domingo, 31 de julho de 2011

Jane Eyre - Charlotte Brontë

Para ir directo ao assunto, este é um livro empolgante.
Sem a profundidade psicológica da sua irmã Emily, Charlotte Brontë narra-nos a vida de Jane Eyre de uma forma entusiasmante pela emoção que consegue imprimir à narrativa.
Em termos de estilo, é nítido o traço indelével da literatura romântica: uma história dramática, onde se cruzam os sofrimentos atrozes do coração com um conceito de felicidade idílica atribuída ao amor platónico, quando materializado.
Jane Eyre (de quem alguns dizem encerrar traços auto-biográficos de Charlotte) é uma menina órfã infeliz, vítima de uma educação brutal. Primeiro a tia e as primas que a acolheram sem qualquer amor e depois um colégio interno mais do que espartano, onde as crianças eram submetidas aos piores tormentos. Depois, aos dezoito anos, a emancipação; a procura do amor; novamente, o abandono; a desgraça do sofrimento sentimental mas também físico; Jane quase morre de fome; finalmente a redenção pelo amor, como todos os ingredientes do romance romântico: o livro só poderia terminar com a tragédia ou com a felicidade suprema. O leitor descobrirá.
Um aspecto interessante desta obra, que a distingue da sua contemporânea Jane Austen é o papel activo da mulher; ao contrário do romantismo mais tradicional de Austen, aqui  mulher tem um papel activo na sociedade, com ou sem casamento, contrariando também o espírito da época.
Uma palavra para a capa do livro. Muito estranha mesmo. Gostava que alguém da editora (book.it) me explicasse isto: que sentido faz uma capa com uma bela mulher mas com características físicas totalmente diferentes da personagem do livro? E porque é que a menina da foto usa um vestido do século XXI quando a narrativa se passa no séc. XIX? E, já agora, porque é que na contracapa nos é revelada boa parte da história, retirando emoção à leitura?
Seja como for, é um livro que vale a pena ser lido. Leitura fácil, emocionante e com um ritmo narrativo notável; Brontë não perde tempo com descrições supérfluas, nem com diálogos inúteis. Isto dá à narrativa uma fluidez muito agradável.
Avaliação pessoal: 9/10

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Palomar - Italo Calvino

Como diria (talvez) Afonso Cruz, olhar para dentro é como olhar para fora e vice-versa.
Esta é a história (magnífica) do senhor Palomar, um homem reflexivo mas sereno; para ele, o mundo é um espelho da sua alma e vice-versa. Mas Palomar duvida; talvez não seja assim. Ao longo do livro, Palomar vai observando, meditando e tirando conclusões; ou melhor, ilações que, também elas, são alvo de dúvida. Palomar pensa e Calvino escreve; e que bem ele escreve!
Quem ler as primeiras linhas do que escrevi poderá formar de imediato uma imagem que não corresponde à realidade: de que este livro é uma obra filosófica, maçadora e difícil; nada disso; é uma leitura muito agradável, com um traço de humor fino e discreto. E o que Calvino escreve, vai direito à nossa alma.
Aponto de seguida alguns exemplos dessas reflexões:
Logo no capítulo I, Palomar, na praia, nadando frente ao sol poente, Palomar reflecte: se fosse egocêntrico e megalómano, encararia o raio de sol como uma homenagem do astro-rei à sua pessoa; se fosse depressivo ou angustiado diria que todos os seres humanos vêem da mesma forma aqueles raios de luz; e numa perspectiva realista diria que só alguns, como ele, reflectem nestas coisas.
Os elementos e as forças naturais convergem para ele. O mundo tem um sentido muito próprio que só se descodifica dentro do “eu”. Como se todo o mundo fosse subjectivo…
No jardim, Palomar ouve o assobio dos melros – música, comunicação ou ruídos desordenados? Serão eles diferentes do homem? Aquele assobio será uma espécie de não-comunicação, como em certos diálogos com a Senhora Palomar?
No prado: como no universo ou na sociedade humana, o prado é um conjunto de ervas daninhas e relva, coabitando, tolerando-se. Mas um prado não é mais que um conjunto de seres individuais – as ervas. Cada erva é uma individualidade e só olhando para cada uma delas poderemos apreender o que é um prado.
Observando a lua e os astros, Palomar sente o universo como coisa sua; o Universo é o que ELE vê!
Na cidade, Palomar tem um terraço de onde contempla a cidade – antes de conhecermos por dentro, convém conhecermos por fora. A cidade como um conjunto de “eus”.
Na loja de queijos e no talho, Palomar vê os outros como quem se vê a si próprio e vice-versa. Os outros são muitas vezes a expressão do nosso pensamento e da nossa visão do mundo, assim como nós reflectimos todo o mundo social que nos rodeia.
A terceira e última parte do livro é simplesmente magnífica; na reflexão sobre si mesmo, Palomar encara de frente os grandes dramas que avassalam a existência de qualquer ser humano pensante.
Ele dá conta da terrível impossibilidade de compreender o mundo. Todo o seu sonho de compreensão ruiu. A visão que tem do exterior depende das percepções sensoriais, dos códigos de comunicação e da interpretação de símbolos. Ora, tudo isso é subjectivo e enganador. Talvez seja por isso que a desordem interior seja igual à desordem exterior que ele verificou ao longo do livro: a desordem do prado, das estrelas, dos animais no zoo, das carnes no talho, dos bandos de pássaros e até dos queijos.
Finalmente, Palomar pensa ter encontrado o caminho para a paz de espírito: conclui que nunca compreenderá o mundo sem se compreender a si próprio. Volta-se para si próprio. Como se estivesse morto. Só a morte dá sentido ao cosmos porque Palomar, como morto, já não poderá interferir no exterior… tudo é acabado.
Avaliação Pessoal: 9.5/10

