segunda-feira, 29 de junho de 2015

Memórias de Adriano - Marguerite Yourcenar


Comentário:
Embora obviamente bem escrito não foi pelo talento de bem escrever que este livro se destacou na história da literatura; nem sequer pelo estilo objetivo, direto, belo na sua naturalidade. Foi pela enorme sensibilidade de Marguerite Yourcenar que interiorizou na perfeição a personalidade, o talento e a sabedoria deste personagem fascinante que foi um dos 5 grandes imperadores de Roma.
Adriano não tinha talento para as letras mas era apaixonado pela cultura grega. Um admirador do saber, da ciência, da filosofia mas, acima de tudo, do humanismo.
Adriano foi um dos maiores imperadores de Roma e, ao contrário de outros, não se distinguiu pelos feitos heróicos ou espetaculares mas pela sabedoria e pelo talento político. Acima de tudo há que destacar a humildade perante a sabedoria grega ¨sabia que seria sempre menos subtil do que um marinheiro de Egina, e menos sábio do que uma vendedora de ervas da ágora.” 
Embora não fosse um guerreiro, Adriano não podia escapar à guerra. O principal foco de , durante o seu reinado, situou-se no Oriente; árabes e judeus estavam unidos contra os romanos; Adriano não conseguia entender esta aversão aos romanos; sentia uma espécie de injustiça pelo não reconhecimento do papel civilizador dos romanos; talvez aqui resida o princípio das desgraças do povo judeu…
Uma das maiores lições que Adriano pode fornecer aos políticos é esta: ele tinha poucos inimigos porque prezava mais a liberdade que o poder. Era um apaixonado pelo mundo; um viajante; tinha o sonho de contornar o mundo, já reconhecidamente esférico segundo Eratóstenes.
Politicamente, Adriano foi um génio. Procurou sempre evitar a guerra, a rapina e o abuso. Assim conseguia agradar às populações e disciplinar o exército. Só a paz podia trazer prosperidade; foi este o seu lema quando chegou ao poder, estabelecendo a paz com os Partos e abandonando territórios mais longínquos, como a Arménia. Defendia o fim das conquistas. Em parte, estamos perante um pacifista no trono romano. 
Foi também um pacificador a nível interno: limitou a escravatura e impediu a existência de gladiadores forçados. Procurou estabelecer uma certa moralidade nos costumes, sem moralismos. 
Humanitas, Felicitas, Libertas": essas belas palavras que figuram nas moedas do meu reinado testemunham bem o seu caráter .
Foi o primeiro governante romano a proteger alguns direitos dos escravos: de fazer respeitar a sua família, protegendo-os de funções degradantes e limitando a tortura.
Da mesma forma defendeu os direitos das mulheres, por exemplo proibindo o casamento contra vontade. 
Foi um humanista mas procurou sempre por esse humanismo em prática. Tentou construir um império em que todos os homens pudessem ser felizes, sob a proteção da famosa Paz Romana. Ninguém encarnou tão bem o ideal civilizador de Roma.
A relação com Antinoo, o seu jovem catamita: é notável a naturalidade e a singeleza de uma relação homossexual que, entre os romanos, era vista com toda a naturalidade. A morte de Antínoo é o acontecimento que mais páginas ocupa no livro, tal era o amor que Adriano lhe dedicava, ao ponto de ter construído uma cidade em sua honra: Antinoé, ou Antinoópolis, nas margens do Nilo, onde o jovem se suicidara.
É curioso o respeito demonstrado pelos cristãos; apenas os achava demasiado humildes e incapazes de perceber que o amor ao próximo não se coaduna com a natureza humana. Mas o mais curioso (e o mais importante) é que Adriano vê nos cristãos o maior defeito que estes viam nos romanos: a intolerância, neste caso para com a religião romana.
A grandeza de Adriano ficou bem patente na escolha dos seus sucessores, Antonino, um homem essencialmente bom e honesto e Marco Aurélio, um dos imperadores mais cultos e inteligentes que Roma teve; um “filósofo de coração puro”, como o próprio Adriano o definia.

