segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Queria Rever o Teu Rosto ao Entardecer - Pedro de Sá


Eis uma bela história de amizade e amor, assim como uma bela reflexão sobre a importância dos sentimentos na vida.
Há vários tipos de romances, mas há um aspecto em que se podem dividir entre duas categorias: os que se constroem a partir de acontecimentos inusitados, surpreendentes, com os quais se fazem grandes enredos e aqueles que abordam as vidas normais, das pessoas normais, em que nada de extraordinário acontece. Porque o normal, o habitual, é que nada de anormal aconteça. Este livro pertence a esta segunda categoria de romances. Trata-se de um enorme passeio pela vida de quatro personagens, quatro jovens amigos (Sara, Bárbara, Luís e Tiago), entre os quais se vão sucedendo sentimentos por vezes contraditórios e geradores de conflito: amizade, amor e ciúme. Para lá dessa juventude intensa, vivida em sobressalto interior, ficaram quatro vidas que podiam ter sido diferentes. No entanto, o que interessa isso? Pouco mais interessa do que a realidade, por mais normal que seja. E o amor; sempre o amor a comandar a vida das pessoas simples.
Nota-se neste livro uma certa continuidade em relação à primeira obra do autor (Olhei Para Trás e Sorri): o quotidiano nas sua simplicidade, nos mistérios simples e profundos que escondem grandes dilemas interiores, embora talvez imperceptíveis aos olhos dos outros.
Na escrita de Pedro de Sá, o importante não são os factos, os acontecimentos. O importante é a sua vida mental, fazendo lembrar Chico Buarque, cujas obras me vieram à memória várias vezes durante a leitura, pelo privilégio que dão à vida interior dos seus personagens: aquela inquietude permanente, a ânsia continua de combater o vazio e o silêncio: o ser humano reage mal ao vazio; é necessário, pelo menos, falar, quanto mais não seja para não estar calado porque o silêncio é oco. O vazio é não sentir. Não sentir é desumano. É por isso que é preciso amar. Ou odiar. A paixão inesperada de Luís e Sara é algo que, embora breve e fugidio, afectará a vida inteira de ambos. Pouco mais que uma troca de olhares e tudo será diferente, pelo menos na vida mental deles. Sim, porque a vida normal não pode escapar ao império da rotina, ao rumo natural de um rio que desce a montanha pelo lado mais suave: o da apatia, da rotina, da inacção.
Breve e intensamente, a chama irrompeu entre Luís e Sara. Uma chama intensa, morta ao nascer, porque era preciso prosseguir a vida, sem o sobressalto do amor inesperado e proibido pela amizade.
“Luís perdia-se em Bárbara”. Luís, um “habitante da solidão”.
Depois de ler este livro, confesso que continuo sem entender porque é que esta editora pouco ou nada fez por promover uma obra como esta, ao mesmo tempo que outras montam máquinas gigantescas de marketing para promover verdadeiro lixo.
Este livro tem qualidade. Muita qualidade. Custa-me, confesso, vê-lo publicado desta forma. Merecia claramente mais. Muito mais.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

