domingo, 25 de setembro de 2011

De Profundis, Valsa Lenta - José Cardoso Pires

Este pequeno livro é um testemunho absolutamente dramático de alguém que viveu a morte em vida.
José Cardoso Pires faleceu em 1998 vítima de um AVC. Escrevera este livro em 1997 descrevendo um outro acidente vascular cerebral, que sofrera em 1996.
Tudo é absolutamente dramático neste livrinho; até o estilo: nu, cru, despojado, chocante pela simplicidade com que se descreve a doença.
O genial escritor deu entrada num hospital de Lisboa onde foi assistido pelo médico João Lobo Antunes, neurocirurgião, (que prefacia este livro) irmão do seu amigo António Lobo Antunes.
Por ironia do destino, o AVC bloqueara-lhe a área cerebral da escrita, assim como da oralidade e da memória. O escritor que perdeu a memória e a capacidade de escrever. Afastando-se de si mesmo, JCP narra-nos todo o seu drama como se de outro se tratasse. O doente vagueava pelos corredores do hospital como quem procura a sua própria pessoa, perdida algures, vítima de um coágulo de sangue. Era a sua identidade que ele procurava; era o drama de se ter perdido a ele próprio. E da mesma forma brutal e silenciosa com que se perdera de si, o doente viria depois a reencontrar-se. Miraculosamente.
Este livro lê-se em poucas horas, mas ficará por certo gravado na memória de quem lê pela simplicidade e frontalidade com que o escritor descreve o seu próprio drama. 
Avaliação Pessoal: 9/10

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

O Alienista - Machado de Assis

Antes dos estudos de Jung e de Freud, Machado de Assis escreveu em 1881 esta interessante novela em que aborda de forma inovadora para a época o tema da loucura. Nesse ano, do outro lado do mundo, Dostoievski acabava de publicar o seu último romance (Os Irmãos Karamazov) e falecia pouco depois. Não sei se Machado de Assis leu o mestre russo que tão bem abordou este tema. No entanto, o seu estilo é bem diferente e inovador.
O protagonista, Simão Bacamarte, é médico e dedica-se à psiquiatria. Para tal instala-se na pequena cidade de Itaguaí, onde funda a Casa Verde, um hospício onde vai internado os habitantes da povoação que considera doentes. Aos poucos vai enchendo a casa até aí encerrar boa parte da população. A partir daí começa a ser difícil distinguir quem são os loucos porque os que ele considera sãos são uma minoria cada vez mais insignificante. Isso leva-o a, de repente, soltar todos os internados concluindo que a teoria era inversa àquilo que ele pensava.
O ponto alto da obra é atingida quando Machado de Assis cria uma relação entre o estudo da loucura e o poder político. Por momentos, a alienação colectiva parece ser o suporte quer do poder quer do contra-poder representado pelo barbeiro revoltoso, que se opõe à Câmara Municipal que apoiava o alienista.
O final do livro surpreende pela forma inteligente como o autor decide o destino do protagonista; isolado, ele é o único que pode provar a si próprio a validade das suas teorias. Faltava saber até que ponto as suas teorias não seriam, elas próprias, provenientes da sua loucura, em vez da razão. NA verdade, o estado de perfeição da mente humana, para o alienista, era o do “perfeito desequilíbrio”. Assim, ganhava lógica a atribuição do epíteto de louco àquele que apenas agisse segundo a razão :) …
Um aspecto impressionante do livro é o estilo de escrita do autor. Penso que poucos conseguiram exercitar a língua portuguesa de forma tão bela como o fez este brilhante escritor brasileiro. Veja-se, por exemplo, a musicalidade, a beleza, deste excerto: “Todo o tempo que lhe sobrava dos cuidados da Casa Verde, era pouco para andar na rua ou de casa em casa, conversando as gentes, sobre trinta mil assuntos, e virgulando as falas de um olhar que metia medo aos mais heróicos.”
Finalmente, uma nota para o fino sentido de humor de M. de Assis, que nos coloca um constante sorriso nos lábios, sem nunca cair na piada fácil que o tema sempre propicia ao escritor. Um livro importante na história da literatura de língua portuguesa, de leitura fácil e profunda, agradável e que nos propicia fortes motivos de reflexão.
Avaliação Pessoal: 9.5/10

