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segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Estorvo - Chico Buarque

Há uns tempos, Chico Buarque dizia que quando escreve procura sentir a música das palavras. Músico genial, ele expressa nesta obra, através das palavras, toda a musicalidade que lhe vai da alma à caneta. As letras volteiam em frases de melodia melancólica; a escrita em si, as palavras simples e sentidas são, por si só prazer em estado puro para quem lê.
Para quem, como eu, havia lido Budapeste há pouco tempo, este livro é uma agradável surpresa. A dimensão poética da escrita transforma o acto de ler num exercício de prazer, mau grado toda a melancolia, toda a tristeza que estas letras exprimem.
Em Budapeste, Buarque construiu um enredo com o qual pretendeu ilustrar as suas ideias; em Estorvo, Buarque deixa fluir essas ideias, sem se preocupar com grandes tramas narrativas.
Conta-se a história de um homem só na grande cidade, desintegrado de um meio onde predomina a exterioridade, a vaidade e o materialismo. A futilidade das classes superiores, da alta burguesia a que a sua família pertence, contrasta com a miséria que alimenta o crime. Entre uma família fútil, de corações entorpecidos pela fortuna e uma horda de criminosos com os quais se envolve, o nosso personagem deambula na solidão, na incerteza, na falta de identidade.
Ele vive em permanente equilíbrio precário entre o sonho e a vigília, o real e o pesadelo, a inquietação e o medo, sempre na margem do mundo. Vítima da modernidade, ele narra-nos os seus dramas submetendo a eles todo o percurso narrativo, num monólogo interior em que narrador, personagem e autor se misturam.
Perde-se o sentido da vida; perdem-se as raízes do ser…
A cidade transforma-se num imenso deserto, onde tudo perdeu o sentido.
Podemos dizer que este livro é a expressão máxima da solidão humana.
Sem dúvida um livro cheio de beleza literária onde faltará, porventura, uma estrutura narrativa capaz de enredar o leitor naquilo que a maioria de nós procura num livro: uma estória. Estorvo não é uma estória: é a alma de um homem que é estorvo no mundo. Ou melhor, a estória de um mundo que é estorvo para um homem.
E para todos os que, como eu, idolatram o GÉNIO que enfrentou a ditadura com as letras, aqui fica uma das coisas mais GENIAIS alguma vez escrita e cantada:

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Budapeste - Chico Buarque

Há cerca de vinte e cinco anos tornei-me um profundo admirador de Chico Buarque. A sua música e as suas letras transportam o génio de uma voz sentida, espelho de alma umas vezes revoltada, outras serena mas sempre mágica.
Foi, pois, com muita curiosidade e expectativa que procurei no Chico Buarque escritor o traço de génio do Chico Buarque músico. Obviamente, não o encontrei. Ele é um músico genial, pertence ao clube dos imortais e isso, é claro, levou a que as minhas expectativas em relação ao romancista disparassem para níveis impossíveis de alcançar.
Por outras palavras, este não é um livro de génio como foi a musica da Ópera do Malandro, por exemplo. Nem podia ser porque o génio é inigualável.
Neste livro, Chico Buarque aborda a eterna questão que assola a alma humana, a procura da identidade, de uma forma muito clara e assertiva. José Costa é um escritor anónimo, que escreve para outros escritores, esses sim famosos. José Costa é o escritor sombra, a par de muitos outros. Mas aquilo que para qualquer pessoa pode parecer uma desonra (escrever algo que é publicado por outro) é, para Costa, motivo de orgulho; ele sente-se realizado ao saber que outros ganham fama e dinheiro com os seus textos. No entanto, ele vai-se diluindo nesse anonimato, como se fosse proibido de existir. José Costa é apenas uma sombra.
Por outro lado, José Costa é, como qualquer de nós, um ser múltiplo. Ninguém é uno. José Costa do Rio de Janeiro ama Vanda; Zsoze Kosta de Budapeste ama Kriska. Duas faces, duas vidas, duas identidades, um homem. Um homem talvez à procura da unicidade. Mas, como Budapeste dividida pelo Danúbio, assim Costa permanecerá dividido de si mesmo.
O final do livro é brilhante. Ao ler este pequeno romance sente-se o esforço de subir uma montanha e o prazer de alcançar o seu cume, onde se alcança uma magnifica panorâmica. Ou seja, o enredo, o ritmo narrativo nem sempre são animadores; a leitura faz-se por vezes com algum esforço. Mas o prazer de assistir a um desfecho surpreendente faz com que, decididamente, valha a pena gastar umas horas a ler este Budapeste.
Seja como for, este Chico Buarque escritor nunca ultrapassará (na minha modesta opinião) a imortalidade deste génio musical: