À procura de uma colecção de maravilhosas palavras roubadas aos pássaros, Iara, uma jovem linguista e o seu velho professor constroem uma maravilhosa viagem ao mundo dos livros, dos escritores e da história da língua portuguesa.
Milagrário Pessoal é um grande livro; um hino grande a esta pátria que é a Língua Portuguesa. Ao longo de cento e oitenta e duas páginas que se fazem poucas, Agualusa passeia palavras poéticas, umas vezes humorísticas outras melancólicas mas sempre cheias da magia africana, da poesia vinda da terra, dos pássaros e das raízes; poesia contada em prosa, fluida como os ritmos da natureza.
A língua que resiste, que vive por si própria e vence todos os acidentes da história, sobrevivendo a guerras e talvez a acordos ortográficos. Porque a língua vem da alma dos povos. Mas vive e cresce; com neologismos mesmo que arqueológicos, como os que Iara e o professor procuram entre milagres.
Nessa procura, há um episódio que sobressai pelo encanto especial com que Agualusa o cria: havia um poeta português que resistia à ocupação indonésia. Como? Fazendo poesia e declamando em português. É assim a resistência da alma: pela palavra. Porque “palavras são o que nos resta e consola depois de perdermos tudo” (página 160).
Mas as palavras também nascem, fazendo da língua um ser vivo e eterno; palavras que crescem e morrem na boca do povo… Será certo que as línguas derivam dos sons? Então, o canto dos pássaros talvez tenha constituído a primeira linguagem, a quem os homens roubaram as palavras.
A língua como pátria talvez seja para Agualusa um refúgio perante o desencanto (expresso na voz do professor) em relação ao destino político da pátria angolana, mergulhada voluntariamente na violência da guerra de libertação e, depois, da guerra civil.
Enfim, um livro que se lê com encanto, com o deleite de uma poesia viva, como quem passeia pelas palavras.
Sem dúvida um dos melhores livros escritos em língua portuguesa no século XXI.
Avaliação pessoal: 9/10