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

O Vale dos Cinco Leões - Ken Follett

Depois de ter lido A Queda dos Gigantes (do mesmo autor) sem que tenha correspondido às minhas expectativas, empreendi esta leitura na esperança de rever “em alta” a minha opinião sobre este escritor de enorme sucesso. Mas, saí ainda mais desiludido.
Com a guerra do Afeganistão como pano de fundo, Jane, casada com um médico francês que depois se revela espião russo, está no meio de um triângulo amoroso que é completado por Ellis, um espião americano. O cliché perfeito! Entre pactos secretos, ameaças, atentados, fugas, aventuras e tudo o mais que compõe um romance de aventuras e espionagem, compõe-se assim o ramalhete de um enredo previsível, com emoção mas sem nada de novo dentro do género.
Se bem que a leitura seja agradável e o enredo atractivo, nada nos surpreende, nada consegue empolgar um leitor minimamente experimentado neste género literário. Se é verdade que há capítulos cheios de emoção, que levam o leitor a devorar as páginas, também é verdade que Follett, por vezes, se perde em descrições maçadoras e absolutamente inúteis. Fiquei com a sensação clara que esta estória, com 500 páginas se poderia contar em menos de metade do espaço.
Mesmo assim, há um lado bastante positivo neste livro: o conhecimento que podemos adquirir desse conflito tão estranho e dramático que foi a invasão do Afeganistão pela União Soviética. Mesmo assim, esse aspecto didáctico fica manchado pelo habitual maniqueísmo que coloca os americanos do lado das forças do bem e os soviéticos como a encarnação do mal. A História já nos deu muitas provas de como o mal nunca está apenas de um dos lados.
Em suma, um livro que pode ser uma leitura agradável e despretensiosa, ideal para ler em férias, mas com a qual pouco se aprende.
Avaliação pessoal: 6.5/10

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Aqui, Entre Nós - Paulo Alexandre e Castro

Já escrevi algures que de entre os novos nomes da literatura portuguesa contemporânea, Paulo Alexandre e Castro é um dos mais promissores. Depois dessa pequena obra de arte que é Loucura Azul, este escritor presenteia-nos com uma surpreendente e original peça de teatro.
Os protagonistas são três loucos num hospício. Desde logo, é um regresso à profunda, imensa, questão: o que é a loucura? Quem são os loucos? E daqui partimos para a questão que mais nos interessa: qual a quota-parte de loucura que nos é necessária para ser feliz?
É nestas coisas que o livro nos deixa a pensar. João, Pedro e Nuno são os loucos. Ou serão apenas infelizes? Ao longo do livro, é nítido o esforço que eles fazem para assumir comportamentos, raciocínios e emoções consideradas “normais”; tentam fugir da loucura assumindo uma assustadora lucidez. No entanto, parece óbvio que nada mais fazem do que qualquer um de nós, no quotidiano: apenas procuram ser felizes. Esta questão é muito mais relevante e profunda do que parece à primeira vista, porque a sua aparente loucura (e vemos isso nitidamente no final da peça) não passa de um desajuste em relação à realidade. Essa realidade é a normalidade, apresentada na peça pelas três mulheres que visitam os “loucos”; elas surgem de repente, vindas da normalidade. No entanto, essa normalidade é negra, infeliz, cruel…
Por outras palavras: onde está a loucura, afinal: na fuga à crueldade dos dias “reais”? ou nessa realidade trágica, absurda, que levara aqueles homens aos hospício?
Afinal de contas para onde caminham João, Pedro e Nuno? De que fogem? Onde está a normalidade da vida?
Esta avalanche de perguntas, de dúvidas existenciais é o que nos fica da leitura desta peça. E não é pouco, convenhamos. São questão que sempre hão-de avassalar a alma humana… afinal de contas, João, Pedro e Nuno não são diferentes de qualquer um de nós. Qualquer um de nós foge da normalidade; qualquer um de nós será um dia apelidado de louco… mas qualquer um de nós poderá descobrir que um homem é muito mais que um carimbo social, muito mais que um nome, um tempo no relógio, uma imagem na fotografia, mais que a ilusão de uma pedra na sopa.
No final, João, Pedro e Nuno recitam, em conjunto um poema. De lá tomei a liberdade de copiar este excerto:
NUNO-  … da vida…
JOÃO - … o que vale…
PEDRO - … é a loucura…
NUNO - … pura e crua!…
 Avaliação Pessoal: 9/10

