quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

O Francoatirador Paciente - Arturo Pérez-Reverte


Comentário:
Publicado em 2014, este é um dos mais recentes livros deste que é, na minha opinião, o melhor escritor espanhol da atualidade. Na contracapa da edição portuguesa da ASA há uma citação do La Repubblica que diz o seguinte: “Um escritor que cruza o melhor de Umberto Eco e de Steven Spielberg”. É caso para dizer, não exageremos. Reverte é excelente mas Eco e Spielberg são o topo em cada uma das suas artes. Eu diria antes, já que estamos a falar de literatura espanhola, que Reverte cruza o melhor de Eduardo Mendoza (a profundidade das ideias, o rigor formal do romance, a arte de bem escrever) com o melhor de Zafón (a beleza do thriller, a emoção, a incerteza no evoluir do enredo). E junta a tudo isso um gosto especial pela análise e crítica histórica. No entanto, este é (creio) o primeiro livro que leio de Reverte em que o autor não se debruça sobre assuntos históricos.
Pelo contrário, este livro é sobre algo de muito atual: a arte urbana nos seus limites ténues e polémicos com o vandalismo; o grafiti como arte de rua, livre mas sujeita a um certo radicalismo rebelde. Alexandra é uma jornalista que procura penetrar o mais profundamente possível nesse submundo, levando-a a descobertas inesperadas mas que viriam a terminar de uma forma absolutamente inesperada, dando ao livro um final surpreendente.
Desde cedo, algures nos anos oitenta, Reverte habituou-nos a duas vertentes na sua escrita: uma mais reflexiva, mais pensada, mais erudita talvez, de onde se destacam O Pintor de Batalhas e principalmente aquele que é o seu melhor livro na minha opinião, O Clube Dumas e uma outra vertente, mais divertida, mais detectivesca e normalmente centrada na narrativa histórica; dessa vertente destaca-se sem dúvida uma obra em sete episódios, As Aventuras do Capitão Alatriste. Nessa narrativa histórica Reverte salienta-se pela perspetiva crítica que verteu um pouco para este romance, se bem que colocando-o no século XXI. Toda esta “conversa” para dizer o seguinte: parece-me que este livro é uma espécie de romance histórico situado no presente. 
A questão central do livro é muito pertinente: a arte atual, principalmente a pintura, a partir do momento que seguiu o rumo do não figurativo prestou-se a uma certa falta de critério seguro de qualidade; os arrivistas que surgem protegidos por galerias famosas ou críticos bem colocados têm êxito garantido, deixando para trás pintores com talento. É neste contexto que surge a figura de Sniper, o artista de rua que recusa terminantemente adaptar-se à arte comercial das galerias, que ela considera abjeta por se ter vendido ao capitalismo. “A arte moderna não é cultura, é só moda social”, afirma Sniper.
Um dos aspetos mais meritórios do romance é que Reverte recusa totalmente qualquer maniqueísmo; pintura de galeria e grafitis não representam o bem nem o mal; os writers dos grafiti não são bons nem maus; nem artistas perfeitos nem vândalos. Fica ao leitor a tomada de posição. O romance, se bem que divertido e mesmo apaixonante em termos de suspense, não deixa de nos oferecer motivos de reflexão…

Sinopse (in wook.pt):
Sniper é uma lenda viva no mundo da arte de rua. Subversivo e omnipresente na tela urbana, ninguém conhece a sua identidade, poucos terão visto o seu rosto, não há relatos do seu paradeiro. Quem é o verdadeiro Sniper por detrás deste enigma que o mistifica? É um heroico cruzamento de Salman Rushdie e Banksy, um justiceiro solitário? Ou um terrorista urbano, um egomaníaco cujas ações já se revelaram fatais?
Alejandra Varela, especialista em arte, decide seguir os passos deste homem sem lei. Uma mira telescópica de francoatirador assina todos os trabalhos de Sniper, e é essa mira que leva Alejandra a infiltrar-se no submundo de Madrid e Lisboa, Verona e Nápoles. Cidades que são os campos de batalha prediletos deste caçador solitário. Mas, a coberto das sombras, uma outra pessoa aguarda para descobrir o paradeiro de Sniper, embora as suas motivações sejam bem diferentes…
Segue-se um formidável duelo de inteligências, um jogo de perseguição entre caçador e presa cujo final é, no mínimo, surpreendente.
Thriller centrado no obscuro e inexplorado submundo da arte urbana, nas suas leis e códigos éticos próprios, na frágil distinção entre arte e vandalismo, O Francoatirador Paciente é um convite à reflexão sobre a identidade urbana, a arte e o artista moderno.