Sinopse
Memórias de Adriano tem a forma de uma longa carta dirigida pelo velho imperador, já minado pela doença, ao jovem Marco Aurélio, que deve suceder-lhe no trono de Roma (séc. II d.C.). Pouco a pouco, através desta serena confissão ficamos a conhecer os episódios decisivos da vida deste homem notável. Vencedor do prémio Femina Varesco, este romance é seguramente uma das mais importantes obras da literatura clássica contemporânea e, em particular, de Marguerite Yourcenar.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

A Terceira Condição - Amos Oz


Sinopse
A Terceira Condição conta-nos, ao longo de seis dias, a vida banal de um homem de 54 anos, Fima de seu nome, recepcionista numa clínica ginecológica de Jerusalém, que sonha aliviar os sofrimentos do mundo - os das vítimas da Intifada, por exemplo, ou os do cão martirizado pelas crianças do bairro onde habita.

Comentário:
Em termos de estilo e de ideias, Amos Oz pode situar-se a meio caminho entre Phillip Roth e J.M. Coetzee, conseguindo aliar a leveza e o humor de um à capacidade do outro de colocar o dedo na ferida, com uma intensa profundidade reflexiva. No centro de tudo está a eterna questão israelo-árabe, vista pelo lado judaico mas naquele sentido profundamente crítico que carateriza os melhores escritores judaicos da atualidade. 
A vida do protagonista é colocada em paralelo com a vida e história de Israel e reside nesse paralelismo o maior mérito deste livro. Fima, diminutivo de Efraim, é um ser complexado como Israel; como se toda a história fosse um peso e todos os atos fonte de remorso. 
Em Fima como em Israel parece haver um eterno e incontornável complexo de culpa, particularmente no que respeita aos colonatos e aos territórios árabes ocupados:
Passamos a vida a tentar recalcar o que fazemos nos Territórios, e como consequência o ar fica tão carregado de fúria e agressividade que andam sempre todos a atirar-se uns aos outros” (pág. 41).
Esta perspetiva dá um tom algo sombrio ao livro mas o autor consegue equilibrar a reflexão com um sentido de humor peculiar derivado da personalidade distraída e desastrada de Fima, como do país. Fima é um incapaz, como o Estado de Israel. Este paralelismo entre o personagem e o país repete-se em diversos âmbitos. Fima “fala pelos cotovelos”; quer estabelecer laços de amizade com todos mas acaba apenas por ser um amigo pouco oportuno, que se intromete na vida de todos, nem sempre com consequências positivas para qualquer das partes. Esta crítica ao país repete-se, por exemplo, no pormenor de Fima anotar e estudar todos os seus sonhos. Israel vive ligada ao passado, revivendo sonhos e pesadelos constantemente, de forma teimosa e depressiva como acontece com Fima.
O que fica, no final, é a sensação de que o país é vítima de si próprio, o mesmo acontecendo com o judaísmo em geral, com a sua necessidade quase doentia de se autopunir, de se julgar constantemente e de não conseguir viver o seu destino de forma independente dos outros. 
“Então ainda não entendeu que o seu crime é o seu castigo?” (pg. 232)
E um taxista anónimo sentencia: 
“Desde que ocupámos os territórios e a Faixa de Gaza nunca mais tivemos sossego”. 
Fima decidiu que se formasse governo, este taxista seria o seu Ministro das Defesa.
Em suma, trata-se de um romance muito rico em conteúdo, sobre uma temática que Roth desenvolveu mais ou menos na mesma linha (talvez com um pouco mais de leveza que lhe confere um maior prazer de ler) e que me fez lembrar aquele que é, na minha opinião, o livro mais interessante sobre este assunto, A Questão Finkler, de Howard Jacobson. E já agora, quem se interessa mesmo por estas questões não pode perder Os Mistérios de Jerusalém, de Marek Halter.