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Os Mistérios de Jerusalém - Marek Halter

Os números têm, muitas vezes, significados profundos que vão muito além da aritmética. A numerologia nos textos bíblicos é apenas um dos muitos aspectos fascinantes que este livro envolve. Mas começo este comentário com esta referência porque, terminada a leitura, é um número, um simples algarismo, que me surge na mente para sintetizar o significado da obra. É o número 3. Porquê?
Em primeiro lugar, porque este livro envolve três dimensões, claramente distintas: é uma estória policial, um romance de aventuras e um autêntico manual de história por detrás da ficção. Uma estória nos bastidores da história!
Por outro lado, são três os tempos narrativos que nos fornecem uma interessante visão diacrónica da história de Israel: 1) o tempo bíblico do Antigo Testamento, com todos os mistérios, conflitos e maravilhas do mundo antigo; de Abraão à segunda destruição do Templo, pelos romanos, Halter encaminha-nos por uma viagem maravilhosa através das páginas do Antigo Testamento. 2) as cruzadas, na Idade Média, que a coberto de uma guerra sagrada foram ao mesmo tempo, oportunidades de rapina e pilhagem de tesouros mais ou menos míticos. E 3) o final do século XX, num cenário de conflitos e problemas geo-estratégicos que envolvem, mais uma vez, três elementos: a) os escombros da ex-União Soviética com os negócios escuros e oportunistas da máfia russa; b) os países árabes como o Iraque, aliados dos russos no ódio ancestral a Israel e c) os serviços secretos israelitas, guardiões dos tesouros sagrados mas, acima de tudo, guerreiros dos tempos modernos dispostos a lutar com todos os meios pela defesa da pátria israelita tão arduamente conquistada.
No meio de todos estes conflitos está Jerusalém, pátria sangrenta e mártir das 3 grandes religiões monoteístas: cristianismo, judaísmo e islamismo. Uma encruzilhada de 3 sonhos.
Conseguir sintetizar todos estes elementos num emocionante romance de 400 páginas foi o resultado brilhante deste trabalho de Marek Halter, contado na primeira pessoa.
Sem dúvida, um livro brilhante! Emocionante, profundo, problemático, polémico. Um romance de aventuras que não cai na trivialidade do género, tão em voga, de estórias de espiões; um livro policial que não se refugia em maniqueísmos em culto de heróis; um livro de história onde a informação, a reflexão e a profundidade de análise não resulta em intelectualismo formal e maçador.
Na parte final do livro, quando a emoção se adensa, surge a mais bela e pungente mensagem: israelitas e palestinianos, judeus e islamitas, poderão lutar em conjunto na defesa da sua memória. Não vou desenvolver este aspecto porque me levaria a desvendar aquilo que deve ser o leitor a descobrir. Mas tenho de enfatizar o golpe de génio com que Marek termina a aventura: por uma vez os sonhos uniram-se em Jerusalém na defesa de uma memória que, afinal de contas, une aqueles que a história separou. Jerusalém, a árvore de onde brotaram tantos ramos encerra um sonho único, fundado sobre memórias intemporais.
Brilhante!
Está de parabéns a editorial Bizâncio pela reedição deste livro e, já agora, pela capa simples e magnífica!
Avaliação Pessoal: 9.5/10

