segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Servidão Humana - Somerset Maugham


Sinopse:
Publicado em 1915, "Servidão Humana" é a obra-prima de Somerset Maugham, considerado um dos maiores técnicos do romance e estilista da língua inglesa. Este livro conta a história de Philip, alter-ego do autor na sua juventude, dividido entre o fervor religioso da família e o desejo de liberdade e fruição dos prazeres que os livros e os estudos lhe dão a conhecer. Mas todos os seus planos são frustrados quando se apaixona loucamente por uma jovem camareira de origens humildes.

Comentário:
Viagem às profundezas da alma humana, às catacumbas do conservadorismo britânico e às razões mais remotas da construção que fazemos da infelicidade. Philip viveu em função da liberdade até se escravizar a ela. A vida só poderia ser vivida de forma absolutamente livre. Essa seria a sua condenação. Iria Philip ter ainda oportunidade de escapar a esta prisão? Caminhamos até ao final das 541 páginas de letra miudinha para obter a resposta; mas não se pense que esta viagem de 541 passos é uma jornada penosa; pelo contrário, é uma leitura agradável e divertida tal é a forma singela e objetiva como Maugham escreve.
“Um homem que morre pela Pátria morre porque sente prazer nisso, da mesma forma que um homem come picles porque os aprecia”. Este hedonismo radical, enunciado pelo personagem Cronshaw é o extremo da liberdade.
Liberdade e felicidade são dois conceitos frequentemente incompatíveis; somos livres de procurar as situações mais gratificantes possíveis; isso leva-nos, no entanto, a uma busca interminável em que acaba por se transformar a própria vida. A liberdade de procurar ser feliz faz com que a procura se eternize. E quase nos esquecemos de viver.
Antes de Maugham talvez apenas Dostoievski tenha explicado tão bem a forma como o ser humano precisa de ser servo. E se não tem um “senhor” a quem dedicar essa servidão, então torna-se servo dele próprio. Philip tornou-se servo da sua própria liberdade, portanto, das suas próprias decisões, tantas vezes escravizadores e conducentes, afinal… à desgraça; à infelicidade.
Na parte final do livro, finalmente, Philip confronta-se com ele mesmo e não com o seu futuro. Ao mesmo tempo dá conta da realidade social que o rodeia – da miséria com que se vive na Londres civilizada do século XX.
O grande problema de Philip era “a paixão de viver no futuro”; o futuro e a liberdade por oposição ao amor e ao presente. Estas duas dualidades resumem os conflitos emocionais de Philip e, talvez, os grandes conflitos de qualquer alma humana. Talvez o sentido da vida de encontre algures entre o amor e a liberdade…
Por outras palavras... um dos melhores livros que li até hoje.

domingo, 23 de setembro de 2012

Brasil - John Updike


Sinopse:
Tristão Raposo é um jovem negro de 19 anos que vive nas favelas do Rio de Janeiro. Isabel Leme é branca, tem 18 anos e é filha de um diplomata importante. Quando se vêm pela primeira vez, na praia de Copacabana, percebem que foram feitos um para o outro e fogem para poderem viver juntos. A fuga leva-os numa série de desventuras através das regiões mais remotas do país e do lado mais obscuro do Brasil. Relatando a trágica trajetória destes amantes, da paixão imprudente à prostituição, da falsa segurança à morte irónica e brutal, Updike descreve o Brasil das últimas três décadas mostrando um país que vive num caos económico e social com uma gigantesca disparidade entre ricos e pobres. Em cenários tão variados como o Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Dourados e Mato Grosso, é natural que a ação enverede por uma vertente de realismo mágico que só John Updike poderia tão bem utilizar.