sábado, 20 de junho de 2015

Uma morte suave - Simone de Beauvoir


Comentário:
Fui, noutros tempos, admirador incondicional do existencialismo francês. Mas dessa espécie de paixão juvenil restou apenas Camus. Pelo sentimento, pela crueza do discurso mas, acima de tudo, pela inteligência.
Quanto a Simone de Beauvoir, continuo a admirar a sua sensibilidade, a defesa de causas humanitárias fundamentais mas já não tenho paciência para tanto pessimismo, tanta negatividade.
Expor aos leitores a morte da mãe e, pior que isso, o atroz sofrimento provocado por um cancro terminal, é um exercício de sofrimento para quem lê e para quem escreve. Não vejo, na minha condição de leitor amador, qualquer beneficio que se possa tirar de uma leitura como esta. 
Em vários momentos da leitura, este livro fez-me lembrar um quadro de Edvard Munch intitulado precisamente A Mãe Morta; a morte da mãe é um momento que, pelo seu dramatismo e pela carga emocional que transporta, deve ser encarado como um momento profundamente pessoal, pelo que o leitor comum não está preparado para sentir toda essa emoção. Pelo contrário, o leitor sente-se um intruso na intimidade do escritor e do seu sofrimento.
Mas é assim o pensamento existencialista (nesse aspeto este livro é paradigmático): a existência, com todos os seus dramas sobrepõe-se ao pensamento e à reflexão; é o peso do real, da impiedade do destino humano. 
Enfim, uma leitura que se aconselha para um bom conhecimento do pensamento da autora e de todo o contexto literário da época (anos sessenta do século XX) mas à qual falta aquela componente lúdica que a literatura deve envolver.


Excerto (in Wook.pt)
«Na quinta-feira dia 24 de Outubro de 1963, às quatro da tarde, encontrava-me eu em Roma, no meu quarto do Hotel Minerva; devia regressar a casa de avião no dia seguinte, e estava a arrumar uns documentos quando o telefone tocou. Bost ligava de Paris: “A sua mãe teve um acidente”, disse-me ele. Pensei: foi atropelada por um carro. Ela estava a içar-se penosamente da calçada para o passeio, apoiando-se na sua bengala, quando um carro a atropelou. “Caiu na casa de banho; fracturou o colo do fémur”, acrescentou Bost. Ele morava no mesmo prédio. Na véspera, por volta das dez da noite, enquanto subia a escada com Olga, tinham reparado em três pessoas que os precediam: uma senhora e dois agentes da polícia. “É no segundo andar e meio”, dizia a senhora. Tinha acontecido alguma coisa à Senhora de Beauvoir?. Sim, uma queda. Durante duas horas, ela tinha rastejado no chão até alcançar o telefone; tinha pedido a uma amiga, a Senhora Tardieu, para arrombar a porta. Bost e Olga tinham acompanhado o grupo até ao apartamento.»

quarta-feira, 17 de junho de 2015

O Hussardo - Arturo Pérez-Reverte


Comentário:
Arturo Pérez-Reverte  é um dos melhores escritores espanhóis contemporâneos. Pelo menos, é o meu preferido.
Perez-Reverte é um grande narrador de estórias de aventuras; os seus livros envolvem sempre o heroísmo, a bravura, a coragem, mas também a condição humana nas suas mais humildes e modestas facetas. Tudo se passa como se nos seus livros imperassem os opostos: a honra e a desonra, a coragem e a cobardia, o sucesso e o sofrimento. Alguns dos seus livros são profundamente reflexivos, em torno desses aspetos; outros, como este, são predominantemente narrativos, cheios de emoção.
Este é nada menos que o primeiro romance da carreira de Reverte; foi escrito em 1986 quando o autor era ainda jornalista, aos 35 anos de idade. Portanto, este livro é realmente histórico porque marcou a descoberta de um génio que de outro modo se teria perdido no jornalismo de investigação. Mesmo assim, a versão que foi traduzida para português nesta edição da ASA foi revista pelo autor e republicada em 2006.
O tema central da obra irá tornar-se uma constante no percurso literário do autor, por vezes com laivos de obsessão: o eterno conflito entre o idealismo da honra, da nobreza da guerra e a realidade dessa mesma guerra, uma realidade feita de violência e injustiça.
Na época em que Napoleão tentava dominar a Europa (inícios do século XIX) reinava em Espanha um irmão do imperador francês, José Bonaparte, obviamente imposto por Napoleão. Os espanhóis, no entanto, lutavam pelo seu rei e recusavam-se a obedecer ao francês; este invade Espanha e é dessa invasão que dá conta este livro, dando voz a um jovem hussardo (cavaleiro), Frederic, que entra no conflito cheio de vontade de honrar a Pátria, numa guerra que ele encara como forma de defender a civilização, numa perspetiva puramente romântica. Mas a realidade revelar-se-á cruel e dramática. Aquilo que Frederic encontra está longe de obedecer a essa visão romântica; o que ele encontra é o sofrimento humano elevado ao mais alto expoente; é a nobreza de quem combate por uma “Ideia” subjugada pela triste realidade da violência e de tudo quanto há de primário e primitivo.
A “civilização” de Bonaparte nada diz aos rudes e aguerridos camponeses espanhóis que defendem a sua terra com todas as forças. Aqui encontramos outro aspeto que se tornará uma constante no percurso literário de Reverte: uma perspetiva bastante crítica face à mentalidade espanhola, algo rude, violenta, numa teimosia constante que coloca o imediato à frente de qualquer ideal.