A Rocha Branca - Fernando Campos


A Rocha Branca é um livro encantador.
Conta-se a história de Safo de Mitilene, uma mítica poetisa que terá vivido na alvorada da civilização grega, que assistirá ao nascimento da civilização europeia. Safo viveu no século VII a.C. em Mitilene, cidade da famosa ilha de Lesbos, em frente à Ásia Menor.
Ao contrário do que se passa nos nossos dias, alguns séculos antes de Cristo, a Grécia era o coração cultural da Europa. Nas ilhas gregas vivia-se um próspero florescimento comercial, baseado nas mercadorias que celebrizaram toda aquela zona do mediterrâneo oriental: os tecidos, perfumes, metais preciosos, vasos de cerâmica, etc.
Foi nesse contexto de abundância que viveu Safo. Escreveu e viveu intensamente.
Na Idade Média, muitos dos poemas de Safo acabaram por desaparecer, destruídos por serem considerados obscenos. Esta obra preciosa de Fernando Campos vem, pois, devolver-nos a imagem da verdadeira Safo. Uma imagem heróica e belíssima.
Personagem encantada, Safo tornou-se um mito. E a essência de um mito encontra-se a meio de uma encruzilhada entre o verdadeiro e o falso, o sagrado e o profano; mais do que uma poesia, a história fez de Safo uma espécie de heroína da mitologia grega.
A sua história encanta-nos, no entanto, pela humanidade; pela forma como viveu uma intensa e pura história de amor. A escrita de Fernando Campos encanta-nos pela beleza com que nos expõe todo o bucolismo da antiguidade clássica. Safo viveu entre a natureza, em comunhão com ela e o seu amor não foi mais de que uma expressão da natureza. Daí também a naturalidade com que se aborda o erotismo, o amor físico.
Ao longo do livro encontramos também interessantes pontos de contacto com a história antiga da democracia ateniense, mais exactamente as reformas de Sólon, assim como belas passagens da vida de Esopo que terá sido, provavelmente, o primeiro escritor de ficção que a humanidade conheceu.
Em conclusão: estamos perante um livro fantástico na melhor acepção do termo. É uma leitura que não desperta qualquer espécie de mistério ou suspense mas que nos deleita numa leitura suave. E é dessa suavidade que advém toda a sua beleza.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Vida e Destino - Vassili Grossman



Nos últimos tempos, em alguns círculos políticos e intelectuais tem pontificado uma polémica algo absurda, entre alguma esquerda tradicional e a direita mais extremista: cada lado parece querer provar a tudo o custo qualquer coisa como isto: o teu ditador é ainda pior que o meu. Esta polémica parece-me algo insana,  pelo simples facto de que, como o comprova Grossman, ambos estes sistemas totalitários foram absolutamente desumanos. Inclassificáveis!
Sturm é talvez a personagem central do romance: cientista judeu ao serviço do Estado Soviético, ele sofrerá de forma dramática o efeito tenebroso de duas das mais monstruosas tiranias do século XX – o nazismo e o estalinismo. Neste sentido, Sturm é um personagem algo auto-biográfico: também Vassili Grossman, funcionário do Estado Soviético mas sempre crítico em relação ao sistema, sofreu a perseguição dos alemães aos judeus, que acabaram por assassinar a sua mãe. Mas a acção está longe de se resumir a Sturm. Numa aparência a fazer lembrar Tolstoi pela enorme quantidade de personagens (umas centenas) conta-se a história de parentes e amigos de Sturm, em diversos cenários, como a batalha de Estalinegrado em plena acção, um campo de concentração nazi, um campo de trabalho soviético, etc. Mas a comparação com Tolstoi termina aí. Termina onde começa: na quantidade inusitada de personagens. Em termos literários este livro está muito longe desse clássico russo. Em termos de estilo Grossman aproxima-se mais da literatura realista da Rússia, nomeadamente de Maximo Gorki mas também dos contos de Tchekov. E o valor maior da obra é mais histórico do que literário.
Vida e Destino é uma obra de enorme alcance enquanto testemunho histórico. Ela testemunha quer a violência nazi quer a inconcebível ditadura em que Estaline transformou o sistema comunista da União Soviética. Escrito em 1953, este livro só seria publicado vinte anos depois, após a abertura da URSS à democracia. O motivo é óbvio: o livro desmascara de forma clara o despotismo de Estaline. A vitória do absurdo e do arbitrário sobre o romantismo do ideal comunista que o autor parece encarar como o paradigma ideal. Na verdade, Lenine é referido várias vezes como o exemplo a seguir, o ideal que foi deturpado e derrubado pelo estalinismo. E a simpatia do autor fixa-se claramente nos bolcheviques desiludidos como Mostovoskoi e Krimov.
O enredo decorre, todo ele, de 1941 a 1943, numa fase em que a guerra matava aos milhares e em que o povo russo sofria as terríveis consequências da ocupação alemã. No entanto, o que fica no espírito do leitor é a sensação de que a guerra pouco ou nada mudaria, que os grandes dramas estavam para lá da guerra.
E o mais abominável é esta sensação de que todo o mal é praticado em nome do bem; o bem dos judeus, dos católicos, dos comunistas, dos nazis…e cada noção de “bem” é apenas um motivo para praticar o mal.
Em conclusão: estamos perante um livro muito importante como reflexão sobre a natureza do poder totalitário e como testemunho histórico de uma época de quase total insanidade. No entanto, não é uma obra prima em termos literários. Nem se pretendia que fosse.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Lendo Vida e Destino, de Vassili Grossman


