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sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Novos Contos da Montanha - Miguel Torga


Imagine-se uma casa de pedra, numa aldeia fria, na encosta de uma montanha. Lá dentro, o fogo da lareira aquece os corpos e as almas. Alguém conta uma história. E nós, as crianças, queremos que o serão não acabe, que o fogo não se extinga e que as histórias não terminem. É assim que se lê Miguel Torga; à lareira; ouvindo nas páginas a voz que conta as peripécias por que se passa na serra.
Neste livro,continuação dos Contos da Montanha,  continua o encanto destes montes, umas vezes alegres e felizes, outras vezes frios e tenebrosos como a noite na serra.
De um lado a alegria da comunhão com a natureza; do outro a dor e o sofrimento de quem depende da terra. O pequeno conto "Natal" é um dos mais belos textos que já se escreveram em Portugal sobre esse assunto; e o último conto é uma belíssima síntese entre a beleza do nascimento e o fantasma da morte; ou de como o nascimento também pode ser sofrimento e de como a morte pode ser bela.
No outro extremo, a melancolia e a tristeza;  por vezes a força da terra e dos homens nada pode contra os destinos da natureza, sob a forma de epidemias, catástrofes naturais ou desgraças que os próprios homens criam como monstros.
O tom mais melancólico dos Novos Contos pode também ser um reflexo da época em que foi escrito (ano de 1944), em plena segunda guerra mundial. Mas também a repressão crescente do regime fascista. Timidamente, a repressão policial aparece nas páginas de Torga, mais explicitamente no conto A Confissão. Anunciavam-se tempos negros...
Em vários contos Torga aborda a festa popular como um momento verdadeiramente único e solene na vida da aldeia; a festa é também ela uma síntese de extremos: do sagrado e do profano, com as suas missas, rituais e sacrifícios misturadas com os bailaricos onde sobem ao palco as paixões mais desenfreadas e ainda os ajustes de contas, as brigas e as vinganças. A festa popular é vista como uma espécie de catarse: o sagrado e o profano levados ao extremo:"um homem sente-se capaz de tudo: de matar o semelhante e de comungar. " pg.93

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Contos da Montanha - Miguel Torga

Comentário:
Quando li este livro pela primeira vez tinha menos de 15 anos. Hoje, cerca de 35 anos depois, na memória pouco sobrava do enredo. Mas lembro perfeitamente a forma como estes personagens me atingiram; a pobreza quase extrema de um Portugal rural e desprezado; a honestidade e a honra de quem sabe atribuir todo o valor ao suor, ao sangue e às lágrimas; o sofrimento de quem trabalha apenas para sobreviver; mas também a alegria que vem da terra e do sol; a beleza da serra e dos penedios; a verdura da floresta e tudo isso, ainda assim, a iluminar a alma das gentes.
Às vezes não é fácil compreender Torga. Talvez porque para sentir o que ele descreve é preciso amar Trás os Montes. Aquelas montanhas falam uma linguagem diferente da nossa, homens urbanos do século XXI. Falam o dialeto da terra, nascido das raízes célticas de um povo que brotou da própria terra.
No prefácio à oitava edição deste livro, Torga salienta a época de emigração que se vivia (1968) devido à falta de recursos económicos e de liberdade. E o livro seria assim uma espécie de homenagem à terra que os homens eram forçados a abandonar. Nada de novo, nada que não mantenha um toque de atualidade...
O primeiro conto, Maria Lionça é profundamente simbólico e ajuda-nos a perceber toda a "alma" do livro: o retrato de Maria Lionça, a moça perfeita, é uma espécie de retrato da terra, enquanto elemento positivo, que fornece alimento mas também alegria aos homens. Mais do que emanação da terra, ela é a própria terra, uma espécie de Deusa-Mãe das comunidades neolíticas. Mas a vida encarrega-se de mostrar como o destino das pessoas, tal como o da terra, não é feito de esperança e de alegria: a vida é sofrimento e morte. E, no final, na morte, é de novo a terra que se abre para receber os homens.
Grande parte do sucesso destes contos reside numa espécie de sensibilidade dramática de Torga. Regra geral não há uma intenção moralista; muitas vezes acabam mal como a vida acaba mal. Nada nestes contos faz lembrar a tradição romântica do romance rural; estão muito longe os tempos de Júlio Dinis. Pelo contrário, predomina uma perspectiva marcadamente realista desse mundo rural, em que o romantismo da pureza de alma das gentes serranas é substituído pela crueza de um conceito de honra por vezes impiedoso e por uma visão do mundo algo irracional, que Torga aborda com um espírito crítico discreto, muitas vezes envolto num sentido de humor mordaz. Nada disto impede, no entanto, que a voz da terra se faça sentir com toda a força, fazendo deste livro, ele próprio, uma verdadeira força da natureza.

