sexta-feira, 31 de agosto de 2012

O Prisioneiro do Céu - Carlos Ruiz Zafón


Sinopse
Barcelona, 1957. Daniel Sempere e o amigo Fermín, os heróis de A Sombra do Vento, regressam à aventura, para enfrentar o maior desafio das suas vidas. Quando tudo lhes começava a sorrir, uma inquietante personagem visita a livraria de Sempere e ameaça revelar um terrível segredo, enterrado há duas décadas na obscura memória da cidade. Ao conhecer a verdade, Daniel vai concluir que o seu destino o arrasta inexoravelmente a confrontar-se com a maior das sombras: a que está a crescer dentro de si.
 Transbordante de intriga e de emoção, O Prisioneiro do Céu é um romance magistral, que o vai emocionar como da primeira vez, onde os fios de A Sombra do Vento e de O Jogo do Anjo convergem através do feitiço da literatura e nos conduzem ao enigma que se esconde no coração de o Cemitério dos Livros Esquecidos.

Comentário:
A saga Cemitério Dos Livros Esquecidos começou com A Sombra do Vento, continuou com O Jogo do Anjo e agora com este Prisioneiro do Céu. Na minha opinião começou de forma brilhante, com uma obra magistral dentro do género, continuou com um livro um pouco mais frágil, com uns toques de fantástico algo estafado e aparece agora com uma obra nitidamente falhada.
Foi, para mim, uma tremenda deceção, este livro. Evidentemente, porque quem sabe não esquece, continua a ser uma escrita muito agradável, a de Zafón. No entanto, o livro dececiona pelo enredo frágil, pouco trabalhado, demasiado simplista e linear, pela ausência quase total daquela emoção, daquela incerteza que caraterizou o primeiro livro e até pela fraqueza em que caiu essa personagem fortíssima que considero ser Fermin.
Resta, é certo, o encanto do Cemitério dos Livros Esquecidos, mas até esse espaço místico só aparece no final do livro.
Reta também a continuação de um excelente testemunho histórico desse acontecimento fulcral da história da Europa que foi a guerra civil de Espanha: a crueldade e a estupidez do regime fascista, um regime assassino, absurdamente violento sobre os próprios espanhóis, de um ditador amigo de Salazar, o general Franco.
Em conclusão: tendo em conta a qualidade de escrita de Zafón e a qualidade dos volumes anteriores, não esperava uma obra tão insípida como esta. Foi, para mim, talvez a deceção do ano.

sábado, 25 de agosto de 2012

José Frèches - L'empire des larmes - Le sac du palais d'Été

Sinopse:
Dans les pavillons et les jardins de la Cité interdite, une rumeur court : la " Sibérienne " est de retour à la Cour et l'empereur Daoguang est retombé dans les filets de cette sublime étrangère. Elle est venue réclamer le fils né de sa liaison avec le souverain, dix-huit ans auparavant, et qu'on lui a arraché à la naissance. Cet enfant, c'est La Pierre de Lune qui, parfaitement ignorant de son illustre origine, cherche désespérément la jeune Anglaise dont il est tombé amoureux. Trouvera-t-il son âme soeur dans ce pays assiégé par les Occidentaux ? Saura-t-il forcer le destin dans la fureur qui s'annonce et conduira inexorablement au saccage du magnifique palais d'Eté, joyau de la Chine impériale?