Sinopse (in wook.pt)
O primeiro romance de Arturo Pérez-Reverte, agora numa edição revista pelo autor.
Andaluzia, 1808. Numa terra assolada pelo horror da guerra, Frederic Glüntz, jovem oficial do regimento de cavalaria de Napoleão, prepara-se para a sua primeira incursão num campo de batalha. Na iminência do combate contra um exército aguerrido armado até aos dentes e disposto a morrer pela sua terra, os ensinamentos recebidos por Glüntz na escola militar parecem distantes. Rapidamente, uma realidade carregada de terror e sangue acabará por se impor, conduzindo o jovem hussardo a uma reflexão sobre a morte e o sentido da vida. Para trás ficam os seus ideais românticos de glória e heroísmo, derrotados face à crueldade da guerra.
A eterna luta entre idealismo e realismo, em que este último se impõe graças a uma das mais elementares razões humanas - a sobrevivência -, é aqui retratada em toda a sua crueza e impiedade, mas também com todo o talento e mestria a que Arturo Pérez-Reverte já nos habituou.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Ombro, Arma! - José Manuel Mendes

Comentário:
Esta é uma das obras mais significativas da literatura revolucionária portuguesa, se assim lhe posso chamar. Há muito que desejava preencher esta lacuna no blogue; José Manuel Mendes, um magnífico escritor bracarense, se bem que um pouco afastado dos projetores nos últimos anos, foi um marco significativo na literatura revolucionária do pós vinte e cinco de abril e esta é uma das suas obras mais importantes.
Ombro, Arma! Não é um romance de enredo muito rico nem obra de grande fôlego em termos de intriga, emoção ou riqueza de pormenores; é um pequeno romance, sintético, claro e objetivo mas, acima de tudo, com uma mensagem profunda sobre a dignidade do ser humano; uma dignidade roubada, espoliada e sobre uma condição humana subjugada aos interesses políticos de uma minoria. Por outras palavras, é um belíssimo manifesto contra a longa noite fascista.
Publicado pela primeira vez em 1978, narra a vida num quartel em plena ditadura fascista. Os soldados, subjugados, revoltados mas silenciosos, sonham com a libertação; com o fim do medo. A degradação da condição humana no aquartelamento é o tema central; os soldados são números mecanográficos e instrumentos destinados a manter o poder de alguns. Mas o monstro mais medonho é o medo; o medo da guerra. De África chegam notícias dos camaradas mortos, sacrificados por nada, ou melhor, por um sonho megalómano de um ditador ignorante e desumano. 
O amor e a literatura como escape, como compensação. As mulheres são encaradas como uma espécie de anjos, entes superiores com o condão de resgatar as almas dos terrores da vida. Os livros, por seu lado, são o refúgio indispensável mas também os mensageiros que anunciam uma mudança que será a salvação; a redenção.
Mas há um sentimento permanente de revolta e uma necessidade vital de pôr em prática essa revolta. Tudo se passa como se a revolução, que se adivinha no horizonte, fosse a razão de ser destes soldados. E tudo ganhará sentido no final do livro: em Abril.
Enfim, um livro que pode não ser empolgante mas é seguramente eficaz, numa técnica narrativa inovadora em que o narrador omnisciente “deriva” de vez em quando para um discurso na primeira pessoa que confere um aspeto mais profundo e reflexivo. Um livro importante também pela mensagem, pela chamada de atenção para a consciência da injustiça e o papel dos militares na luta política.
Vale a pena voltar a José Manuel Mendes, um escritor injustiçado pela crítica, talvez vítima das suas opções políticas.

