Kikia Matcho pode ser traduzido do crioulo como “Mocho Macho”, um animal símbolo da desventura, da desgraça.
Este livro surpreendente, de um escritor guineense pouco conhecido entre nós, fala-nos, numa liguagem simples, do povo simples da Guiné, de um recém-licenciado na Europa, Benaf, que regressa à Guiné aquando da morte de um tio, ex-combatente. Fala-nos também de Papai, outro ex-combatente; ele é a voz da saudade e do lamento; da tradição e do desengano.
A narrativa lentamente se transforma numa profunda reflexão sobre as consequências da guerra colonial e as desilusões que se seguiram. No fundo trata-se simplesmente de dar conta da miséria de um povo escravizado por antigos e novos colonizadores; os “tugas” mas também os novos senhores, porta-vozes de um sistema político que depressa esqueceu o povo. Um povo que foi vítima da História, ou dos homens que a fizeram.
A luta contra o “tuga”, o português colonizador tinha unido os povos africanos. Guineenses e cabo-verdianos juntos no PAIGC de Amílcar Cabral, tinham no inimigo comum um traço de união. No entanto, a independência trouxe a desunião; começara o assalto ao poder!
Neste livro é bem patente o lamento perante a nova realidade da Guiné: o poder político desprezou os combatentes e a nova geração esqueceu a Luta e os seus heróis.
Por outro lado, a desilusão perante Portugal: os novos democratas de Lisboa convidam os africanos a emigrar para depois os instalarem em bairros de lata, sem condições de trabalho, condenados à miséria e à criminalidade.
Na Guiné, entretanto, o povo vai tentando esquecer estas desgraças do “progresso”; o saber tradicional, a cultura do povo guineense é misturada com novas influências e despersonalizada; as tradições são consideradas pelos novos como superstição; é o caso do jovem licenciado Benaf, que não compreende a alma africana porque se ausentou dela e se aculturou perante o “branco”.
Em suma, trata-se de uma leitura agradável e muito importante para compreender o fenómeno da descolonização e dos problemas por que passam os países lusófonos de África. É a visão do africano perante as desgraças que a colonização e a descolonização precipitada provocaram. Para nós, portugueses, esta crua realidade que Filinto de Barros descreve é e será ainda uma ferida aberta na consciência portuguesa e europeia.
Mais uma boa opinião sobre este livro e eu que não o comprei! :(
ResponderEliminarTenho de ver se o arranjo por empréstimo. :)
Manuel já li "A Terceira Rosa", de Manuel Alegre. Obrigada pela sugestão. Realmente tem uma história bem bonita, com toque poético!
O Filinto Barros toca bem essa "ferida aberta" nas nossas consciências. A ideia que muitas vezes se quer fazer passar que, como colonizador, Portugal era um exemplo a seguir, nem sempre correspondeu à verdade. Gostei disso no livro mas também porque ele é extremamente imparcial. Não é um ataque ao ex-colonizador mas antes a constatação de factos, quer sejam contra Portugal, quer sejam contra a Guiné.
ResponderEliminarAprendi muito com este pequeno livro. Ainda bem que gostaste. :)
Não li mas conheço muito bem... Uma colega minha apresentou-o na aula de Literaturas de Língua Portuguesa!
ResponderEliminarBem que queria ler, mas não encontro nem em sebo. Se me emprestar tem garantia de devolução rápida e em perfeitas condições.
ResponderEliminarOlá Regina
ResponderEliminaremprestei este livro mas devo tê-lo de volta daqui a algum tempo. Nessa altura combinamos o empréstimo
Acabei de ler o livro e só tenho uma palavra: Maravilhoso! Obrigada pela sua excelente análise que prolonga o prazer da nossa leitura.
ResponderEliminarEstou procurando este livro há mais de dois anos e não consigo. Se puderem possibilitar o acesso serei eternamente grata.
ResponderEliminarJá várias pessoas me pediram este livro. Emprestei o meu exemplar há dois ou três anos e nunca mais me foi devolvido...
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