Comentário:
Penso que ninguém exceto José Frèches conseguiu de forma tão brilhante transmitir todo o encanto e todas as misérias dessa civilização milenar que é a China. Traqta-se de um mundo que, por tão distante e diferente se nos afigura sempre como uma espécie de mundo encantado.
Neste volume Frèches aborda do período entre as duas Guerras do Ópio, em meados do século XIX, em que os países europeus, principalmente França e Inglaterra procuram a China como um território a explorar ao máximo, nem que seja à custa de lhes fornecer o ópio com que os chineses se torturam e matam a eles próprios.
Por outro lado, protestantes e católicos rivalizam entre si, disputando os chineses não só como almas mas também como fontes de recursos a conquistar. A ambição material e a ambição de poder andam sempre a par e sobrepõem-se claramente à vontade de evangelizar e proteger os autóctones. Estes vivem mergulhados na miséria e na ignorância. Assim os formou o poder político imperial: submissos e humildes. Mas também não foram os europeus capazes de acabar com esta miséria. Nem lhes interessava tal coisa.
Profundo admirador do Budismo e das tradições ancestrais do povo chinês, Fréches escolheu para título desta obra um acontecimento que só é descrito na parte final do livro; no entanto, a pilhagem e destruição do palácio de Verão, por parte dos ingleses, simboliza toda uma história de destruições e humilhações perpetradas pelos europeus, principalmente ingleses, sobre os povos orientais, de quem se pretendia apenas a exploração e o lucro. O negócio do ópio é um exemplo flagrante; ele era perfeitamente legal, praticado às claras por fidalgos e comerciantes “honrados”, mesmo sabendo-se que os pobres viciados chineses viviam em condições degradantes e morriam de forma atroz, mergulhados na dependência.
Enfim, um livro que se lê de forma muito agradável, que nos permite compreender e admirar esta civilização que se hoje é tão temida e admirada, foi durante séculos espezinhada e torturada por um colonialismo egocêntrico e materialista que se arrastou até ao século XX. 

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Revolutionary Road - Richard Yates


Sinopse:
O primeiro romance de Richard Yates, Revolutionary Road, tornou-se um clássico logo após a sua publicação em 1961. Nele, Yates oferece um retrato definitivo das promessas por cumprir e do desabar do sonho americano. Continua hoje a ser o retrato da sociedade americana. Um casal jovem e promissor, Frank e April Wheeler, vive com os dois filhos num subúrbio próspero de Connecticut, em meados dos anos 50. Porém, a aparência de bem-estar esconde uma frustração terrível resultante da incapacidade de se sentirem felizes e realizados tanto no seu relacionamento como nas respetivas carreiras. Frank está preso num emprego de escritório bem pago mas entediante e April é uma dona de casa frustrada por não ter conseguido seguir uma promissora carreira de atriz. Determinados a identificarem-se como superiores à crescente população suburbana que os rodeia, decidem ir para a França onde estarão mais aptos a desenvolver as suas capacidades artísticas, livres das exigências consumistas da vida numa América capitalista. Contudo, o seu relacionamento deteriora-se num ciclo interminável de brigas, ciúmes e recriminações, o que irá colocar em risco a viagem e os sonhos de auto-realização.

Comentário:
Mau grado a aparência algo “pirosa” da capa desta edição, este é um livro interessante.
É um livro sobre liberdade, sobre projetos adiados mas que iluminam uma vida. April e Frank queriam remar contra a maré; sonharam com uma vida diferente; fugir ao tédio da mediania; fugir à miserável condição de sonhadores adiados, de membros da colmeia onde todos seguem os mesmos padrões, onde todos se olham como rivais mas sempre membros da mesma “carneirada”. Frank e April sonharam ser diferentes; sonharam ser felizes; talvez não tenham conseguido. Mas sonharam. E portanto, viveram.
Publicado pela primeira vez em 1961 este livro é uma das sátiras mais assertivas que até hoje li sobre a sociedade norte-americana, tal como ela foi formada pelo neo liberalismo triunfante no período após a segunda guerra mundial.
Em causa está um modelo de vida que privilegia o formalismo burguês da classe média e o materialismo capitalista disfarçado numa redoma de moralismo conservador tipicamente americano. Na verdade o autor parece ter como alvo principal esse conjunto de ideias conservadoras e moralistas que apenas fornecem uma imagem artificial da vida.
Frank, empregado num escritório que já arruinara todos os sonhos do pai, é o primeiro a dar-se conta de como a América caminha para a loucura, produzindo cidadãos totalmente alienados, envolvidos num conceito de normalidade avassalador que não permite desvios. Ou seja, que não oferece qualquer margem de liberdade. É a América esquizofrénica, pátria privilegiada da psiquiatria.
Este olhar triste e revoltado percorre quase todo o livro; mau grado o título que promete um certo tom de esperança, a verdade é que não há esperança nem redenção. John, considerado louco, internado num hospício, é o único que concorda com Frank quando este afirma que “este país é um vazio sem esperança”. Contra este modo de pensar, John recebe intensos tratamentos com choques elétricos.
Mas a triste realidade é a dos Campbells; esses sim, são os cidadãos normais da América. O chefe de família, Shep é a imagem quase perfeita de Homer Simpson: pouco dado à higiene, ignorante, bruto, egoísta e interesseiro. É esta a América dos anos 50, como é esta a América da atualidade que, por exemplo Paul Auster nos retrata nos seus livros.
Em suma, trata-se de um livro de leitura muito fácil, agradável embora com um enredo algo sombrio. Como referi acima, merecia uma capa melhor.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Ravelstein - Saul Bellow