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Abrace a Vida - Lauro Trevisan


É a segunda leitura completa que faço deste livro. Leituras parciais, de capítulos isolados, já fiz várias e certamente não ficarei por aqui. Isto não é um romance, nem sequer é uma obra literária de especial interesse. No entanto, é um dos livros da minha vida.
Na primeira vez que o li decidi não comentar no blogue porque fiz dele uma leitura muito pessoal. No entanto, agora, penso ser útil partilhar com quem me lê algumas frases do autor. Não as comentarei porque cada um fará a sua leitura.
Sei que, para muitos, isto é literatura de segunda categoria, para outros isto é mesmo um embuste. A esses peço apenas que me deixem ser ingénuo. Porque para mim e para muitas outras pessoas, este livro foi uma ajuda essencial-..
Há um produto muito barato, cientificamente comprovado e medicinalmente aceite como elixir da longa vida. Chama-se sorriso.” (pág.29)
“…os dentes não existem só para morder, mas também para sorrir.” (pág.21)
"São necessários quatro abraços por dia para sobreviver; oito para viver tranquilamente; doze para prosperar.” (pág.22)
A vida é você. Tem a forma que lhe der. (…) você não é um simples espectador, mas um actor. E não só actor mas autor.” (pág.33)
Quando atirarem um limão ao peito de um pessimista, ele passará o dia a queixar-se de tanta maldade no mundo; se atirarem um limão ao peito de um optimista, ele aproveita para fazer uma limonada-“ (pág.45)
Não são os factos que fazem a vida de uma pessoa, mas sim a interpretação que lhes é dada.” (pág.35)
Diz-me com que pensamentos andas, dir-te-ei quem és. (…) lembre-se que para onde dirigir os seus pensamentos, para lá se dirige a sua vida.” (pág.48)
Só existem dois lugares para viver: aqui e agora. Faça o que fizer, viva o que viver, lembre-se que a vida é apenas este momento.” (pág.66)
A vida, em última análise, exprime-se de dentro para fora. (…) se o ovo não for rompido de dentro para fora, a vida não vai nascer.” (pág.75/76)
O fracasso, na verdade, não é um fracasso: é um acontecimento altamente benéfico porque encerra uma lição que precisava de ser aprendida.” (pág.84)
O grande mal do ser humano é pretender carregar os males do passado e as preocupações do futuro, duas cargas inúteis e prejudiciais.” (pág. 130)
O impaciente, o irritado, o nervoso, o que ferve em pouca água está a funcionar no lado esquerdo do cérebro. Se no momento em que está com a cabeça quente parar um pouco e contar até dez (…) ou se se relaxar por uns instantes, passará a funcionar do lado direito do cérebro, que é o depósito da paz de espírito, da paciência, da calma, do raciocínio descomprometido e tranquilo. Isto é o máximo da sabedoria…” (pág. 161)
Imagem daqui.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

O Prenúncio das Águas - Rosa Lobato de Faria

O caminho é em frente e só o amor tem a força de apartar as águas

Depois de ter lido três livros de Rosa Lobato Faria, fiquei impressionado com a sensibilidade extraordinária desta grande senhora da literatura portuguesa. Li em vários sítios que este é o melhor livro da autora. E parece que assim é. O Prenúncio das Águas é um texto riquíssimo e agradável. Acima de tudo, a escrita de RL Faria apela, na minha mente, a um único adjectivo: doce. Uma escrita leve, melodiosa que desperta o irresistível prazer da leitura.
Eugénio Lisboa adjectivou de “gótica” a imaginação da autora. Penso que é uma caracterização muito feliz, não no sentido histórico do termo mas como definição de um envolvimento místico e simbólico. A água surge ao longo da narrativa como símbolo da renovação mas também da destruição; da vida mas também da morte. O prenúncio das águas acaba por ser o destino dos mortos e dos vivos que se adivinha na subida da água do rio.
Note-se que este livro foi escrito em 1999, altura em que a barragem do Alqueva ganhava forma, obrigando à deslocalização da povoação da Aldeia da Luz, como acontece no romance com Rio do Anjo. Na aldeia que vive os seus últimos dias, Filomena, ex-emigrante desiludida da vida, procura as suas raízes e a partir delas uma espécie de renascimento. Aí conhece Ivo Durães, um professor reformado. Mas a paixão terá de ser repartida com Zé Nunes, um personagem peculiar. O drama do triângulo acentua-se ao longo da obra até ao inevitável fim trágico. Pelo meio está Pedro, o filho de Zé Nunes, uma criança sonhadora e genial que desperta em Filomena um comovente amor maternal.
A extraordinária caracterização psicológica das personagens atinge o seu expoente máximo, na minha opinião, com a figura de Zé Nunes, um personagem fortíssimo a fazer lembrar Heathcliff, do Monte dos Vendavais. Ele é uma força fruta, a fúria da natureza em forma humana. O sexo é a força natural avassaladora que, como o rio, destrói, devasta e desencadeia paixões. Uma personalidade brutal, puro instinto aliado a uma inteligência prática que o transforma num monstro ou num herói, conforme a perspectiva do leitor.
 Avaliação Pessoal: 9/10