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

A Marca do Assassino - Daniel Silva


Publicado em 1998, A Marca do Assassino foi o primeiro sucesso literário deste escritor português radicado nos EUA. Trata-se de um (mais um) exemplo das estórias de espionagem que maravilham um determinado público que anseia por emoção e suspense. Devo dizer que de vez em quando me incluo nesse público e foi por isso que li este livro. E não me arrependi; lê-se com uma velocidade vertiginosa porque, com capítulos pequenos e muita acção, permanece sempre aquela habilidade do escritor para agarrar o leitor à história. No entanto, como é próprio da maioria dos livros deste género, chega-se ao fim da leitura com aquela sensação esquisita de ter passado bem o tempo mas, “espremida” a leitura… não sai nada!
Alguém já comparou Daniel Silva a John Le Carré. Digamos que a comparação tem razão de ser, da mesma forma que o Marco Paulo é comparável ao Frank Sinatra; pertencem à mesma “família” mas em patamares bem distanciados.
A ideia base do livro até é bem interessante: um horrível atentado terrorista é reivindicado por uma organização islâmica, mas o agente Michael Osborne desconfia dessa reivindicação. Poucos dias depois do atentado, o presidente dos EUA consegue vencer uma reeleição que estava praticamente perdida; e consegue-o graças a um reacção brutal ao atentando, com bombardeamentos no médio oriente; ao mesmo tempo, os magnates das armas nos EUA rejubilam com o desencadear do conflito. Daniel Silva põe o dedo na ferida: por vezes, uma guerra ou um atentado terrorista permitem ganhar eleições e ganhar muito dinheiro.
Posta a questão nestes termos e feita justiça à coragem de Daniel Silva, resta dizer que o restante enredo, se bem que emocionante, não consegue escapar a um amontoado de clichés. Lá encontraremos os assassinos a soldo, impiedosos e sanguinários, as intrigas internacionais, a história romântica do detective chefe de família em dificuldades para cumprir as suas obrigações familiares. Enfim, um romance de espionagem que por vezes se aproxima do banal.
No entanto, repito, não deixa de ser uma leitura agradável.
Avaliação Pessoal: 7/10

sábado, 3 de setembro de 2011

Felizmente Há Luar! - Luís de Sttau Monteiro


Raramente um texto tão curto consegue envolver mensagens tão significativas e um conteúdo tão rico. Trata-se de uma curta peça de teatro sobre a vida do  Gomes Freire de Andrade, um corajoso general português que viria a ser condenado à morte em 1817, por ordem do britânico Beresford, aquando da ausência da corte no Brasil.
Viviam-se tempos conturbados. D. João VI havia-se refugiado no Brasil após as invasões francesas, deixando o governo português entregue aos ingleses. Grassavam em Portugal e por toda a Europa as ideias liberais; em Portugal, a Igreja Católica e a aristocracia tradicional lutavam por todos os meios resistir às novas ideias. Freire de Andrade, liberal, era uma ameaça. Por isso foram forjadas acusações de traição que levaram à sua morte.
Mas a peça de Sttau Monteiro vai muito mais além; o alvo é também o regime em que o autor vivia: a ditadura de Salazar; mais ainda, é uma crítica e um lamento profundo perante qualquer forma de governo despótico e perante todas as injustiças sociais que tais regimes provocam.
É um poderoso grito de revolta perante a injustiça, a força bruta do poder político e a miséria das populações.
A Igreja é um dos alvos mais fortemente satirizados e criticados; a Igreja que esteve do lado dos absolutistas, tolerou os ingleses e, mais tarde do lado de Salazar. A Igreja simboliza a antítese das ideias que Stau Monteiro defende: a tolerância, a justiça social e a solidariedade, incarnadas pela personagem Beresford, ou seja, as ideias liberais.
Um outro aspecto que esta peça denuncia é a brutalidade das forças policiais, ao serviço de um governo despótico e que constituem mais um denominador comum entre a monarquia pré-liberal e o Estado Novo.
A linguagem usada na peça é profundamente irónica e sarcástica. O latim, constantemente usado pelos membros da Igreja reforça essa ironia de uma forma quase humorística.
A carga simbólica do luar representa um raio de luz, um assomo de esperança que resiste... haverá sempre uma voz como a de Feire de Andrade; uma voz de coragem; uma voz de esperança...
No fundo trata-se de uma obra intemporal: uma obra que aborda assuntos que estarão sempre na preocupação de qualquer ser humano pensante. Uma obra que ficou indelevelmente marcada nas páginas mais nobres da literatura portuguesa.
Avaliação Pessoal: 9/10

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

A melhor leitura de Agosto





Perante três livros portentosos como estes, é muito difícil dizer qual deles me deu mais prazer ler.
No entanto, pelo encanto, pela originalidade e pela simplicidade com que um tema tão profundo é tratado, a minha escolha do mês vai para...
CHRIS CLEAVE - A PEQUENA ABELHA.