Comentário:
Nunca tinha lido nada deste conceituado escritor, mas devo dizer que não me convenceu. É claro que este é considerado um dos livros menos famosos deste escritor; talvez a s suas obras primas sejam mais interessantes. Mas surpreendeu-me negativamente o imenso cliché em que cai a obra: uma abordagem do país como se este fosse um imenso exagero. Para Updike, o Brasil é o exagero. Qualquer situação humana, qualquer emoção, qualquer sentimento, se o exagerarmos, se o tornarmos quase inconcebível, então estamos no Brasil. Parece ser este o pensamento de Updike.
Talvez a minha leitura seja demasiado simplista, ma o que este livro me deixou foi um profundo desagrado perante a imagem que transporta do belíssimo país que deu título ao livro.
A própria história do casal Tristão e Isabel (referência à lenda europeia medieval de Tristão e Isolda) é um imenso cliché – o rapaz da favela, pobre e quase selvagem que se apaixona pela requintada burguesazinha, a menina ingénua que não mais o será depois de se apaixonar pelo malvado mas irresistível Tristão. Depois, juntos enfrentarão as situações mais inacreditáveis que se possa imaginar: desde assassinatos numa mina de ouro onde eles procuram fortuna até inimagináveis viagens pela floresta amazónica onde não faltam índios tirados da carta de Pero Vaz de Caminha e garimpeiros muito malvados, capazes de matar e esfolar qualquer incauto que se distraia ao longo do Amazonas.
Pode advogar-se que Updike demonstra uma fertilíssima imaginação. Isso é verdade; as situações criadas não inimagináveis por uma mente comum. Mas a imaginação desmedida facilmente conduz à inverosimilhança. É o que acontece neste livro. Tudo é exagerado. Tudo é demasiado incrível para que o nosso cérebro possa aceitar este enredo sem a inevitável sensação de impossibilidade.  

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

A Conspiração de Catilina - John Maddox Robert


Sinopse:
No seguimento do primeiro volume da serie SPQR, o lance do rei, John Maddox Robert com "A conspiração de Catilina" transporta-nos de novo às profundezas das conspirações romanas. Grupos de criminosos controlam as ruas assaltando indiscriminadamente patrícios e plebeus. As atrozes mortes de um antigo escravo e de um mercador estrangeiro na perigosa zona de Subura parecem não ter quaisquer consequências para a hierarquia romana, mas Décio Cecílio Metelo, o novo, não pensa dessa maneira. Contrariando a apatia oficial, subornos descarados e ameaças brutais, Décio vai pôr a nu a corrupção que grassa nos mais altos escalões do governo e faz perigar toda a estrutura político-social e a sua própria vida. As ruas estão empapadas com o sangue de cidadãos assassinados, e os rumores que circula apontam para mais atrocidades. Décio Cecílio Metelo, o Novo, investigador, está convencido de que há uma conspiração cujo objetivo é derrubar o governo - uma cabala sinistra que só pode ser destruída de dentro. Mas a entrada na sociedade traidora sai cara a Décio: a vida do seu melhor amigo e possivelmente a sua.

Comentário:
Este romance histórico apresenta-nos uma leitura historicamente credível do famoso processo que deu origem às Catilinárias (célebres discursos em que o senador Cícero desmascarou a traição levada a cabo por Catilina). Catilina era o nome do chefe de uma revolta na Roma dos últimos tempos da República Romana. Viviam-se tempos difíceis em virtude dos diferentes partidos que se haviam formado vinte anos antes, durante as guerras civis entre Mário e Sila (ou Sula, segundo algumas traduções).
De uma forma um pouco simplista, Maddox associa os partidários de Sila à velha aristocracia e os de Mário aos populares; no entanto, a gravidade da conjura não tinha tanto a ver com as referências históricas destes partidos mas apenas e só com as ambições políticas desmedidas de alguns políticos romanos. Na verdade, Catilina é-nos apresentado aqui como um misto de herói e vilão. É esta ambivalência e a forma como é gerida pelo autor que constitui o aspeto mais interessante do livro. Até que ponto Catilina foi apenas um “peão” nas guerras políticas onde os verdadeiros líderes não deram o rosto? Este ponto leva-nos a uma interessante reflexão sobre a natureza do poder político: muitas vezes nós, os cidadãos comuns, nada sabemos sobre as verdadeiras intenções e até sobre a identidade dos mais poderosos.
Da mesma forma que Catilina nos é mostrado como uma espécie de herói (ou, no mínimo, de vítima), também o seu acusador, Cícero, não é aqui visto como o herói, o político brilhante que desmascarou a traição, mas apenas como mais um político ambicioso que, ao acusar Catilina, não demonstrou a coragem suficiente para procurar os verdadeiros culpados.
Certo é que a conspiração de Catilina e toda a confusão que gerou veio a dar justificação para o período de ditadura de Júlio César, ou por outras palavras, à queda definitiva da república romana, dando lugar, em definitivo, à autocracia.
Ficamos pois, com esta lição da história: Catilina ou Cícero, pouco importa, os homens destruíram a democracia ou o que dela restava para justificar o poder discricionário de um homem.



domingo, 9 de setembro de 2012

Amor e Liberdade de Germana Pata-Roxa - Fernando Évora



Sinopse:
As histórias que neste livro se contam, aparentemente sem conexão entre si, unem-se num final surpreendente. A linguagem é despretensiosa e simples, mas polvilhada de ironia (faz lembrar Eça de Queiroz, sem dúvida). Os personagens são únicos, autênticos e tendencialmente queirosianos — gente comum, com as suas fraquezas e vícios, e com a grandiosidade dos seus sonhos. Os enredos absorvem-se de um fôlego e a narrativa, descomplicada, revela grande humanismo (faz lembrar, agora, o que de melhor a literatura sul-americana nos oferece). Enfim, histórias que divertem pelo que têm de caricato e inesperado, mas que deixam uma réstia de inquietação no leitor, que inevitavelmente há-de rever-se em muitas delas, eis o que encontramos nesta obra.