sábado, 23 de julho de 2011

A Mentira Sagrada - Luís Miguel Rocha

É impossível ler este livro sem o integrar no contexto da “moda” actual de literatura de ficção em torno do Vaticano. Neste aspecto, a ficção de “suspense” parece que vai dividir-se para sempre entre A.D.B. e D.D.B: antes de Dan Brown e depois de Dan Brown.
Mesmo assim, é nítido o esforço de Luís Miguel Rocha no sentido de fugir à “norma”, tentando evitar clichés do género se bem que, na maioria dos casos, de forma bastante denunciada.
Ao longo do livro, multiplicam-se os cenários e as personagens: o alto clero do Vaticano, os Jesuítas, a polícia francesa, terroristas árabes, a CIA, arqueólogos e investigadores a soldo desta ou daquela facção, mercenários de variadas índoles, etc. Tudo isto girando em torno de um Evangelho de Cristo, manuscrito pretensamente verdadeiro e um outro pergaminho que colocava Jesus Cristo em Roma no ano 45, o que derrubaria por completo toda a “verdade” da Bíblia católica. Ao contrário do que se passa na maioria das obras do género, não há aqui um jogo “do gato e do rato” mas uma multiplicidade de “ratos” que se cruzam em perseguições mútuas.
No entanto, aquela multiplicidade de cenários e personagens acaba por prejudicar o ritmo narrativo porque o autor vê-se obrigado a repetir a narração do evoluir dos acontecimentos à medida que as diferentes personagens tomam conhecimento dos factos.
Neste tipo de narrativas é impossível fugir à comparação com aquele que é, a meu ver, o melhor exemplar, digamos que o modelo do género: Anjos e Demónios. Mas em termos de suspense, se emoção e acção, este A Mentira Sagrada fica bastante aquém de tal modelo.
Por outro lado, embora bem escrito, falta a este livro alguma objectividade no enfoque do tema central – a procura dos manuscritos. O autor consegue manter o suspense até ao fim mas, na maior parte da obra, levando o leitor a desvios e repetições que seriam, talvez, desnecessárias.
Seja como for, é uma obra de leitura agradável e fácil. Ideal para umas férias descontraídas.
Outro mérito do autor é a forma habilidosa como evita o habitual maniqueísmo – os bons e os maus da fita. Aqui todos têm “culpas no cartório” – não há inocentes: os jesuítas, o papa, a polícia, os arqueólogos… todos estão envolvidos numa enorme teia do mal. E a verdade acaba sempre por ser CONSTRUÍDA dentro dessa teia. Mas se LF Rocha consegue evitar este cliché com inteligência, não consegue ceder a um outro: ao inevitável triângulo amoroso. No entanto, acaba por escapar à previsibilidade criando um final algo diferente do habitual. Digamos que… ligeiramente.
Avaliação Pessoal: 7.5/10

quinta-feira, 21 de julho de 2011

O Fim da Aventura - Graham Greene

O grande William Faulkner escreveu sobre este romance: “Para mim é um dos mais verdadeiros e comovedores romances do meu tempo, em qualquer língua.”
Esta opinião, vinda de quem vem, convence qualquer leitor a devorar o livro. Posso dizer que o li numa noite: 264 páginas devoradas quase sem parar. É mágico, este livrinho. Greene tem uma capacidade enorme de agarrar o leitor, de utilizar todos os aspectos da narrativa para convencer o leitor a voltar só mais uma página, depois mais uma, e só mais outra, até ao fim da leitura.
A ideia inicial do livro é bem simples e peculiar: um homem, funcionário público (Henry) é casado com Sarah. Esta não o ama. Ama Maurice. Mas este é um amor impossível, mau grado os encontros escaldantes que têm, sob os bombardeamentos de Londres na Segunda Guerra Mundial. Um dia, Henry, sabendo que é traído (não sabe por quem) põe a hipótese de contratar um detective para vigiar Sarah. Confidencia esta intenção a Maurice, de quem se tornara amigo. Henry recua na intenção mas é Maurice quem avança com a contratação do detective. E aí temos: um marido e um amante unidos na procura de um terceiro rival.
Esta situação, que podia ser cómica, levar-nos-á a um caminho inesperado; a uma busca constante do sentido do amor, de quatro destinos marcados pela paixão. Mais ainda: a vida, aos poucos, desvendada de Sarah revela os grandes dilemas do ser humano: a natureza das paixões, os caminhos, por vezes absurdos, da felicidade e a natureza do sagrado a interferir constantemente nos destinos. Este, aliás é um dos aspectos mais perturbadores do romance: o sagrado e a forma como as nossas vidas são influenciadas por ele.
O final do livro é ao mesmo tempo perturbador e encantador. O leitor, estupefacto, conclui que Greene é um enorme contador de histórias mas, acima de tudo, tem uma capacidade imensa para deixar o leitor a pensar no sentido da vida. Depois de 5 ou 6 horas de leitura ininterrupta tem de haver ainda espaço na insónia para digerir as mensagens perturbadoras e encantadores que o livro nos deixa.
Não se trata de uma obra-prima; trata-se de um livro escrito de forma simples como a vida, mas que deixa uma marca de realidade, uma marca que o leitor identifica com a sua própria vivência.
Avaliação Pessoal: 9/10

