domingo, 15 de fevereiro de 2015

Cristais de Natal - José Fernandes da Silva

Comentário:
Antes mais nada, o título. Cristais de Natal. Poucas vezes um livro terá tido um título tão feliz. Os cristais são belos e simples. Como belos e simples são os contos que José Fernandes da Silva escreveu para este livro.
E o Natal. A consoada e o dia de Nascimento, como são conhecidos no Minho os dois dias mais importantes da quadra. O Natal, logo no primeiro conto (Consoada Feliz) é-nos apresentado como um suave milagre, para usar a tão feliz expressão de Eça de Queirós. Um milagre singelo e suave, um tempo de felicidade discreta, tão simples como os cristais feitos de geada.
Nesse conto, o Rogério viera de fora. Era um migrante, como tantos que por aí encontramos hoje em dia, talvez à procura de um qualquer Natal. Mas alguém seria enviado pelo Espírito do Natal para oferecer ao Rogério uma réstia de luz, tão simples, tão singela, mas suficiente para fazer nascer um sorriso cristalino.
Por mais que o poeta proclame, o Natal nem sempre é quando um homem quiser. Porque como diz o autor, “uma grande parte das vezes, o homem não quer nem se esforça por querer”. É por isso que o 25 de Dezembro é e será sempre um dia único.
Uma das principais qualidades deste livro é a enorme variedade de abordagens do espírito natalício, fruto da fértil criatividade artística do autor. Por exemplo, no conto “Presente de Natal, a dádiva é da mãe natureza, sob a forma do azevinho, que é dádiva sagrada; no conto “Prenda de Natal” encontramos uma bela alusão a um momento histórico fulcral. É que houve um ano em que o Natal foi em Abril; porque é quando um homem quiser e nesse ano os homens quiseram, finalmente, acabar com a ditadura. Foi o ano em que o Natal se escreveu com as letras da palavra Liberdade.
São pobres aqueles sobre quem José Fernandes da Silva escreve; mas não são os pobres miserabilistas ou acomodados, à espera do subsídio, nem muito menos os pobres conformados com os velhos e tacanhos valores ultraconservadores da “pobreza honrada”. É, isso sim, a pobreza de um povo que luta, de um povo que, com suor e fé, sonha que um dia “a riqueza, fraterna, abrace a pobreza” (página 29). Ou seja, um povo que clama e luta por um mundo mais justo e fraterno.
É claro que os valores cristãos estão sempre presentes neste quadro social e mental. Mas não se esgotam em si mesmos. São valores ativos; constituem um quadro moral que não se pode separar das condições materiais de existência.
No entanto, nem mesmo o Natal é eterno; pelo menos algumas das tradições que envolve estão ameaçadas; é o caso do presépio tradicional ou dos jogos de pinhões. Este livro pode também ser entendido como um repositório dessas tradições e, acima de tudo, desse espírito que todos queremos manter. Ou melhor, cristalizar.

3 comentários:

Carlos Faria disse...

Nunca ouvira falar deste escritor, embora também ande agora numa fase de contos, mas de Poe.

Denise disse...

Olá Manuel,

Gostei imenso da análise e fiquei curiosa em conhecer o autor.

Boas leituras!

Unknown disse...

O José Fernandes é um escritor minhoto publicado por uma editora modesta, a Caligrafo. Para o caso de pretenderem mais informações, aqui fica a página do autor, com os respetivos contactos:
http://www.josefernandes.net/