Sinopse:
Este livro pode ser definido como uma declaração de amor, de amizade e de admiração. O personagem-título do mais novo e polêmico romance de Saul Bellow é, na verdade, Allan Bloom, professor de filosofia que influenciou várias gerações de políticos americanos e chegou a ser recebido por Reagan e Thatcher. Como um pensador da Antigüidade Clássica, Bloom era um líder para seus alunos e sua ascendência ia muito além das salas de aula. Acima de tudo, ele procurava instigá-los a pensar, levando ao limite sua busca pela liberdade de pensamento e defesa da democracia. Saul Bellow se retrata no livro como Chick, um escritor que jamais conseguiu passar do quinto lugar na lista dos mais vendidos e amigo incondicional de Ravelstein, com quem se encontra em Paris. Saul Bellow também revela no livro a homossexualidade de Allan Bloom e sugere que ele teria morrido de HIV.
(extraído daqui

Comentário:
É o primeiro livro que leio deste escritor norte-americano (embora nascido no Canadá) e posso dizer que vale a pena, a julgar por esta obra. Saul Bellow obteve o prémio Nobel da Literatura em 1976 mas este é o seu penúltimo livro, escrito em 2000 quando Bellow contava já 85 anos de idade (veio a falecer em 2005). Mais do que um romance, trata-se de um livro de apontamentos biográficos.
Este livro, embora ficcionado, não deixa de ter fortes traços autobiográficos, representando-se no enredo a amizade do autor por Allan Bloom, conhecido politicólogo norte americano, aqui nomeado Ravelstein. Eminente especialista em política externa, ele privara com os grandes nomes da história americana do século XX e estudara Keynes e Friedman. Ravelstein é um daqueles personagens fortes, dominadores que encandeiam todos os que o rodeiam. Judeu culto, rico, invejado e idolatrado, Abe Ravelstein terá um final de vida dramático devido ao HIV, contraído devido a relações homossexuais promíscuas. A ideia que passa ao leitor é que a tentativa de anular o judaísmo parece funcionar em, personagens como este como um motivo para que a sua vida seja ainda mais marcante; como se a perseguição fosse motivo para uma espécie de vingança sobre o destino: viver em força, marcando a existência de tal forma que a memória nunca se apague. A vida, vivida no limite, com uma intensidade por vezes absurda, talvez fosse uma forma de combater a ignomínia com que algumas ideias políticas tentaram encobrir e perseguir os judeus.
Um outro aspeto muito interessante nesta obra é a forte abordagem da amizade entre os dois homens; Chick, alter-ego do autor idolatra Ravelstein; trata-se de uma daquelas amizades em que alguém se deixa quase subjugar pelo outro; por aquele que admira de forma quase sagrada. E a forte personalidade de Ravelstein pactua com esta situação e alimenta-a. Até a doença de Chick se assemelhe à do seu ídolo. Questiona-se aqui até que ponto a amizade pode conduzir à despersonalização; até que ponto uma personalidade pode dominar outras pessoas de forma tão avassaladora.
Enfim, trata-se de um livro interessante, de leitura fluida, que nos deixa com vontade de saber mais sobre este autor norte americano.