terça-feira, 19 de julho de 2011

O Quarto de Jacob - Virgínia Woolf

Costuma dizer-se que Virginia Woolf é uma pioneira no modernismo literário europeu. Pessoalmente, acho muita piada a estes carimbos. Acho piada porque é um carimbo ridículo. É uma espécie de contentor onde cabe toda a espécie de coisas. Tudo quanto é literatura da primeira parte do século XX, desde que seja minimamente original, não-linear ou um pouco mais subjectivo, é considerado modernismo. Por isso se cai no ridículo de meter no mesmo saco Woolf, Kafka, Pound, Austen, Proust, etc. Repare-se o que tem a ver Kafka com Proust? Eu diria que muito pouco ou nada? Que parentesco há entre Austen e Pound? Nada, a não ser o carimbo do modernismo.
É claro que esta classificação tem origem na arte. Na pintura, é bem clara uma ruptura com os cânones tradicionais, efectuada pelos magníficos impressionistas franceses. Mas na literatura tudo é diferente; aqueles a que chamam modernistas foram artistas individuais, sem escola. Quem somos nós para lhes inventar uma “escola” e os metermos todos lá dentro?
Pois este "O Quarto de Jacob” não é mais que uma expressão de liberdade da autora, desejosa de quebrar com os cânones e escolas e exercer a mais pura liberdade literária.
Daí resultou um livro pequeno mas com centenas de personagens, que desfilam aos olhos do leitor como figuras de uma procissão profana, alheios ao fio da meada que o leitor quer a todo o custo encontrar. A vida de Jacob é-nos contada de à medida que as imagens mentais da escritora vão sendo passadas ao papel, exactamente como nos quadros de Degas ou Monet: grandes manchas difusas que o leitor há-de reconstruir, por mais que lhe custe.
Woolf escreve como quem passeia: deambula pelos diferentes tempos de narração, vai descrevendo os estados mentais dos personagens, descreve paisagens e cenários, sempre deixando-se levar pela mente ou pela caneta. Parece não haver um destino nestas deambulações; tudo se passa como numa peça de Jazz: num aparente e permanente improviso.
Não é um livro que facilmente ganhe a simpatia do leitor; é um belo exercício literário mas o carácter lúdico da leitura perde-se. Nesse sentido, o génio de Woolf é um génio um tanto egocêntrico: Woolf nunca pensa no prazer do leitor, mas no seu próprio devaneio. E isso, a um leitor comum e desinteressado como eu, não agrada muito…
Avaliação Pessoal: 7.5/10

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Alma - Manuel Alegre

Alma é uma aldeia fictícia, algures no distrito de Aveiro, no sopé da serra do Caramulo.
O enredo é-nos contado na primeira pessoa por uma criança. Este aspecto dá, desde logo, um certo encanto ao livro: os anos 40 vistos por uma criança; a guerra civil espanhola, ainda os ecos da oposição entre republicanos e monárquicos, a segunda guerra mundial, com os seus heróis, a resistência francesa, as vitórias dos aliados.
Naquela altura já o fantasma de Salazar atormentava as consciências e as vidas; a esperança, no entanto, ainda estava bem viva e naqueles tempos ainda residia no MUD e na campanha de Norton de Matos. No entanto, havia coisas que uma criança tinha muitas dificuldades em compreender: as prisões arbitrárias e as perseguições da PIDE eram inexplicáveis para o jovem Duarte, assim como a miséria de alguns; Duarte pertencia a uma família mais ou manos abastada, mas não compreendia porque é que alguns não tinham sapatos, roupas ou até comida. E ninguém lhe dava respostas; talvez porque ninguém as tivesse, excepto Salazar.
Os comícios da oposição, ainda mais ou menos tolerados. Uma espécie de festa popular que se misturava com o futebol regional, cheio de alegria e pancadaria.
Na escola, a palmatória estava sempre pronta. O professor era uma autoridade mais incontestável do que Salazar.
Ao longo do livro vamo-nos deliciando com excelentes descrições da vida de uma criança na aldeia, os pássaros, a camaradagem entre miúdos traquinas.
Um humor fantástico, delicioso que por vezes leva o leitor à gargalhada, principalmente na fase inicial do livro. Uma escrita poética mas surpreendentemente leve e graciosa. O livro ideal para férias, embora não deixe de ser um singelo documento da história de Portugal no Estado Novo.
Avaliação Pessoal: 9/10

