como forma de vingança em relação aos cristãos: se eram humilhados pela religião, eles procuravam vingar-se no enriquecimento material.
Este livro aborda também de uma forma muito interessante a afirmação dos normandos na elite política e social inglesa, como uma expressão de modernidade, perante o tradicionalismo da nobreza saxónica. A moderna Inglaterra vê-se nascer nestas páginas de Scott, pela afirmação destes cavaleiros normandos. No entanto, muitos dos traços da tradição saxónica haveriam de sobreviver no moderno espírito inglês, nomeadamente ao nível das crenças, dos costumes e da língua.
Nesta obra, entre os apoiantes do pouco simpático príncipe João aparecem os Templários. No entanto, a vitória de Ricardo haveria de marcar o princípio do fim desta polémica ordem religiosa. Os cavaleiros do Templo são aqui anunciados como exemplos de falsos cavalheiros que aproveitavam a fama e a glória das cruzadas para disporem a seu bel-prazer das honrarias e porem em prática toda a espécie de abusos que os haveriam de marcar de forma indelével na história da Europa. Por outro lado, do lado de Ricardo aparece-nos o povo humilde, destacando-se o encantador bando de salteadores de Robin Wood e do inimitável Frei Tuck.
Ler estas aventuras torna-se uma aventura que nos faz reviver o mundo encantado dos romances de aventuras que povoaram a infância da maior parte de nós. É uma experiência encantadora que aconselho a todos os leitores que o tempo já afastou dessa infância.
Para mim, reler este livro foi como entrar num mundo encantado de sonhos e aventuras juvenis, para além de retirar dele toda uma informação histórica que nenhum de nós retirou certamente nos tenros anos juvenis.
Avaliação Pessoal: 9.5/10
Trailler do filme Ivanhoe de 1952, com Robert Taylor e Elisabeth Taylor:


terça-feira, 23 de agosto de 2011

O Cemitério de Praga - Umberto Eco


Cemitério Judeu de Praga - imagem retirada daqui.

Um romance histórico interessantíssimo. Nem outra coisa seria de esperar de um mestre como Umberto Eco.
O pano de fundo é dado pelas intrincadas intrigas políticas na nascente Itália e na velha França, no século XIX. Na península italiana, Garibaldi e Mazzini colocavam os reinos italianos a ferro e fogo. No entanto, as diversas facções digladiavam-se continuamente, com o Vaticano e a França sempre de permeio. Tal “embrulhada” de interesses e forças era terreno fértil para intrigas e jogos de poder onde reinavam os espiões e interesseiros como Simonini, o herói, ou melhor, o anti-herói deste livro.
Simonini é perverso, perigoso, traiçoeiro. Mas é também um pouco estúpido. Esta é a grande lição da obra: um homem pouco inteligente mas tremendamente perverso e impiedoso pode pôr em risco toda uma nação.
Umas vezes ao serviço de Garibaldi, outras de Mazzini, dos piemonteses, dos franceses, dos austríacos ou até dos russos, Simonini tem apenas um princípio do qual nunca prescinde: um ódio profundo, mortal, aos judeus. Simonini é um personagem suficientemente perverso para que todos os leitores nutram por ele um sentimento de revolta a roçar o mesmo ódio que ele sente por todos, bem expresso nesta afirmação de um personagem com quem Simonini negoceia: “O ódio é a verdadeira paixão primordial - o ódio une os povos, desperta a esperança nos miseráveis e solidifica o poder instituído – seja o ódio aos judeus, aos maçons, aos estrangeiros…” (pág. 432).
Ao mesmo tempo, este livro demonstra como a história pode ser forjada por interesses mais ou menos obscuros: Simonini, o espião ao serviço de quem lhe paga mais, especializa-se em forjar documentos. E mesmo aqueles que sabem tratar-se de documentos falsos, agem como se fossem verdadeiros. A História, muitas vezes é construída apenas por falsários.
Um outro aspecto interessante deste livro é o facto de Simonini ser praticamente o único personagem ficcional. Freud e Garibaldi são apenas dois dos mais conhecidos intervenientes na narrativa. Outros são verdadeiros trapaceiros com existência histórica comprovada que Eco estudou afincadamente.
Trata-se portanto de um livro cheio de emoção onde é possível “ver” nas suas páginas grande parte da realidade política de uma Europa muito conturbada, nos finais do século, anunciando já a Primeira Guerra Mundial que marcaria o início do século XX. Nascia a Itália, mas aprofundavam-se as guerras de bastidores entre austríacos, franceses russos e ingleses.  
Avaliação Pessoal: 9.5/10