Vida e Destino é uma obra monumental. E não me refiro só às dimensões físicas da obra (quase 900 páginas de letra miúda) mas também (e sobretudo) ao seu significado histórico. Vassili Grossman viveu e sentiu na pele os dois maiores dramas do século XX: o estalinismo e o nazismo. Por isso, neste livro, ele procura descrever através da ficção a realidade cruel a que foram submetidos milhões de seres humanos.
Na segunda guerra mundial, aqueles dois monstros da política europeia  confrontam-se numa guerra onde poucos foram poupados. No entanto, para um judeu soviético tudo era mais difícil ainda…
Na tradição da grande ficção russa, Grossman faz lembrar, pelo menos em termos formais, a grandes narrativas de Tolstoi, nomeadamente Guerra e Paz. No entanto, em termos de ficção, as semelhanças são apenas aparentes.
Amanhã ou depois, aqui, a opinião completa

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

A Arte de Matar Dragões - Ignacio Del Valle


Sendo o primeiro livro que li do autor, parti para a leitura sem grandes expectativas. No entanto, devo dizer que a literatura espanhola contemporânea raramente me tem desiludido. E este livro veio confirmar a tendência.
Trata-se de um romance muito interessante sobre um período traumático da história de Espanha: a Guerra Civil. As feridas profundas abertas pela absurda vitória do fascismo de Franco, ainda não fecharam na alma espanhola. Ignacio Del Valle retrata muito bem essa angústia.
Arturo é um agente da polícia franquista secreta que, depois da guerra, ainda sob a euforia da vitória fascista, procura recuperar um quadro famoso, com o título que é dado ao livro e que havia desaparecido quando os republicanos tentaram desviar para França a maioria do espólio do museu do Prado.
À medida que vai seguindo as pistas que o levarão ao quadro, Arturo vai revelando toda a insanidade de um regime violento, injusto e absurdo. É o triunfo da irracionalidade, do inquestionável culto do chefe.
Mas o mais interessante neste livro é a forma como o próprio Arturo vai revelando as suas fraquezas: aquele que à partida nos é apresentado como um polícia duro, inflexível, irracional pela forma fanatizada como segue a autoridade do ditador, vai sendo desmistificado na sua dimensão humana; à medida que o enredo avança vamos descobrindo um Arturo inteligente, capaz de questionar a injustiça e sensível a essas mesmas injustiças. A partir daqui constrói-se mesmo uma interessante história de amor impossível. Afinal, Arturo é um ser humano!
São  evidentes os referentes quixotescos: a Dulcinea que Arturo procura, distante e encantada e a demanda de justiça que o agente empreende, embora sem nunca se libertar do jugo da ditadura que o doutrinara tão profundamente.
Em suma, trata-se de um livro sem a dimensão de uma obra prima porque não nos oferece qualquer inovação em termos de estilo ou de enredo mas que se lê com imenso prazer; com um rigor histórico apreciável, uma análise psicológica muito interessante e uma emoção que nos leva até ao final do livro na tradição do bom romance policial.
Avaliação Pessoal: 8/10

domingo, 8 de janeiro de 2012

Ler devia ser PROIBIDO


Um dia a humanidade será apenas um organismo que vive vegetando, uniforme na sua incapacidade de pensar, apenas destinada a obedecer.
Seres obedientes, amorfos, vegetais que se arrastarão na sombra dos Senhores que comandarão os exércitos de ignorantes, operários, os carregadores das pedras com que se faz a glória das classes dirigentes.
A humanidade inteira estará ao serviço dos maiores, da casta dos líderes, das mentes superiores. A humanidade inteira será feita de escravos como os que construíram as pirâmides do Egipto, a muralha da China ou o Taj Mahal.
Mas, para que tudo isso seja possível, é preciso que se proíba a leitura. Ler é perigoso. Salazar sabia isso; Hitler também; ou Estaline. E hoje, mais do que nunca, renascem os crentes nesta verdade: ler devia ser proibido!
Ler faz as pessoas criticar, sonhar e, pior que tudo: CRIAR!
Portugal, Janeiro de 2012.


sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

As pérolas maiores de 2011

2011 foi um ano de grandes lançamentos. Livros extraordinários, alguns deles reedições, outros lançamentos em primeira mão em Portugal.
De todos eles e, evidentemente, de entre os que li, destaco quatro obras que considero, a todos os títulos, GENIAIS:

Os Mistérios de Jerusalém - Marek Halter:




por uma vez os sonhos uniram-se em Jerusalém na defesa de uma memória que, afinal de contas, une aqueles que a história separou. Jerusalém, a árvore de onde brotaram tantos ramos encerra um sonho único, fundado sobre memórias intemporais.
Brilhante!