Comentário:
A literatura portuguesa está cheia de olhares nostálgicos e entristecidos para o passado; este livro, pelo contrário, abre com um olhar nostálgico e entristecido para o futuro. É um olhar revoltado para um futuro onde as empresas controlam os indivíduos, roubando-lhes o sonho e até o sono; um mundo que é uma espécie de utopia invertida…
No entanto, este primeiro conto, uma espécie de exercício de ficção científica, rapidamente dá lugar a outros tons, bem mais coloridos.
No pós 25 de Abril, Fernando não passa de uma criança mas assume-se como comunista; vermelho como o Benfica. Na idílica Zambujeira do Mar assistimos à volta à Zambujeira em caricas e outras matreirices pueris, cheias de imaginação e humor.
A escrita de Évora sabe a terra. Sabe a povo. O estilo, claro, límpido, permite-nos viajar com ele ao correr das linhas, numa espécie de encenação que cada página compõe, como se se tratasse de um filme.
Numa época em que a literatura portuguesa está pejada de escuridão, de personagens sombrias que ilustram visões negras do mundo, é bom saborear uma obra como esta, em que as personagens respiram a bondade humana, o lado solar da vida.
Por detrás de cada personagem há um ser humano completo, pleno de futuro. Até os “mesquitosos” – uma espécie herdeira dos antigos bufos da PIDE, de denunciadores e que vivem à custa da miséria alheia. Trata-se de um tipo de ser humano algo peculiar que, nestes tempos de União europeia se dedica à vilanagem que por aí vemos. Apetece dizer que Portugal está cada vez mais cheio de “mesquitosos”. Digo eu. Mais requintados que os do livro, é claro… sim, porque no livro, ser mesquitoso é muitas vezes mais uma questão de aparência e, nesse caso, a condenação popular é fatal mesmo que tal condição seja apenas virtual. O preconceito faz entrar em cena a xenofobia, disfarçada de justiça.
Um dos aspetos mais interessantes deste livro é um verdadeiro encantamento que a escrita nos provoca por via do uso da linguagem popular, se bem que muito cuidada, divertida, clara e cheia de sentido de humor. Mas o humor, aqui, não é um mero recurso estilístico; é quase uma filosofia de vida – é uma forma de encarar o mundo que, decididamente, nos deixa mais felizes.
Na verdade poucos como Fernando Évora conseguem exprimir este espírito positivo sem prescindir do espírito crítico e de uma certa “intervenção social”, em que Évora não deixa de apontar os grandes males deste viver português.
Num tempo tão cinzento como o que agora vivemos faz bem ler um autor que, imagino, escreve com um sorriso igual àquele que nós estampamos no rosto quando lemos o livro. São 128 páginas que passam a voar, que se folheiam, saboreiam e digerem com um prazer requintado. E que nos deixam, ainda assim, com um imenso apetite para mais…
Serão sempre possíveis o amor e a liberdade. É com esta mensagem bem positiva que percorremos o último capítulo, um texto deveras surpreendente, em que o autor envereda, de forma genial por um “tête-à-tête” com o leitor, num enredo cheio de criatividade e em que vários personagens, provenientes dos diversos contos, se encontram neste grande final, num desfecho em que os livros são o mote e a liberdade o tema.
Para terminar gostava apenas de dizer ao narrador que é este o valor da ficção: dar à vida o tom de esperança e de sonho que não existe na realidade. Para que o faça saber ao Melguinha.
E não é com o tom sóbrio das últimas frases que Fernando Évora engana a verdade que explanou ao longo da obra: todo o livro é o retrato positivo da vida. 
O amor e a liberdade são inexoráveis como a Primavera de Neruda. 