domingo, 17 de julho de 2011

Orlando - Virgínia Woolf

Se fizermos um pequeno periplo pela internet depressa encontramos uma panóplia de leituras e interpretações deste livro, como se ele fosse uma pintura abstracta. Este é um dos equívocos, a meu ver, da crítica literária: tanto se quer ver o que ninguém mais vê, de tanto se querer inventar, faz-se um enigma nebuloso de um simples romance. Estas análises obscuras por vezes são a desgraça de um escritor. Woolf criou a fama de escritora complicada devido, em grande parte a estas abordagens. Em Portugal, já o disse, está a acontecer o mesmo com Gonçalo M. Tavares… mas adiante.
O esquema básico do enredo deste livro é muito simples: Orlando é um jovem aristocrata inglês do século XVI, na época de Isabel I, com quem acaba por privar. Sacha, uma jovem russa, era a sua paixão. Mas grandes obstáculos se deparam.
Orlando, no entanto, tem uma particularidade: por vezes adormece a avança no tempo. No século XVIII é nomeado embaixador da Inglaterra em Constantinopla, junto da corte do Sultão. Orlando é um jovem de sucesso, tanto financeiro como pessoal; adorado pelas mulheres e respeitado pelos homens.
Um dia, há uma revolta na cidade. Orlando adormece e acorda mulher. É recolhida por ciganos e regressa a Inglaterra. A viagem no tempo prossegue até Orlando chegar ao século XX com 36 anos.
Desta estória parece-me ser possível extrair uma ideia muito simples, que não exige teses de doutoramento ou análises eruditas: a vida de Orlando é a procura do amor; e o amor não tem tempo nem sexo (género). Ser homem, ser mulher, ser jovem ou velho, viver no século XVI ou XX, tudo isso são variáveis que não afectam a busca incessante da felicidade pelo amor. Orlando é imortal como o seu amor por Sasha. Orlando, mesmo desprovido da sua masculinidade, continua a amar Sacha.
É nítido o desencanto de Woolf para com uma humanidade que despreza as mulheres. Mas a autora não cai no feminismo fácil, tão em voga no seu tempo; antes empreende uma análise profunda da desigualdade entre homens e mulheres. Quando Orlando regressa a Inglaterra, os cães e outros bichos foram os únicos que o reconheceram. Os cães são os únicos que reconhecem a pessoa independentemente do seu sexo.
São as aparências que determinam o estatuto do indivíduo na sociedade; porque ao nível da personalidade, é muito ténue a linha que separa o masculino do feminino. As emoções e os sentimentos são os mesmos. Tudo o resto é artificial.
Para além de tudo isto há outro aspecto pouco divulgado em Woolf: o seu magnífico sentido de humor. Do sorriso à gargalhada vai, por vezes, um pequeno passo. Isto dá a narrativa um tom leve, reforçado pela notável capacidade de expressão da autora e a uma imaginação absolutamente prodigiosa.
Avaliação Pessoal: 9/10

quinta-feira, 14 de julho de 2011

O Demónio Branco - Lev Tolstoi

Este é um dos últimos livros escritos pelo grande mestre russo. Não sendo uma obra de grande fôlego, é um documento fundamental para compreender as ideias de Tolstoi. Trata-se, a meu ver, de um testemunho claro do seu pacifismo, do seu espírito crítico em relação ao poder político e, para usar o termo aplicado com a-propósito pelo tradutor desta edição, António Sérgio, um verdadeiro “apóstolo” da não violência e da conciliação entre os povos.
O enredo passa-se no Cáucaso (território do Império Russo situado entre os mares Cáspio e Negro), na década de 40 do século XIX. Narra-se a vida de Hadji-Murat, um guerrilheiro tártaro muçulmano, desiludido tanto com os Russos, imperialistas e violentos, como com os tártaros, que o desprezaram e lhe aprisionaram a família. No meio deste conflito, o povo Checheno, brutalmente esmagado pelo czar russo, ansioso por submeter a já na altura martirizada região do Cáucaso. Anteriormente submetido aos tártaros do Império mongol, este povo é vítima quer do conflito político quer da guerra religiosa, entre a religião muçulmana à qual os tártaros se haviam convertido a religião cristã ortodoxa dos russos.
Alvo especial da crítica de Tolstoi é o imperador Nicolau I. Note-se que Tolstoi foi soldado russo durante o governo deste czar, pelo que é nítida a influência neste livro das próprias vivencias deste escritor. Aqui, Nicolau I é apresentado como um tirano absolutista, muito sensível à lisonja que lhe alimentava a vaidade, incapaz de conter a corrupção, com um medo permanente de ser traído, que o tornava impiedoso e… mulherengo. Este retrato, infelizmente, corresponde à verdade histórica. Nicolau I, se bem que testemunhasse uma fase de alguma industrialização da Rússia, foi um rei leviano, brutal e que protegeu as elites mais poderosas (mais por medo do que por estratégia).
Este livro, em algumas fases, lê-se com alguma dificuldade devido por vezes a uma necessidade que se adivinha em Tolstoi de contar a estória em poucas páginas. No entanto, resulta dele um retrato fiel da velha Rússia czarista e, acima de tudo, um testemunho do humanismo e do espírito crítico de Leon Tolstoi. Não deixa, no entanto, de ser uma obra menor se a compararmos com o brilhantismo de Anna Karenina, a monumentalidade de Guerra e Paz ou até a singeleza dessa pequena maravilha que é A Morte de Ivan Ilich.
Avaliação pessoal: 8.5/10