Sinopse:

Miguel Torga publicou em 1941 o livro de contos Montanha, que imediatamente foi apreendido pela polícia política. Em carta de Abril desse ano, Vitorino Nemésio, solidarizando-se com o amigo, escreveu a propósito dessa apreensão: «Acho a coisa tão estranha e arbitrária que não encontro palavras. De resto, para quê palavras se nelas é que está o crime?» Mais tarde, em 1955, Miguel Torga fez uma segunda edição no Brasil, com o título Contos da Montanha. A edição da Pongetti circulou clandestinamente em Portugal, assim como a 3.ª edição, de 1962. Em 1968, a obra Contos da Montanha foi de novo publicada em Coimbra, em edição do autor.
in wook.pt

sábado, 16 de agosto de 2014

O Senhor Ventura - Miguel Torga

Comentário:
O Senhor Ventura é a prova definitiva de como os grandes escritores nos reservam sempre grandes surpresas. Isto porque um grande escritor não se refugia num estilo definido, nem numa temática bem demarcada. Pelo contrário,um grande escritor é versátil. E Miguel Torga é um grande escritor.
Todos nós conhecemos Miguel Torga dos contos de cariz rural, expressando a luta do homem pela sobrevivência, num enquadramento por vezes poético outras vezes profundamente realista da relação do homem com a terra. Neste livro, Torga surpreende com um pequeno romance em que narra das aventuras de um português pelo mundo. Assim, o Senhor Ventura é o aventureiro luso, o português das sete partidas, que correu mundo, encantou e ficou encantado. Mas este não é um herói clássico. Muitas vezes é um anti-herói. As suas aventuras envolvem sempre a matreirice, aquele carácter "desenrascado" que muitas vezes não hesita em sair dos limites da lei. Um malandro, em suma. Mas, como qualquer malandro, o Senhor Ventura também se apaixonou. E, mais uma vez, aí temos o herói preso pelas saias. O amor foi o início da desgraça do Senhor Ventura, uma espécie de D. Quixote encandeado pela sua Dulcineia mas que não deixou de ser, tal como o herói de Cervantes, um porta voz de todas as virtudes e defeitos do seu povo. Na sua matreirice mas também no seu espírito de aventura, O Senhor Ventura é um verdadeiro resumo da alma portuguesa.
Acima de tudo, este livro é uma engraçada caricatura da alma portuguesa. Ao leitor fica a sensação que o autor de divertiu ao escrever este livro, que encarou de forma despretensiosa mas que se tornou, sem dúvida, uma das suas obras mais interessantes. Mesmo assim, há um aspeto muito sério que tem de ser referido: nas entrelinhas há aqui um recado à ditadura, durante a qual Torga escreveu este livro (1943) e contra a qual sempre se bateu...
Em suma, um livro sério mas divertido, cheio de conteúdo embora breve. 

sábado, 14 de maio de 2005

Bichos - Miguel Torga

Escrito em 1940, Bichos é um clássico da literatura portuguesa. Livro simples, transparente, honesto e sentido. Um grito amargo e profundo da terra que encerra os homens. Uma fusão total entre a terra e o ser humano, como se tudo emergisse de uma amálgama onde terra, bichos e homem fossem a pasta de onde nasceu a ordenação universal das coisas e dos seres. A rudeza das torgas, a aspereza das montanhas, a magreza das terras e a solidão do tempo, misturam-se num universo, cantado em poesia por um mestre que foi apenas um homem. Um homem que viveu e lutou contra um mundo ainda mais agreste, ainda mais hostil: o mundo da ditadura. Bichos é, também, o retrato fiel do viver transmontano; uma vida de suor e lágrimas, por entre escolhos e lobos, mas sempre repleta daquela alegria que só o sofrimento pode justificar: a alegria de ser, de viver em comunhão total coma natureza, em fusão permanente com os elementos. Miguel Torga fez desta obra um testemunho impar da união natural entre os Homens e os Bichos – a simbiose da vida. No meio dos dois, a terra, o traço que lhes dá vida. No trabalho, nas paixões e nas dores, os bichos compartilham com os homens as esperanças e as desgraças. Curiosa a palavra: “bichos” e não “animais”. Bichos são, talvez, os animais humanizados, irmanados com o homem na mesma luta; na vida. A linguagem, simples mas cuidada é uma das mais belas expressões da cultura popular: um vocabulário fidelíssimo à realidade transmontana. Quem conhece aquelas terras, reconhece-se em Torga. Mas a poesia latente por detrás destas estórias não é de Torga. É da terra. Por isso, este livro não é só uma criação do seu autor; é muito mais do que isso: é uma emanação da terra. E neste conceito de “terra” podemos englobar os homens e os seus irmãos “bichos” – os três elementos constituem um todo, um cosmos único onde Torga participa como mensageiro, personagem e intérprete.