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Três Mulheres - Robert Musil


Há coisas que não consigo explicar. Uma delas é esta: reconheço em Musil a escrita de um génio mas as suas obras não me cativam nem um pouco. Li há muitos anos O Homem sem Qualidades, depois tentei ler O Jovem Törless acabando por desistir da leitura e agora atrevi-me a ler este Três Mulheres.  Confesso um certo masoquismo por não ter abandonado a leitura.
Dividido em três contos, este Três Mulheres aborda o tema do amor e do ciúme, a partir da história de três mulheres em situações e contextos completamente diferentes. Três estórias tristes, em que o sofrimento humano é abordado de uma forma bastante forte. Reconhece-se em Musil um humanista, um homem sensível ao drama da vida humana mas é inegável o traço germânico da sua escrita, profunda, melancólica e muito reflexiva. Isto dá às suas estórias um tom, cinzento, sóbrio, onde a esperança não existe, apenas o sofrimento e o drama da vida.
As personagens de Musil vêem a vida como uma espécie de castigo sem redenção. Nelas não há sequer uma aproximação à alegria; há uma procura de felicidade que esbarra inexoravelmente nos dramas do pensamento, como se o acto de pensar fosse um obstáculo à vida.
Um aspecto que não ajuda mesmo nada à leitura fluida desta obra é uma tradução que me pareceu bastante infeliz; muitas frase sem sentido e alguns abusos de linguagem, como o infelizmente cada vez mais usado verbo “realizar” como sinónimo de “compreender”.
Em conclusão, aconselho este livro a quem gosta de obras mais reflexivas, na linha da literatura germânica.
 Avaliação Pessoal: 7/10

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Os escritores e a fama (in Viajar Pela Leitura)

A minha experiência no Destante leva-me a concordar em absoluto com o tópico publicado hoje no Viajar Pela Leitura e do qual copio, com a devida vénia, estas palavras:
"Quantos de nós já enviamos mails a autores a solicitar algo, como uma simples entrevista ou uma simples partilha de opinião de um livro lido? Mails estes que, muitas vezes, foram ignorados e no caso das entrevistas as repostas em questão (quando as dão),“variam” entre a falta de tempo e a falta de tempo! Verificamos assim que o tempo é uma constante no que respeita à desculpa. Felizmente, a NÓS LEITORES não nos falta tempo para ler os livros que fazem subir estes mesmos autores no top das livrarias!"
(...)
"Depois é vê-los aparecerem na televisão e dizerem que se sentem realizados quando recebem mails dos seus leitores falando dos seus livros! Pena é que depois (alguns) não o saibam retribuir devidamente."
Ler mais aqui.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Diário de Um Killer Sentimental - Luís Sepúlveda