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Afonso Henriques O Homem - Cristina Torrão

Indo directamente ao assunto: na minha opinião, o segredo do sucesso de Cristina Torrão reside nestes dois factos:
- Uma escrita “cinematográfica” – com poucas palavras consegue descrever uma cena, criando na mente do leitor uma imagem clara.
- Uma sensibilidade extraordinária para compreender e exprimir a alma humana; os seus personagens são tão “humanos” que o leitor se envolve com eles, vivendo as suas paixões, o seu sofrimento e as suas alegrias.
Neste livro, destacaria, neste aspecto a figura de D. Mafalda. É com mestria que a autora nos apresenta uma rainha melancólica, tímida, envergonhada e sofredora. A antítese daquilo que certamente imaginaríamos da esposa de Afonso Henriques (AH).
Este livro é um verdadeiro exemplo do que deve ser um romance histórico porque consegue construir uma dramatização dos factos sem manchar a verdade histórica, ao mesmo tempo que revela uma especial sensibilidade na abordagem da dimensão psicológica na caracterização dos personagens.
No início da obra, destaca-se um certo contraste entre D. Teresa e Afonso Henriques. D. Teresa é teimosa, fria e calculista: três características de um bom e também de um mau governante, conforme as circunstâncias. No entanto, AH revela desde cedo qualidades herdadas da mãe, na sua determinação face aos objectivos assumidos mas reforçadas por uma inteligência rara e, acima de tudo, pela importância capital de três conselheiros: Ermígio Moniz, seu irmão Egas Moniz e o arcebispo de Braga, D. João Peculiar. Foram estes homens conseguiram temperar a determinação por vezes exagerada de AH com a flexibilidade necessária para se adequar a cada contexto específico. Por outro lado, o primeiro rei revela uma bondade natural que lhe permitia aquela magnanimidade própria de um grande soberano.
Ao longo de toda a obra, CT desfaz-nos vários pré-conceitos, herdados do senso comum e de tradições literárias e cinematográficas. Por exemplo, ao contrário do que se pensa, a maior parte dos confrontos nas batalhas medievais não envolviam o uso da espada, considerada uma arma frágil mas sim os rudes e sangrentos machados e maças.
Outro mito que se desfaz é o de Egas Moniz: ele não foi o aio humilde que se apresentou de corda ao pescoço, oferecendo a sua vida ao rei de Leão. Foi muito mais que isso; foi um nobre cheio de honra e inteligência que esteve por trás de algumas das mais importantes façanhas de AH.
Em relação a alguns aspectos mais controversos da vida de AH, em que a historiografia não dá respostas definitivas, CT contorna-os habilmente: o local de nascimento de AH, a localização exacta da batalha de S. Mamede ou a “prisão” de D. Teresa no Castelo de Lanhoso. Isto demonstra como num romance histórico é, por vezes, tão importante o que se escreve como aquilo que não se escreve.
Este livro encanta também pela singeleza e humanidade com que são descritos alguns aspectos da vida de AH: a sua primeira experiencia sexual, fazendo compras com os amigos na feira de Tui, galanteasndo as “moças” ou uma imagem que perdurará na minha mente de leitor: AH abraçado às suas filhas, ainda crianças, no enterro do seu filho varão, Henrique. Aliás é enternecedora a forma como CT nos apresenta este D. Afonso Henriques como pai extremoso e sentimental.
Um aspecto que sempre incomodou qualquer aluno ou estudioso da História de Portugal é a forma como AH conseguiu desafiar o poder de um rei poderoso a quem ele devia obediência (o rei de Leão, Afonso VII). CT oferece-nos uma visão credível e bela: em grande parte a paz com Castela ficou a dever-se à habilidade desse grande conselheiro que foi Egas Moniz. Só ele foi capaz de moderar as ambições e a agressividade do nosso primeiro rei, levando-o a voltar os seus intentos bélicos para o sul, para o território dos Mouros.
Outro aspecto muito importante, muito bem explanado por CT é este: o nascimento de Portugal está umbilicalmente ligado à afirmação da diocese de Braga face a Santiago de Compostela e a Toledo, capital hispânica da cristandade. Ao longo do livro é notória a influência do arcebispo de Braga, D. João Peculiar, ao ponto de ter sido ele, por exemplo, a negociar o casamento com D. Mafalda de Sabóia. Por outro lado, foi no intuito de afirmar o poder do arcebispado de Braga que D. João Peculiar travou uma luta incansável e brilhante para o reconhecimento da soberania de AH como rei. Esta ligação íntima entre os poderes temporal e espiritual ajuda-nos a compreender a importância excepcional do clero português, tanto a nível político como económico. Na verdade, Mosteiros e Dioceses acabaram por acumular património, devido a sucessivas doações, tanto de AH como dos seus sucessores.
Ao mesmo tempo, começa a definir-se uma certa bipolarização Norte/Sul no território português. A génese deste fenómeno encontra-se precisamente da guerra da Reconquista, nomeadamente no reinado do fundador da nacionalidade: o norte dominado pelas grandes famílias de senhores terratenentes e o sul onde ganham raízes as comunidades de homens livres, os concelhos.
Assim, os guerreiros do sul, os cavaleiros vilões em quem AH se apoiou para retirar poder aos barões do Norte, fazem com que AH vista a pele do “caudilho”, mais do que do “general”, para usar as palavras do maior historiador português deste período, José Mattoso, na sua biografia de Afonso Henriques. Ele nunca foi um general de grandes exércitos; na maior parte dos casos liderava autênticos bandos de populares mais interessados no saque do que na Guerra Santa. Os próprios Cruzados, que foram decisivos na conquista de Lisboa pouco mais eram do que salteadores e violadores de donzelas. Da mesma forma foi Geraldo Sem Pavor, um líder popular que se tornou o maior aliado de AH nas suas últimas conquistas, como Évora e Beja.
De tudo o que aqui escrevi, não é difícil perceber que considero esta obra brilhante! Mas gostava de finalizar este comentário com a referência a um episódio que bem demonstra o espírito da obra e que é, a meu ver, um dos pontos mais altos da narrativa: o momento em que Afonso Henriques, gravemente ferido no desastre de Badajoz, é assistido por um brilhante físico (médico) muçulmano. Nesse momento, AH reconhece o absurdo da guerra religiosa, comprometendo-se perante a sua consciência a respeitar a população muçulmana. Como diz a autora na nota inicial do livro, “guerras de índole religiosa não fazem o mínimo sentido”. No fundo, mau grado as aparências, talvez AH concordasse…
Avaliação Pessoal: 9/10