Sinopse (in wook.pt)
«Mafra chegou ao fim, escuro exílio. Mafra, o frio de Janeiro tiritando no corpo, a humidade nas paredes, os corredores soturnos onde moram presságios e maldições. Tudo ali é fugaz, predicação de tormenta, manhãs de incerteza e sobressalto, também júbilo e azul — melodias da esperança — , mas a pedra, a abóbada dos tectos, o sombrio dos claustros, perdido o fulgor de outrora, repassam os dias de um torpor longevo. Tudo ali é breve. Mesmo que as horas pesem, a vida hiberne. Mesmo que haja instantes de cristal e levitação. Agora, ao deixar o Quartel e as suas extensões de beleza ao lusco-fusco, a acridez dos silêncios, as coisas desatam o nó dentro das vivências, que começam já a ser outras, solta-se o fio e nada resta. Nada? Os estigmas, a espessura dos constrangimentos, permanecem. E a atmosfera solidária com que defendemos a nossa humanidade ameaçada.» Este é um extracto do belo romance de José Manuel Mendes que a Caminho agora reedita.

terça-feira, 9 de junho de 2015

O Pórtico da Glória - Mário Cláudio


Comentário:
Há uns anos, António Lobo Antunes afirmava qualquer coisa como isto (cito de memória): Mário Cláudio é um daqueles escritores que, tal como ele (ALA) não procura o grande público; tem um público restrito, com o qual está satisfeito no seu reduto. Eu, sinceramente, coloco muitas reticências a um autor que se posiciona desta forma no mercado. Em primeiro lugar, é preciso notar que as grandes obras de ALA venderam dezenas de milhares de livros, pelo que não encaixam nesse público restrito; em segundo lugar, quando se colocam as coisas desta forma ficamos sempre sem saber se realmente o autor poderia, caso estivesse interessado, ser um escritor de grande sucesso. No caso de Mário Cláudio parece-me que, pelas suas caraterísticas enquanto escritor, ter um público restrito não é opção…
A história de Diego, emigrante espanhol em Portugal, tem o condão de ilustrar dois grandes fenómenos da história económica contemporânea de Portugal: a industrialização tardia e o papel da cidade do Porto como verdadeira capital da inovação industrial e do investimento em Portugal. Diego traz para Portugal processos produtivos ao nível da indústria têxtil que, sendo consideradas grandes inovações técnicas, eram uma realidade há muito tempo nos países mais evoluídos da Europa (a ação decorre nos finais do século XIX e início do século XX). 
Em termos de estilo, o grande problema desta obra é a linguagem muito elaborada, por vezes perfeccionista do autor que deixa para segundo plano a narrativa; na verdade, em termos de enredo este livro é absolutamente incapaz de captar o interesse do leitor; podemos dizer, isso sim, que vale pelo rigor da escrita, pela intelectualidade do autor e pelo perfeccionismo formal.