O Diário de Um Killer Sentimental é mais uma prova da versatilidade deste magnífico escritor.
Já tinha lido em vários sítios que este é um dos escritores mais versáteis da actualidade. Cada livro que vou lendo dele, na verdade, é uma novidade. Nenhum é igual ou idêntico ao anterior.
Neste caso trata-se, ao mesmo tempo, de uma sátira às estórias de gangsters e de um livro sobre como o amor é capaz de modificar o coração mais empedernido.
O herói da narrativa é um homem duro. Um matador profissional, frio e implacável. Ele nunca falha; o gatilho, para ele, é como a escova de dentes para um comum dos mortais. Ele não faz perguntas sobre quem vai matar; nem quer saber de quem se trata nem porque vai morrer. Sabe apenas que tem de matar, mata sem piedade nem qualquer sentimentalismo… até ao dia em que conhece uma jovem francesa por quem se apaixona.
Tudo se modificará na vida deste killer, agora sentimental. Começa a desleixar-se, a cometer erros, a compadecer-se de algumas vítimas. Não deixará de ser um profissional, continuará a matar, mas como dirimamos em linguagem corrente, o seu coração amoleceu.
Terá sido a paixão a trazer-lhe um pouco de humanidade. No entanto, nem tudo é simples; aos erros cometidos acrescenta-se o ciúme (outro sentimento que nunca experimentara) e, de repente, o trabalho misturou-se com a sua vida pessoal. É o primeiro passo para o descalabro.
O final, surpreendente, deixa-nos, como sempre acontece nos livros de Sepúlveda, como um gosto amargo na boca: queríamos mais! Na verdade, a escrita deste chileno, precisa e cuidada, tem esta qualidade que por vezes se transforma num problema: os seus livros são pequenos, causando uma certa decepção ao leitor…
Avaliação pessoal: 8.5/10

terça-feira, 9 de agosto de 2011

O País do Carnaval - Jorge Amado

O País do Carnaval é o primeiro romance de Jorge Amado, escrito em 1930, quando o escritor tinha apenas 19 anos.
Embora seja nítida a sua falta de maturidade como escritor é curioso assistirmos, ao longo da leitura, ao nascimento de um génio. A qualidade da obra revela como, com uma idade tão precoce, Amado consegue construir já um enredo tão elaborado e interessante.
Viviam-se as vésperas da instauração do regime de Getúlio Vargas. O Brasil atravessava uma crise que se reflectia na alma dos jovens retratados no livro, entre os quais o principal personagem, Paulo Rigger, um jovem abastado mas desiludido com o seu país. Juntamente com alguns amigos, constituem um círculo intelectual em torno de Pedro Ticiano, um jornalista veterano, desiludido e céptico.
O cepticismo de Ticiano depressa contagia os jovens, que procuram a felicidade e o sentido da vida, sem nunca o encontrarem; o amor, a política, a filosofia, tudo se torna vão, nada consegue dar sentido às suas existências; o próprio país, mergulhado na crendice e nas ilusões do carnaval pouco ou nada diz a estas mentes inquietas.
Neste sentido, o livro é uma crítica mordaz ao Brasil daquela época, um país incapaz de inculcar qualquer esperança à juventude.
A descrença é total; Ricardo apaixona-se e casa; parece que o amor será capaz de dar a resposta; mas fica a inquietação; fica a marca do cepticismo de Ticiano e depressa o amor cede ao pessimismo. Também Paulo de apaixona mas a paixão que o fizera sorrir por momentos cai aos pés implacáveis do preconceito ao qual nem ele, jovem moderno e inteligente, consegue resistir.
Afinal, conclui-se aquilo que Ticiano vaticinara no início do livro: a felicidade só está ao alcance dos idiotas, daqueles que não pensam.  “A felicidade pertence somente aos burros e aos cretinos. Felizmente, nós somos infelizes”.
Afinal de contas, este negativismo viria, em grande parte, a dissipar-se na obra posterior do grande escritor brasileiro. Mas é preciso enquadrar este livro na época; por um lado, na ingenuidade dos dezanove anos do autor; por outro lado no contexto sócio-económico de um país em crise, por motivos internos mas também vítima da grade crise capitalista de 1929.
Avaliação Pessoal: 8/10