A Questão Finkler - Howard Jacobson:



Treslove é uma espécie de retrato invertido de Finkler: ele é o gentio que quer ser judeu, que é atraído por uma certa melancolia própria da alma judaica e Finker é o judeu envergonhado, que procura no sucesso individual um certo triunfo sobre a realidade histórica em que está envolvido.
Ambos lutam contra a sua própria identidade.
Quando, finalmente, Treslove se torna judeu, encontra a angústia e a desgraça…
Enfim, um livro magnífico, talvez um dos melhores romances do século XXI. Surpreendente, divertido, magnífico.
A arte de brincar com coisas sérias.


O Cemitério de Praga - Umberto Eco:


Simonini é perverso, perigoso, traiçoeiro. Mas é também um pouco estúpido. Esta é a grande lição da obra: um homem pouco inteligente mas tremendamente perverso e impiedoso pode pôr em risco toda uma nação.
Trata-se portanto de um livro cheio de emoção onde é possível “ver” nas suas páginas grande parte da realidade política de uma Europa muito conturbada, nos finais do século, anunciando já a Primeira Guerra Mundial que marcaria o início do século XX. Nascia a Itália, mas aprofundavam-se as guerras de bastidores entre austríacos, franceses russos e ingleses.





Um dia, Fiodor Dostoievski afirmou que só a beleza pode salvar o mundo. Assim descontextualizada, esta frase torna-se vaga. Mas Abelhinha faz-nos compreender Wilde quando afirma: “ninguém gosta de ninguém mas todos gostam dos U2”. A música, a arte, a beleza, são raios de sol neste mundo a que chamam global mas onde as atrocidades persistem.
E o final do livro é outro raio de sol. A maldade persiste; a infelicidade não desaparece mas há as crianças; e com elas a esperança e a beleza nunca morrerão.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Pérolas da nova literatura portuguesa

No ano de 2011 li muita literatura portuguesa. Foi uma opção assumida. Por um lado aproveitei para revisitar alguns clássicos. Por outro, fui à descoberta dos novos valores e encontrei verdadeiras pérolas.
A todos os que gostam de bons livros e prezam os valores que AINDA temos no nosso país, eu aconselho estes SEIS livros, aqui indicados por ordem completamente aleatória:


D. Dinis - Cristina Torrão


Olhei Para Trás e Sorri - Pedro de Sá



O Heróico Major Fangueira Fagundes, com todolos seus anexos - Luís Novais

Aqui, Entre Nós - Paulo Alexandre e Castro

No País das Porcas-Saras - Fernando Évora


O Templo da Glória Literária - Miguel Almeida








terça-feira, 3 de janeiro de 2012

A melhor leitura de dezembro: A Sombra da Águia, de Perez-Reverte


Não foi um mês muito profícuo, com tanto trabalho de permeio. Três tristes livros, foi a conta que eu fiz, no que a livros se reporta. Três livrinhos de leitura fácil, um deles um verdadeiro "barrete" (O Braço Esquerdo de Deus), outro uma interessante experiência literária (O Príncipe da Neblina) e este Reverte que, embora com o traço de ingenuidade do início de carreira do génio espanhol, não deixa de ser uma obra interessante.
É um livro de leitura fácil, fluente e divertida, típico da primeira fase da carreira literária deste génio da literatura espanhola contemporânea. Um livro onde encontramos referencias a Tolstoi mas também uma reflexão divertida sobre a personalidade do castelhano, sempre pronto para a briga mas nem sempre com a coragem "taurina" que se lhe atribui. às vezes, fugir é sinónimo de inteligência e os personagens deste livro são verdadeiros heróis da arte de bem  desertar.