domingo, 17 de janeiro de 2016

A Letra Escarlate - Nathaniel Hawthorne


Comentário:
Publicado em 1850, este livro é talvez o primeiro grande romance da literatura norte-americana; na verdade poucas obras de ficção poderão ter servido de inspiração a Hawthorne. Por outras palavras, estamos perante um autêntico pioneiro.   
Como pano de fundo, a América do Norte no século XVII em plena colonização pelos ingleses, assistindo-se à fixação das colónias de populações puritanas, verdadeiramente fanatizadas. Na realidade, a maioria destes colonos eram ingleses de baixa condição, perseguidos pela justiça ou então refugiados por motivos religiosos. Foi por esse motivo que muitas seitas protestantes puritanas acabaram por se instalar no território que hoje conhecemos como EUA e que explicam, em parte, a mentalidade conservadora patente na maioria da população deste país.
A ação decorre na cidade de Salem, precisamente onde se deu o processo de acusação de bruxaria que levou à condenação de dezenas de mulheres por bruxaria. Esse é o facto histórico; o enredo ficcional baseia-se na história de uma mulher que um dia cometeu um pecado; tornou-se adúltera num momento de fraqueza. Condenada, mal vista e mal-amada, foi obrigada pelos juízes da cidade a usar uma letra bordada, um A escarlate, inicial de adúltera. Mas pior que a condenação é a forma como Esther é totalmente ostracizada pela população; os habitantes da cidade são mesmo levados a não a olhar de frente quando se cruzam com ela e muito menos dirigir-lhe a palavra. E assim Esther deveria passar o resto da vida.
A caraterização das personagens é um dos pontos mais fortes e geniais deste livro; cada uma das personagens principais é uma figura fortíssima e representativa de uma figura social típica. Assim, o pai da criança é uma figura cobarde, apática perante o sofrimento de Esther mas ao longo do livro vai evoluindo para uma tomada de consciência e tentativa de redenção que não são mais que atitudes destinadas a combater o remorso que o atormentava. Curiosa a forma como o autor só nomeia o pai da criança quando o leitor já foi levado a descobrir a sua identidade.
A filha, resultado da aventura de Esther, é Pearl (Pérola), uma jóia no meio do preconceito. Ela não é a criança perfeita; não é propriamente o bom selvagem de Rousseau; é antes o ser livre que lhe permite ser pérfida por vezes e amorosa noutras. Ela simboliza precisamente o ser humano livre das peias da religião fanatizada.
A Esther, tal como acontece com Pearl, o autor atribuiu um nome bem significativo, numa referencia clara a Ester, figura bíblica, rainha da Pérsia casada com Xerxes que arriscou a vida para interceder junto do imperador para salvar o povo judeu. Aqui Esther parece redimir toda a população como se fosse, com o seu castigo, capaz de libertar a cidade de uma espécie de pecado original, num contexto em que o pecado está por todo o lado, tal é o fanatismo com que se vive a religião; ou seja, ao ser punida, ela constitui uma espécie de catarse, de libertação daquelas mentes atrofiadas pelo fanatismo.
Um dos aspetos mais curiosos e mais artísticos do livro é a forma como o autor cuidou do domínio espacial: a cidade é associada ao conservadorismo, à desumanização provocada pelo fanatismo e à escravidão a que estão sujeitos os cidadãos, especialmente as mulheres. A floresta, pelo contrário, é o espaço de liberdade. É lá que as bruxas moram e elas representam precisamente o espírito livre. A natureza é assim apresentada como contraponto a uma civilização peada pela religião, num espaço de felicidade, onde Esther encontra o raio de sol que lhe fugia, numa figura de estilo que configura uma das passagens mais brilhantes da obra.
Enfim, trata-se de um livro que não escapa a uma certa ingenuidade formal mas que se compreende perfeitamente pelo seu caráter pioneiro; antes de Hawthorne poucos foram os grandes escritores de ficção. Talvez Poe e Goethe tenham sido os seus únicos percursores, embora em dimensões completamente diferentes. Um livro que é um marco histórico, obrigatório para todos que pretendem conhecer um pouco da história da grande literatura mundial. Mas é também um livro que se lê com facilidade e com imenso prazer.

Sinopse: (in www.fnac.pt):
O ambiente, asfixiante de puritanismo, duma colónia do Novo Mundo e, nele, o drama de um amor taxado de pecaminoso pelo convencionalismo da sociedade. O drama do amor entre um homem e uma mulher – uma mulher corajosa e um homem frouxo: enquanto ela enfrenta o opróbrio a que a votam, ele, «piedoso» ministro da religião, acoberta-se na respeitabilidade de uma fachada irrepreensível, a esconder o drama profundo duma consciência torturada pelo remorso. Um livro forte e pungente, um dos mais poderosos romances da literatura americana do séc. XIX e ao qual Nathaniel Hawthorne deve a sua consagração como escritor com assento entre os grandes nomes da literatura universal.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Germinal - Émile Zola