sábado, 4 de agosto de 2012

Dublinesca - Enrique Vila-Matas


Sinopse
Samuel Riba considera-se o último editor literário e sente-se perdido desde que se retirou. Um dia tem um sonho premonitório que lhe indica claramente que o sentido da sua vida passa por Dublin. Convence então uns amigos para irem ao Bloomsday e percorrerem juntos o próprio coração do Ulisses de James Joyce.
Riba oculta aos seus companheiros duas questões que o obcecam: saber se existe o escritor genial que não soube descobrir quando era editor e celebrar um estranho funeral pela era da imprensa, já agonizante pela iminência de um mundo seduzido pela loucura da era digital. Dublin parece ter a chave para a resolução das suas inquietações.
Neblina e mistério. Fantasmas e um humor surpreendente. Enrique Vila- Matas regressa com um romance que parodia o apocalíptico ao mesmo tempo que reflecte sobre o fim de uma época da literatura. Um romance deslumbrante, aberto às mais diversas leituras, uma verdadeira prenda povoada de surpresas. 

Comentário:
Riba é um editor desiludido.
Gutenberg vencido pelo Google; a imagem da decadência e da morte lenta da grande literatura.
Em torno de Ulysses de James Joyce, expoente máximo da era Gutenberg, Riba decide ir a Dublin fazer o funeral da era da imprensa, convidando para isso três amigos: Javier é uma espécie de contraponto de Riba: não gosta do intelectualismo de Joyce. Ricardo tem uma espécie de dupla personalidade; tenta equilibrar os dois lados: a intelectualidade e a vida. Finalmente, o jovem Nietzky. Um nome que faz referencia a Nistzsche; um jovem que Riba admira; grande admirador de Auster, como Riba. Ele será o cérebro da expedição.
Como no filme de Cronemberg (Spider), Riba personifica “a incomunicabilidade de um solitário com um mundo inóspito”. Riba é um solitário que admira Paul Auster, nomeadamente no seu livro “Inventar a solidão”; é nessas viagens pelo mundo interior que Riba imagina e planeia a viagem a Dublin, como se fosse uma espécie de santuário onde executará o requiem à grande literatura.
Em grande parte, este é um livro negro. O autor revela um tremendo desencanto em relação ao rumo da literatura atual; logo no início do livro, Riba apresenta-se como o editor fracassado porque se recusou a editar livros góticos, com vampiros e sangue.
Todo o enredo da obra se baseia nesta crítica, por vezes demasiado enfática, envolvendo mesmo os leitores: numa perspetiva algo elitista, bem do agrado dos críticos literários mais cinzentos, o autor considera que já não há bons leitores: os leitores atuais preferem encontrar nos livros imagens daquilo que eles são, recusando ideias alternativas. Tudo o que lhes é minimamente estranho, é rejeitado. Trata-se, a meu ver de uma perspetiva demasiado sombria e pessimista que não beneficia em nada esta magnifica arte que é a literatura; não é derrotando os leitores que a literatura triunfa.
Trata-se de um livro que me despertou sentimentos contraditórios: por um lado um desencanto perante esta perspetiva híper criticista e elitista, representante típico desta conceção de cultura que rejeita tudo o que pode ser considerado divertido e simples; para Vila-Matas, como para muitos dos intelectuais mais destacados da nossa praça, a cultura tem de ser bem chata, bem cinzenta. E triste; muito triste.
Mas há o outro lado, o sentimento contraditório que despertou em mim o interesse, precisamente, por algumas ideias de Vila-Matas, explanadas num estilo original e com algum bom humor. O funeral em Dublin tem qualquer coisa de surreal, qualquer coisa de vagamente místico que nos deixa presos à leitura sem que nos apercebamos do real motivo desta atração pela leitura. Não há dúvida que Vila Matas escreve muito bem; não é dúvida que é criativo e original; no entanto, esta mensagem cinzenta, esta perspetiva sombria e esta envolvência algo elitista da cultura literária tornam o livro pouco agradável para quem, como eu, encara a literatura como um dos aspetos mais agradáveis, oníricos e divertidos da vida.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

A Melhor leitura de Julho - A Sala de Vidro

A Sala de Vidro, de Simon Mawer.
Um livro em forma de obra de arte ou uma casa em forma de livro; letras como se fossem paredes transparentes ou vidros como se fossem frases ou versos em prosa.
Este livro é uma verdadeira obra de arte e tem aquilo que cada vez é mais difícil de obter: originalidade no estilo sem se tornar excêntrico.
Além de tudo mais estamos perante um excelente retrato da época que precede a segunda guerra mundial.