Sinopse (em fnac.pt):
Com "O Pórtico da Glória", encerra-se um percurso de crónica e de fábula, que elegeu a maravilha e a desolação do sangue da tribo, como seu motivo de privilégio.Não é, porém, de uma pura gesta familiar que se trata, neste romance, mas da dinânima do reconhecimento e da dispersão de um punhado de seres, marcados pela singularidade, em busca da chama da peregrinação redentora.Na biografia de um certo cavalheiro da indústria, castelhano de origem, e emigrado para Portugal, fica centrada uma acção inteiramente autónoma, se bem que encontrando, em dois livros anteriores do autor, "A Quinta das Virtudes" e "Tocata Para Dois Clarins", os painéis laterais de um tríptico desdobrado.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Os Trabalhadores do Mar - Victor Hugo


Antes de mais nada, uma séria advertência para o leitor, especialmente aquele que não conhece ainda as aventuras descritivas de Victor Hugo – este livro não deve ser lido com pressa de chegar ao fim. A única forma de apreciar este livro é saboreando-o, como se fosse uma sobremesa que merece ser mastigada muito devagar.
Mesmo assim, este livro não é tão descritivo como outros do mesmo autor, como por exemplo Nossa Senhora de Paris, com as suas imensas descrições da catedral parisiense. Logo nas primeiras páginas deparamos com um universo encantado bem típico do romantismo literário de Hugo: diabos, feiticeiros, casas mal-assombradas e outras crendices, muito populares e com muito humor. Aliás, em algumas passagens, esta parece ser a obra mais bem-humorada de Hugo. Por exemplo: diz-se que Voltaire resultou de uma visita do diabo ao leito conjugal dos seus pais, quando o pai dormia profundamente…
Este livro foi escrito na fase final da carreira, quando a maturidade de Hugo enquanto escritor vem ao de cima, com descrições muito visuais e sem o peso de grandes parágrafos descritivos como aconteceu noutras obras. As frases são mais curtas e objetivas. O sentido de humor está sempre presente, mesmo nos episódios mais dramáticos.
Mess Lethierry, por exemplo, é um personagem muito interessante. Grande símbolo do investimento industrial, nessa fase de afirmação do capitalismo industrial, ele representa uma nova vaga de homens empreendedores, pouco agarrados ao passado. Por exemplo: ele não gosta dos padres porque eles viam com maus olhos as suas inovações na navegação.
Aliás,o aspeto religioso é tratado neste livro de uma forma muito curiosa. A ação decorre na ilha de Guernesey, no canal da Mancha. A ilha tem duas religiões-católica francesa e protestante inglesa. Mas nenhuma agradava a Mess Lethierry. Ao investir na Durande, um moderno barco a vapor, ele demonstrou ser um homem dos novos tempos. Nessa época, um especialista de Paris dizia que investir no vapor era “Conversão de dinheiro em fumo” uma vez que as velas eram preferíveis.
A segunda parte do livro tem uma dimensão de epopeia; vem ao de cima o naturalismo romântico, com as suas tempestades e catástrofes naturais, exibindo a pequenez do ser humano perante as forças da natureza. Nesta fase, as descrições de Hugo têm qualquer coisa de épico; aquele mar tenebroso, aquelas rochas assassinas, as grutas escuras, medonhas… Gilliat no meio de tudo isso, é uma espécie de Hércules, ou de um super-homem, quando tenta desencalhar o navio. Gilliatt é um homem em luta com os seus limites. É assim o romantismo literário: grandioso, belo e exagerado. Faz lembrar as pinturas românticas de William Turner com o mar tumultuoso como tema.


“Os ventos correm, voam, abatem-se, expiram, revivem, pairam, assoviam, rugem, riem: frenéticos, lascivos, desvairados, tomam conta da vaga irascível.
Têm harmonia esses berradores. Tornam sonoro todo o céu. Sopram nas nuvens como num metal; embocam o espaço, e cantam no infinito, com todas as vozes amalgamadas dos clarins, buzinas e trombetas, uma espécie de tangeres prometeanos. Quem os ouve, ouve Pã.”
(note-se que a edição que li foi a edição brasileira com tradução do grande Machado de Assis)
E que intelectualidade! Talvez nunca tenha existido um escritor que tão bem estudou os assuntos sobre os quais escreveu.
De todos os livros de Hugo que li até agora, este é seguramente o mais pobre em termos de enredo mas talvez o mais bem escrito e, com certeza, o mais bem traduzido para língua portuguesa.
E o final não deixa de corresponder a todos os cânones românticos…