sábado, 6 de agosto de 2011

A Pequena Abelha - Chris Cleave

A literatura africana está de parabéns, com este novo génio natural dos Camarões chamado Chris Cleave.
Soberbo! Magnífico! O terceiro melhor livro que li neste ano, só superado por “Por favor não matem a cotovia” e “Crónica do pássaro de corda”.
Este livro tem tudo o que caracteriza uma obra-prima. Só não o é por, em determinados momentos cair em certos clichés literários.
Abelhinha (que só no título é nomeada como Pequena Abelha) é uma refugiada nigeriana em Londres; na Nigéria ela experimentou as piores humilhações e o maior sofrimento; mas na Inglaterra os tormentos foram outros; diferentes mas não menores. A burocracia, a rigidez dos costumes e, acima de tudo, o preconceito contra os estrangeiros fizeram da vida de Abelhinha em Inglaterra um novo tormento.
Sarah é uma inglesa de classe média com tudo o que uma cidadã desse estatuto costuma ter num país civilizado: filho, marido, amante e um emprego razoável. Mas nem por isso a sua vida é pacífica; quando não temos problemas de sobrevivência, podemos dar-nos ao luxo de arranjar problemas sentimentais. Para fugir a esses problemas, Sarah e o marido resolveram passar umas férias na Nigéria. Aí conheceram Abelhinha mas a vida do pacato casal britânico sofreria um golpe tão rude que nunca mais se conseguirá recompor.
Um certo humor, construído a partir da ingenuidade da alma africana, dá um pouco de leveza a esta estória, absolutamente triste. O elemento feminino, sofredor e sensível é claramente colocado em oposição ao masculino, egoísta e violento. Na Europa como na África, o homem procura impor o seu poder. Os ingleses, civilizados, apenas escondem a violência em subterfúgios, em aparências; o quem África se faz com catanas e espingardas, em Inglaterra faz-se com computadores e papéis.
Há neste livro ideais a aspectos simbólicos verdadeiramente geniais. Apenas alguns exemplos: No centro de detenção, Abelhinha reflecte, perante as marcas de sofrimento que as suas colegas exibiam: “uma cicatriz não se forma naqueles que estão a morrer. Uma cicatriz significa “eu sobrevivi”. Uma rapariga que acompanha Abelhinha nesse centro transporta um saco de plástico cheio de amarelo. Aos nossos olhos seria um saco vazio e inútil. Mas quem perdeu tudo transposta sempre algo. Nem que seja a esperança; a cor viva da esperança ou de uma réstia de alegria…
Um dia, Oscar Wilde afirmou que só a beleza pode salvar o mundo. Assim descontextualizada, esta frase torna-se vaga. Mas Abelhinha faz-nos compreender Wilde quando afirma: “ninguém gosta de ninguém mas todos gostam dos U2”. A música, a arte, a beleza, são raios de sol neste mundo a que chamam global mas onde as atrocidades persistem.
E o final do livro é outro raio de sol. A maldade persiste; a infelicidade não desaparece mas há as crianças; e com elas a esperança e a beleza nunca morrerão.
 Avaliação Pessoal: 9.5/10

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Lendo A Pequena Abelha

Tomei conhecimento deste livro aqui e desde logo me despertou a atenção.
Trata-se da aventura de uma jovem refugiada da Nigéria que procura acolhimento em Londres.
É um livro verdadeiramente negro; inquietante, perturbador.
Num mundo onde a globalização é vista, por vezes, segundo a imagem romântica da aldeia global, este livro dá-nos um grande abanão, como que a dizer: acordem para o mundo!
O drama desta jovem e o drama dos cidadãos ingleses que a pretenderam ajudar não é uma estória triste. É pior que isso: é uma história real!
Não é um livro muito adequado à praia ou ao sossego das férias; mas é um livro brilhante. Quer dizer, reservo o direito de uma opinião diferente amanhã, uma vez que ainda nem cheguei a metade do livro; mas quer-me parecer que estamos perante um dos melhores livros publicados nos últimos anos.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Quando Sopr@ o Vento Norte

