Todos os dias, ao entardecer, Ulume observa o cágado, lento como o mundo; o cágado imutável, como o tempo sempre igual, no ritmo moroso do Sol e da Terra… o ritmo pausado da poesia e da natureza.
Guardião da sabedoria ancestral, o cágado todos os dias se revela ao olhar de Ulume que, impávido, absorve dele a sabedoria do silêncio e da tradição, “sabedorias antigas trazidas por todos os cágados do mundo”
Do outro lado da vida há o amor, face reversa da realidade em guerra, também ele envolvido na sabedoria ancestral: “se alguém que pensa morrer tem saudade de uma mulher, então é inútil lutar contra esse amor avassalador”. E Ulume via a granada voar para ele, encarando a morte; foi então que viu no céu o rosto de Munakazi e soube assim que ela seria o seu destino.
Entretanto, as guerras, desde os tempos da caça, iam devorando vidas de gentes que sempre renasciam como frutos da terra.
Terra, tradição, lutas e espíritos: a magia de um povo mártir e sábio que vive com a morte mas sobrevive com o espírito ancestral. Depois de muitas outras guerras, tinha vindo a guerra colonial. Depois houve paz, fartura e alegria. O povo andava feliz. Mas em breve voltara a guerra; uma guerra que ninguém entendia (alguma guerra se entende?). O povo apenas entendia que os filhos partiam e não voltavam. Voltavam soldados desconhecidos que traziam fome e a deixavam na aldeia. Porque o povo tem de contribuir para a guerra mesmo que não a entenda. Mesmo que a guerra seja um monstro sem rosto que nem a sabedoria antiga conhece.
Ulume tem dois filhos; Angola dois monstros que se devoram na guerra. Ulume sofre. Angola vai morrendo, os cágados antigos lamentam e sofrem…
Até quem, no final, é o amor a redimir todos os tormentos; um final belíssimo, magnifica lição de amor. O cágado sempre tivera razão…