Imagens daqui, dali e de acolá.
Mais informação no blogue da autora: http://andancasmedievais.blogspot.com/


domingo, 10 de julho de 2011

Escritores ou escrevedores? Ou nem isso?

Como se explica que livros escritos por jogadores de futebol, treinadores, ou outros VIP’s sejam êxitos de vendas, mesmo quando essas pessoas não sabem sequer falar em português correcto? Só me ocorrem duas respostas. Ou melhor, uma resposta com duas explicações: não são eles que os escrevem e não é pelo conteúdo que os livros vendem. O certo é que as pessoas compram… porquê, então? Não sei; só sei que há incompetências que são premiadas. Mas acreditem que isto não me irrita nada; inspira-me, isso sim, uma certa piedade para com aqueles “inocentes” que embarcam em maroteiras destas. E, por outro lado, ler é sempre bom, seja de que forma for.
Estes fenómenos, infelizmente, não se restringem à literatura; há cada vez mais “escritores” que não sabem escrever mas todos vemos, cada vez mais, políticos que não sabem governar, jornalistas que não sabem contar a verdade, jogadores de futebol que não jogam nada, magistrados que maltratam a justiça, etc. etc.
Enfim, é o mundo moderno; o mundo em que interessa menos a competência do que a imagem.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

A Boneca de Kokoschka - Afonso Cruz

Quem leu “Os Livros que Devoraram o Meu Pai” e “Enciclopédia da Estória Universal” não esperava uma coisa destas! Depois de dois livros bem divertidos, em que a fantasia e o humor predominam, eis um livro bem sério. Um caso sério, diria mesmo. Magnífico. Não me canso de escrever esta ideia: a nova literatura portuguesa tem verdadeiras pérolas por explorar.
Afonso Cruz demonstra neste livro uma grande versatilidade. Esta obra é um verdadeiro ziguezague de ideias. O leitor entra, direitinho e certinho numa história de guerra passada na cidade alemã de Dresden, durante a segunda guerra mundial mas dá por si, passadas algumas páginas a ziguezaguear entre as mais díspares personagens, em diferentes espaços e tempos. E assim vai deambulando pelas páginas, vai-se perdendo e, a espaços, tem a sensação de voltar a cruzar caminhos com os que já percorrera. Como se se tratasse de um labirinto em que percorremos tantos corredores que de vez em quando nos surpreendemos ao encontrar as nossas próprias pegadas.
Num tom manifestamente surrealista, com um estilo límpido e claro, este livro prima pela originalidade. A linguagem simbólica surpreende-nos com ideias aparentemente estranhas mas carregadas de significado. Alguns exemplos:
- Vogel reza recitando as letras do alfabeto hebraico porque Deus limita-se a jogar Scrabble – as pessoas enviam-lhe as letras e ele arruma-as em novas palavras, correspondentes às necessidades de quem reza. “E Deus nem é um grande jogador, como se vê pelas bombas que caem lá fora”.
- Na loja de pássaros de Vogel, as gaiolas eram metáforas; algumas gaiolas existiam dentro dos pássaros, porque se abríssemos a gaiola de fora, eles não fugiam. Porque a maior gaiola é a liberdade. É por isso que os pássaros não fogem. E por isso Vogel vivia entre metáforas. É dentro de nós que podemos ver as prisões e o mal, quando fechamos os olhos.
- Enquanto caem as bombas, Boifaz Vogel continua a vender pássaros. As pessoas compram pássaros entre toneladas de bombas. Deus teria de fazer um puzzle para reconstruir a cidade de Dresden: juntar morte mais morte para formar vida.
E quem é, afinal, o Kokoschka do título? Um personagem secundaríssimo mas que transmite uma ideia fundamental do livro: Oscar Kokoschka mandara fabricar uma boneca igualzinha à sua ex-apaixonada (Alma, que havia sido esposa de Mahler). Levava a boneca para todo o lado; até a levava à ópera. Como nós, os comuns dos mortais. Quem de nós não costuma levar as suas bonecas à ópera. Ou, por outras palavras, quem de nós não costuma exibir as nossas aparências, as nossas ficções?
Não é só Oscar; todos os personagens são secundários, perante a primazia das ideias ziguezagueantes deste livro.
Um livro original, profundo, simplesmente bem escrito.
Ah, e a arte. A arte que está por todo o lado neste livro. Duchamp. Schiele. Klimt. Os artistas que a vida imita.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