Num jogo de futebol, um avançado corre com a bola para a baliza e é derrubado. O árbitro assinala grande penalidade, que é o castigo máximo. O jogador que vai marcar a grande penalidade tem a bola colocada no solo a 11 metros da baliza. Esta, tem mais de sete metros de largura: uma enormidade. Apenas o guarda-redes pela frente. No entanto, por vezes, o jogador atira ao lado ou permite a defesa do guarda redes. Foi o que fez Daniel Glattauer: conquistou uma grande penalidade, teve a oportunidade maior, mas atirou ao lado.
Por outras palavras: teve uma grande ideia, concretizou-a da melhor maneira em termos formais mas atirou ao lado falhando, a meu ver, no destino que deu aos personagens.
Especificando:
A ideia é brilhante porque, sendo original na literatura de ficção, aborda um assunto actual; situações destas acontecem, de facto na vida. Leo Leike e Emmi Rothner conhecem-se por acaso através de um e-mail extraviado. Quer dizer, conhecem-se virtualmente; um e-mail recebido por engano é o ponto de partida para uma longa troca de correspondência em que a intimidade e o sentimento crescem incessantemente.
No entanto, aquilo que à partida é uma situação divertida vai-se transformando num turbilhão de sentimentos contraditórios, medos, desconfianças e acusações. No bom estilo germânico, Glattauer conduz os personagens para um verdadeiro beco sem saída, em que o medo vai vencendo. Nunca Leo e Emmi serão capazes de viver uma realidade divertida e positiva, porque nunca se encaixam no presente que vivem; apenas alimentam o turbilhão de dramas mentais, baseados no medo do futuro.
Escrevi acima que o autor desperdiçou uma excelente ideia porque deu ao enredo um rumo inverosímil pela negatividade que os personagens teimam em atribuir à sua relação. Tudo se torna negro: o contexto familiar dos personagens, a interpretação tendencialmente negativa que cada um dá às mensagens do outro e a dificuldade quase infantil em manter o segredo da relação.
Não quero, evidentemente, revelar o final da estória. Mas devo dizer que me decepcionou pelo simplismo. No entanto, a decepção que este livro me causou tem mais a ver com essa negatividade, esse pessimismo, essa frieza que, no fundo, advém de uma emoção humana tão inútil e nefasta: o medo.
Ainda assim, acredito que não é isto que acontece na vida real.
Para finalizar, e porque tudo na vida tem lados positivos, dois aspectos que me agradaram neste livro: a fluidez da escrita, que permite uma leitura rápida e agradável e uma capa magnífica, a que a Porto Editora já nos habituou.
Avaliação Pessoal: 7/10

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Lendo quando sopr@ o vento norte, de Daniel Glattauer

Este livro tem pelo menos o mérito da originalidade: o romance é constituído apenas pelos e-mails trocados entre duas pessoas.
Emma envia por correio electrónico o pedido de cancelamento da assinatura de uma revista mas engana-se numa letra do endereço. O e-mail é recebido por Leo, que acusa o erro. A partir daí inicia-se uma cada vez mais intensa troca de mensagens que conduzirá a um estranho relacionamento virtual.
Trata-se de uma ideia original e divertida que promete uma boa leitura de férias. A ver vamos. Amanhã, aqui no blogue, opinião completa.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A melhor leitura de JULHO

Foi um excelente mês; não só pelas férias mas também pelas excelentes leituras que consegui fazer:
- Uma aventura maravilhosa com Graham Green
- Um romance histórico magnífico, o Afonso Henriques de Cristina Torrão.
- Uma aventura romântica, no bom estilo oitocentista: Jane Eyre.
- A "releitura" de um clássico muito meu: Trevisan.
- Mais uma estória maravilhosa desse grande senhor da poesia e da prosa que é Manuel Alegre.

No entanto, o melhor do mês foi esta pérola de Calvino; um livro cheio de reflexões nada maçadoras, de pensamentos profundos sem filosofias ocas. Um livro agradável e cheio de significado: