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sábado, 22 de março de 2014

O Menino Grapiúna - Jorge Amado



Sinopse:
No sul da Bahia, o menino Jorge Amado testemunhou o nascimento de cidades, as guerras pela posse da terra, o florescimento de uma cultura e de uma mitologia. Nesse mundo rude conturbado, de muita vitalidade e quase sem lei, forjaram-se a sensibilidade e os valores do futuro escritor.
Esse processo de formação, entre jagunços, coronéis, malandros e prostitutas que serviriam de modelo a muitas de suas criações literárias, o autor evoca aqui com as cores vivas e o humor caloroso a que estão habituados seus leitores.
São personagens inesquecíveis, como o aventureiro tio Álvaro Amado, que o levava às mesas de jogatina e aos bordéis; o jagunço José Nique e o padre Cabral, que apresentou ao pequeno Jorge as Viagens de Gulliver e os livros de Charles Dickens.
Jorge Amado também adquiriu nesses primeiros anos seu inquebrantável amor pela liberdade, sobretudo quando se viu privado dela, ao ser enviado a um internato jesuíta.
Não por acaso, estas breves memórias se encerram com a fuga espetacular do internato: "Fugi no início do terceiro ano, atravessei o sertão da Bahia no rumo de Sergipe, iniciando minhas universidades". O aprendizado elementar da vida já estava completo, e é ele que Jorge resgata neste livro encantador, publicado originalmente em 1981.
In http://www.livrariasaraiva.com.br
Comentário:
Impressionante a forma como em poucas dezenas de páginas Jorge Amado consegue construir uma autobiografia (embora parcial) em que, de forma muito transparente, o leitor encontra explicação para tantas das suas características essenciais como escritor.
Na verdade, este livrinho é essencial para compreender a obra deste imenso escritor que tão dignamente engrandeceu a língua portuguesa. Aqui encontramos a explicação para muitos dos seus personagens-tipo, para as paisagens físicas e humanas dos seus livros, assim como os seus dilemas e problemas sociais. Não é necessário recorrer a leituras psicológicas profundas para perceber como a infância de um escritor determina muitos dos seus traços fundamentais. Neste livro, essa influência é absolutamente clara.
Nascido numa família de aventureiros, na primeira fase do século XX, o miúdo grapiúna ficou desde cedo marcado pelo contacto com toda a sorte de homens de armas, soldados da fortuna ou da miséria, homens deserdados à procura de um sonho. Fruto de uma família marcada por mais desventuras que sortilégios, o pequeno teve uma infância marcada pelo contacto com um tio paterno, Álvaro Amado, um personagem fascinante. Mais tarde veio o contacto com os vagabundos e os jesuítas; o leitor fica sem saber qual destas influências se tornou mais positiva para o escritor; da mesma maneira se pode falar das prostitutas e dos jagunços da Baía.
Numa infância marcada pelo mais profundo conhecimento da natureza e do povo brasileiro, não podia faltar o convívio com o regime dos coronéis e da heróica resistência a uma das fases mais violentas da história do país-irmão.

E, obviamente, os livros: um mundo em que o autor se iniciou no colégio dos jesuítas, emergindo o génio da escrita nos seus modestos onze anos. Finalmente, a raiz dos sonhos. Sonho de vida mas, acima de tudo, sonhos que acalentou sempre para uma humanidade mais feliz; uma humanidade que teria de ser conquistada por uma revolução, mas sem ideologia. A isto se resumiu, talvez, o sonho maior do menino grapiúna e do escritor.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

O País do Carnaval - Jorge Amado

O País do Carnaval é o primeiro romance de Jorge Amado, escrito em 1930, quando o escritor tinha apenas 19 anos.
Embora seja nítida a sua falta de maturidade como escritor é curioso assistirmos, ao longo da leitura, ao nascimento de um génio. A qualidade da obra revela como, com uma idade tão precoce, Amado consegue construir já um enredo tão elaborado e interessante.
Viviam-se as vésperas da instauração do regime de Getúlio Vargas. O Brasil atravessava uma crise que se reflectia na alma dos jovens retratados no livro, entre os quais o principal personagem, Paulo Rigger, um jovem abastado mas desiludido com o seu país. Juntamente com alguns amigos, constituem um círculo intelectual em torno de Pedro Ticiano, um jornalista veterano, desiludido e céptico.
O cepticismo de Ticiano depressa contagia os jovens, que procuram a felicidade e o sentido da vida, sem nunca o encontrarem; o amor, a política, a filosofia, tudo se torna vão, nada consegue dar sentido às suas existências; o próprio país, mergulhado na crendice e nas ilusões do carnaval pouco ou nada diz a estas mentes inquietas.
Neste sentido, o livro é uma crítica mordaz ao Brasil daquela época, um país incapaz de inculcar qualquer esperança à juventude.
A descrença é total; Ricardo apaixona-se e casa; parece que o amor será capaz de dar a resposta; mas fica a inquietação; fica a marca do cepticismo de Ticiano e depressa o amor cede ao pessimismo. Também Paulo de apaixona mas a paixão que o fizera sorrir por momentos cai aos pés implacáveis do preconceito ao qual nem ele, jovem moderno e inteligente, consegue resistir.
Afinal, conclui-se aquilo que Ticiano vaticinara no início do livro: a felicidade só está ao alcance dos idiotas, daqueles que não pensam.  “A felicidade pertence somente aos burros e aos cretinos. Felizmente, nós somos infelizes”.
Afinal de contas, este negativismo viria, em grande parte, a dissipar-se na obra posterior do grande escritor brasileiro. Mas é preciso enquadrar este livro na época; por um lado, na ingenuidade dos dezanove anos do autor; por outro lado no contexto sócio-económico de um país em crise, por motivos internos mas também vítima da grade crise capitalista de 1929.
Avaliação Pessoal: 8/10

