Numa vistosa e cuidada edição Calígrafo e com um magnífico texto de apresentação da autoria de José Manuel Mendes, José Fernandes da Silva voltou à narrativa curta. Em boa hora, digo eu, modesto e interessado leitor. Poeta por excelência, músico por paixão, professor por ganha-pão, este minhoto (de gema e orgulho) passeia pelas letras como se nascido entre as linhas de um qualquer tratado da arte de bem escrever.
Na verdade, um dos aspetos que mais impressiona o leitor é o cuidado na escolha das palavras, o esmero na adjetivação equilibrada, escapando sem esforço à verbosidade barroca que tanto por aí pulula. Por outro lado, é nítido o respeito pela linguagem popular. E também aí é interessante verificar como o autor escapa à armadilha da brejeirice: o seu sentido de humor é delicado, irónico e eficaz sem cair na facilidade da palavra atrevida.
Este humor delicado e refinado está, também ele, pejado de humanismo: a maioria das centenas de personagens do livro são dotadas de uma simplicidade e mesmo bondade humana, não escapando mesmo o meliante, o sacana que foge à lei mas que não passa do desastrado "pilha-galinhas" ou do hilariante trapaceiro mal sucedido. No prefácio a esta obra, o escritor Fernando Pinheiro atribui-lhe um tom moralista; eu não iria tanto por aí; esse moralismo talvez não seja mais do que a expressão dessa crença na bondade humana, num certo tom de Rousseau moderno.
Em termos formais, as narrativas que este livro nos apresenta têm o condão de manter as linhas do conto tradicional, linear, muitas vezes com final aberto que convida o leitor a imaginar desfechos, outras vezes com remates finais surpreendentes e outras vezes ainda com desfechos hilariantes como o da bela Liberata no conto Coisas da Natureza. O autor foge sempre, com mestria, daqueles finais inesperados, milagrosos, que retiram o tom realista à narrativa. Aqui tudo é natural como a própria vida; tudo é simples como os campos e os rios, os perfumes da erva acabada de cortar ou da água pura do riacho que dá vida a homens e bichos.
Esta estrutura de conto tradicional é servida por uma linguagem tremendamente visual: as descrições criam imagens claras na mente de quem lê e a sequência narrativa obedece sempre a uma lógica do "acontecível" que reforça o tremendo realismo dos cenários e das estórias.
Tudo isto leva o leitor a encarar estes contos de uma forma perfeitamente natural, como se de crónicas se tratasse.
Finalmente, uma referência a esse traço distintivo da obra deste autor: a ruralidade. Para José Fernandes da Silva, esta admiração pelo universo rural é a expressão do culto das raízes, dos valores ancestrais mas sem aquela sensação de perda e desencanto que carateriza muita da literatura sebastianista, "passadista" que por aí se encontra. Esta ruralidade é a expressão do caminho para a realização do ser humano que tenta escapar a este materialismo capitalista e selvagem em que nos encontramos mergulhados. O campo de outros tempos é o contraponto da cidade mergulhada na tirania dos mercados que hoje nos tenta subjugar.
Vou tentar encontrar. Com uma opinião tão entusiasta, não há como resistir. Fiquei muito curiosa de ler esse livro.
ResponderEliminarNão conheço o autor.
Um beijo
Olá Isabel
ResponderEliminarse quiseres contactar o autor, aqui fica a sua página na net:
http://www.josefernandes.net/
Obrigada.
ResponderEliminarVou guardar.
Boa semana!