O Mosteiro e a Coroa - Theresa Schedel

Desde logo, o tema deste livro estimula a curiosidade do leitor: o clero feminino nos tempos do Império. Por outro lado, promete-se uma história emocionante, em torno de um manuscrito perdido, nada menos que um roteiro de viagem do famoso e enigmático descobridor das terras de Angola, Diogo Cão. No centro da intriga está o Mosteiro de Lorvão que, cada vez mais, constituía um desafio ao poder centralizador do Rei, D. João III.
Com perspicácia, a autora, apresenta-nos uma visão do clero feminino, criado no século XII, não como uma conquista das mulheres mas como uma forma de dar destino às mulheres nobres que não conseguiam um casamento dentro da sua condição social, ou que haviam cometido o pecado capital. No entanto, no Mosteiro de Lorvão crescia um nicho de autonomia feminina que desafiava tais propósitos.
É que, aos poucos, os mosteiros femininos iam-se tornando mundos fechados, com todo o recato que o refúgio implicava. E não tardou muito até que se transformassem em esconderijos de segredos passíveis de ameaçar os poderes instituídos. Daí o interesse com que um Rei autoritário como D. João III os tentasse controlar.
Mesmo no auge do Império, Portugal continuava a ser um país conservador, peado pelos interesses e privilégios das ordens dominantes – nobreza e clero: o irmão de Caetana (personagem principal, que escondia o famoso Roteiro) emigrara para Itália porque só lá teria futuro como artista. Em Portugal seria destinado “à espada ou à Igreja”.
Neste romance sobressai, a meu ver, a personagem Filipa d’Eça, eleita abadessa à revelia do próprio Rei. Ela é a voz da Razão. A voz da verdade que, sem peias, exprimia a inutilidade do clero feminino como “armazém” de senhoras perdidas e donzelas sem vocação. A sua voz era, no entanto, inconveniente.
Realce também para um retrato bastante realista do Rei D. João III – corajoso mas algo rude e antipático. Ficou, no entanto, por explorar um outro lado da personalidade do monarca: o seu espírito fraco no que respeita à religião: muito piedoso mas com uma religiosidade feita de medo, bem à maneira medieval. Esta característica confirmada pela historiografia contrasta até um pouco com a atitude ameaçadora que este livro desenvolve, em relação aos mosteiros. Aliás é esse carácter exageradamente piedoso que o levou a introduzir em Portugal a tenebrosa Inquisição.
Em suma, trata-se de um livro muito interessante, de leitura rápida e fácil deixando-nos, no entanto, um certo “sabor a pouco” pois o tema dava “pano para mangas”.
Avaliação Pessoal: 8/10

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Lendo O Mosteiro e a Coroa, de Teresa Schedel

Nada como um momento de contenção de despesas para encontrar as pérolas perdidas que às vezes temos em casa. Este livro foi publicado em 2003 e a autora passou-me completamente desapercebida. Na realidade trata-se de um livro bem interessante.
Tudo se passa no famoso mosteiro feminino de Lorvão, no tempo de D. João III. O clero feminino era, na altura, um meio algo misterioso, onde por vezes se escondiam segredos enormes.
Por outro lado, esta é uma época muito interessante da História de Portugal; D. João III foi um rei muito piedoso, levando a sua fé ao extremo ao implementar a tenebrosa Inquisição em Portugal. Foi também o rei da colonização do Brasil. No entanto, aqui, foram os mistérios de África que foram parar ao Mosteiro de Lorvão. Como? Só lendo, mesmo…

sexta-feira, 1 de julho de 2011

A Melhor Leitura de Junho

Neste mês tem de haver empate. Estes foram os livros que mais me agradaram neste mês. No entanto não consigo distinguir um deles apenas.


A Mãe” de Máximo Gorki e “O Último Voo do Flamingo”, de Mia Couto são dois livros completamente diferentes: um escritor russo do início do século XX e um moçambicano dos nossos dias.
Um livro realista e revolucionário, face a um livro de uma maravilhosa fantasia poética.
Mas algo os une, ainda assim: além da extraordinária qualidade literária, ambos colocam um nítido acento tónico na preocupação para com as franjas mais desprotegidas da sociedade. Numa altura em que somos inundados por propaganda capitalista por vezes selvagem, é bom recordar que a alma de um país é o povo. Sem povo não existiriam crises porque não haveria país. Nem civilização. Nem ricos.