domingo, 6 de julho de 2008

Capitães da Areia - Jorge Amado

Capitães da Areia é um dos primeiros livros da brilhante carreira literária de Jorge Amado. Em parte devido a esse facto a obra revela uma sensibilidade notável em relação aos problemas sociais causadores daquilo a que hoje chamamos a delinquência juvenil. Mas o “purismo” ideológico de Amado não o leva a uma análise simplista do problema; pelo contrário, ele aborda de forma profunda todas as facetas do fenómeno.
“Capitães da areia” é a designação atribuída a um grande grupo de meninos da rua, na cidade de Salvador, algures nos anos 30. A realidade sócio-económica, dramática, empurra estas crianças para uma vida de delinquência forçada e Amado preocupa-se em explicar racionalmente o fenómeno mas sempre com o acento tónico na responsabilização do sistema capitalista, do enquadramento religioso e mental e do sistema político e policial nas raízes da desgraça.
Os meninos são as vítimas; a polícia defende os interesses instalados de forma descarada; a imprensa dá cobertura ao jogo de influências, encobre e justifica todas as injustiças; a religião católica, hipocritamente, está inserida nesse mesmo jogo de interesses. Por arrastamento, a opinião pública não procura compreender; apenas perseguir e castigar aquelas que são as maiores vítimas da injustiça: as crianças.
Mas, para Jorge Amado, os Capitães da Areia são os heróis no estilo Robin dos Bosques. Roubam para sobreviver; roubam porque a isso são forçados. A vida obriga-os a ser adultos à força.
A obra divide-se em três partes: na primeira descreve-se as histórias de cada menino: Pedro Bala, o chefe; professor, o intelectual e artista; Pirulito, o fervoroso católico, Volta Seca, o afilhado do terrível Lampião, sonha ser cangaceiro e dizimar a autoridade; Sem-Pernas, o menino coxo revoltado e abandonado por todos, Querido de Deus, o capoeirista, João Grande, o da alma grande e mais uma centena de meninos que tem em comum a ausência do carinho materno. Todos eles anseiam pelo carinho de uma mãe perdida ou roubada. Por isso, na segunda parte da obra, surge Dora, a menina que aparece no grupo como a mãe de todos embora tenha a sua idade. É nessa fase que a sensibilidade humana do autor atinge a sua máxima expressão. Dora não é uma menina como as outras; é o ombro que nunca tiveram para chorar; é o amor na sua expressão mais pura.
Na terceira parte do livro, o grupo desfaz-se; independentemente do destino de cada um, a maldade, o ódio e a injustiça persistirão; mas a luta também e, sempre, a esperança num futuro sem exploradores nem explorados, nem autoridade vendida, nem religião hipócrita.

sexta-feira, 13 de maio de 2005

Dona Flor e seus Dois Maridos - Jorge Amado

O maior mérito desta obra é o retrato eficaz da realidade brasileira, principalmente ao nível mental e religioso. O vocabulário utilizado é riquíssimo e reflecte precisamente essa multi-culturalidade própria do Estado da Bahia, onde se desenrola a acção. A religiosidade que mistura ao mesmo tempo o catolicismo e o candomblé, colocando as personagens do candomblé lado a lado com os santos e heróis do catolicismo (algo que, na verdade, se enquadra na religiosidade baiana, já que Salvador tem mais igrejas que qualquer outra cidade do Brasil e ainda assim é centro das religiões de origem africana). A outra característica vem a ser o facto de que Vadinho e Teodoro são metáforas para o id e o superego, respectivamente. Vadinho é rebelde, impulsivo, espontâneo e dado ao caos (no seu caso, o jogo); Teodoro é metódico e controlado ("Um lugar para cada coisa e cada coisa em seu lugar" é seu lema, pendurado na farmácia). Assim, a imagem de Flor pacificamente com os dois, totalmente feliz, invoca o ideal de equilíbrio entre os dois. Não é, a meu ver, uma obra de grande alcance literário: excelentes descrições, humor a rodos, linguagem muito atractiva e um vocabulário rico não compensam a falta de profundidade das ideias expostas. Nem seria talvez essa a intenção de Amado. Mas é precisamente a leveza, a graciosidade, que impedem essa abrangência, essa profundidade que caracterizam as obras-primas. Talvez estas características ajudem a explicar o sucesso das adaptações de Amado às telenovelas. Enfim, um livro que, mau grado a sua incrível extensão, se lê com agrado, mas do qual pouco fica no arquivo da memória.