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Os Três Mosqueteiros - Alexandre Dumas


Sinopse
Alexandre Dumas teceu as suas ficções sobre uma trama do século XVII, misturando personagens reais das mais altamente colocadas com personagens imaginárias, conseguindo colocar uma e outras no panteão dos imortais. A sua inspiração faz agir e falar o monarca absoluto Luís XIII e o temível cardeal Richelieu, Ana de Áustria e Buckingham, reviver toda uma época em que se sucedem as aventuras dos seus heróis, D' Artagnan, Athos, Porthos, Aramis e essa fascinante Milady, à volta da qual a acção se desenrola com inegável poder dramático. Gerações de leitores renderam-se a esta obra brilhante. E hoje, passado mais de uma século, o livro conserva todo o seu interesse e continua a ser adaptado ao cinema, televisão e mesmo a desenhos animados, transformando esta numa verdadeira obra para todas as idades.

Comentário:
Escrito em 1844 e baseado em acontecimentos históricos do início do séc. VXII, Os Três Mosqueteiros é considerado um dos primeiros grandes sucessos ao nível do romance histórico. Publicada, como era costume na época, em folhetins, esta obra é um romance de capa e espada que encantou e encanta sucessivas gerações.
Esta é a magia da literatura a que alguns chamam de juvenil. Erradamente, na minha opinião, porque a grande literatura não escolhe idades; e os romances de aventuras também podem ser obras-primas.
Este é, na minha opinião, um livro portentoso. Só uma obra-prima deste quilate é capaz de proporcionar ao leitor tal evasão, tal fuga para os píncaros do sonho. É um livro que se lê devorando páginas e leitor nenhum se intimida ou se deixa vencer pelas mais de seiscentas páginas.
Mas que espécie de magia tem então este livro? Um livro genial é aquele que ultrapassa o seu género; um romance histórico que se limite ao género, ou seja, que não passe de um romance histórico, será uma obra banal. Um grande romance histórico, como este, é muito mais que isso e muito mais que um romance de aventuras; é uma inquietante reflexão sobre a natureza do poder político e sobras as fragilidades da alma humana; de como o poder e, consequentemente, a vida de todo um povo, dependem das vontades individuais, mas também dos caprichos e jogos de interesses, por vezes pérfidos. Mas, ao mesmo tempo, é um livro onde se traça uma enorme homenagem à honra, à coragem, aos valores humanos e à força da amizade. Não se pense, no entanto que os mosqueteiros são apresentados como homens perfeitos; nem o Cardeal Richelieu é retratado de forma tão pérfida como certas adaptações da obra nos levam a crer, nem os mosqueteiros são desprovidos de defeitos: Athos é dependente do álcool, Porthos é um brutamontes, D’Artagnan é um “pinga-amores”.
Mas este livro, como bom romance histórico que é, revela-nos também um cenário bem construído da França do início do século XVII, martirizada por absurdas guerras religiosas que haveriam de atravessar todo o século provocando milhares ou talvez milhões de mortos absolutamente inocentes. Por outro lado é também o testemunho das inacreditáveis diferenças sociais que colocavam a Igreja e a Nobreza acima de todos os comuns mortais, criando situações de injustiça que todos, pobres e ricos, aceitavam sem questionar.
Aliás nota-se em Alexandre Dumas um certo anti clericalismo, típico também daqueles tempos pós-revolucionários que se viviam em França. A religião é apenas um pretexto para que os seus líderes e os dirigentes políticos ponham em prática os seus planos de poder. Por exemplo, o cerco de La Rochelle, acontecimento central neste livro, é visto como um ato político e não religioso. Em causa estava mais a guerra e a rivalidade com Inglaterra do que a questão entre Huguenotes e católicos que, oficialmente, conduziu a uma verdadeira carnificina.
Em conclusão: não considero que haja livros de leitura obrigatória para quem gosta de ler. Mas se tal lista existisse, esta obra teria obrigatoriamente de lá constar.



domingo, 2 de setembro de 2012

A melhor leitura de Agosto: L'Empire des Larmes - Le sac du palais d'Étè

Num mês absolutamente dramático em termos pessoais, as leituras não foram muitas nem de qualidade excepcional.
Alguns dos livros lidos neste pouco querido mês de Agosto foram mesmo dececionantes, com destaque para dois espanhóis: um pouco amado pela crítica mas que aprecio bastante foi talvez a maior deceção do ano: Carlos Ruiz Zafón em O Prisioneiro do Céu; o outro é um "menino querido"dos críticos: Enrique Vila-Matas. Eu nunca tinha lido nada dele e... detestei este conceituadíssimo Dublinesca. É mesmo um livro para crítico ler. Ou fingir que lê.
Pelo lado positivo, dois livros que sem serem geniais são de leitura muito interessante e agradável: Ravelstein, de Saul Bellow, Revolutionary Road, de Richard Yates e, principalmente este divertido Saque do Palácio de Verão, do francês José Frèches.