Comentário:
Publicada em 1885 esta obra é um verdadeiro marco na afirmação do romance francês, num plano completamente diferente de Flaubert e outros realistas que pontificavam naquele tempo. Aliás, a crueza e a emoção com que a ação é descrita levam a que os críticos literários apontem Zola como o maior representante do Naturalismo. “Ismos” à parte, que pouco nos interessam, Zola expõe neste livro a situação dramática dos mineiros na extração de carvão e respetivas consequências políticas quando as ideias socialistas começam a ter impacto na Europa central. Mais tarde, Gorki colocará estas ideias num plano mais concreto, com A Mãe; estará feita nessa altura a ligação entre os livros e a ação política. Germinal é talvez a obra onde mais facilmente se pode reconhecer a linha de contacto entre o realismo literário e a ideologia socialista.
As condições de vida destes mineiros não são muito diferentes das que Follett descreve para os camponeses da Idade Média, ou dos pobres da Roma antiga descritos por Steven Saylor ou dos pobres de hoje. Afinal, a miséria, a injustiça, a desigualdade e a exploração são intemporais…
Um dos episódios mais marcantes deste livro é aquele em que Catherine, na mina, perante o calor insuportável é forçada a tirar toda a roupa; a sua nudez, perante os mineiros homens, é descrita com o a perda total da dignidade; a miséria não se exprime só pela falta de comida e de quaisquer comodidades por parte destes mineiros; exprime-se também pela perda total da dignidade. Como alguém escreveu um dia, não há dignidade na pobreza…
“As grandes empresas, com suas máquinas, esmagavam tudo, e não se tinham sequer as garantias de outrora, quando o pessoal da mesma profissão, reunido em corporações, sabia defender-se. Raios! Era por isso, por isso e por muitas outras coisas, que este mundo acabaria explodindo um dia, graças à instrução.” 
A nós, cidadãos do século XXI já não nos choca o contraste brutal entre o luxo dos administradores da mina e a miséria das famílias dos mineiros. Infelizmente, já todos sabemos como eram (e são) revoltantes mas verdadeiros tais contrastes. Mas na sociedade burguesa de finais do séc. XIX, este tipo de literatura teve um impacto brutal. Foi nestas narrativas que se baseou grande parte do sucesso do socialismo marxista, com especial relevo para os escritores russos, percursores da triunfal revolução de 1917. Zola, neste livro, chega mesmo a citar diretamente Marx. Note-se que à data da publicação do Germinal (1885) ainda não tinha terminado a publicação (em fascículos) de O Capital (o primeiro data de 1867 e o ultimo já em 1905 a título póstumo) mas já o Manifesto Comunista (1848) tinha corrido a Europa, com as ideias essências de Marx no plano social e político.
Entretanto surgem as divisões entre os revolucionários; alguns acham que as greves são insuficientes. Diz Etienne: “A mina deve ser do mineiro, como o mar é do pescador, como a terra é do camponês.” Esta fação radical, que vai ao ponto de pretender destruir toda a propriedade, as instituições e até o Estado opõe-se à fação moderada, aqui representada pelo taberneiro Rasseneur.
Mas os conflitos e mesmo a violência entre os seres humanos parece ser intrínseca da nossa própria natureza; não é a miséria apenas que causa o conflito, porque os burgueses também entram em conflitos bastante violentos. O que há é uma crença clara no determinismo económico bem ao estilo marxista: Zola parece acreditar que o conflito, não só a incontornável luta de classes como os próprios conflitos dentro da própria classe derivam das condições materiais da existência, ou seja, do fator económico.
No entanto, o sentido mais grave da violência é vertical; é de cima para baixo; é da classe dominante, a burguesia, sobre os desprotegidos e esfomeados, os proletários. É quando essa violência acontece que o livro entra numa fase verdadeiramente dramática. Revoltante. E o que mais revolta é sentirmos, cento e tal anos depois, que essa violência foi e é real, apoiada no poder político dito liberal, que protege sempre o interesse burguês.

Sinopse: (in http://www.companhiadasletras.com.br )
Um dos grandes romances do século XIX, expressão máxima do naturalismo literário, Germinal baseia-se em acontecimentos verídicos. Para escrevê-lo, Émile Zola trabalhou como mineiro numa mina de carvão, onde ocorreu uma greve sangrenta que durou dois meses. Atuando como repórter, adotando uma linguagem rápida e crua, Zola pintou a vida política e social da época como nenhum outro escritor. Mostrou, como jamais havia sido feito, que o ambiente social exerce efeitos diretos sobre os laços de família, sobre os vínculos de amizade, sobre as relações entre os apaixonados.
Germinal é o primeiro romance a enfocar a luta de classes no momento de sua eclosão. A história se passa na segunda metade do século XIX, mas os sofrimentos que Zola descreve continuam presentes em nosso tempo. É uma obra em tons escuros. Termina ensolarada, com a esperança de uma nova ordem social para o mundo.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Os assaltos à padaria - Haruki Murakami


Comentário:
Em boa hora a Casa das Letras deu à estampa (detesto a expressão mas por razões misteriosas achei piada usá-la aqui) esta atrativa edição em capa dura e profusamente ilustrada (esta expressão, sim, é linda) como que a justificar o preço desavergonhado de um livro constituído por duas narrativas tão curtas que se leem na paragem do autocarro, mesmo que eles sejam tão pontuais como os TUB da minha magnífica cidade.
Os contos, ligados entre si, foram escritos em 1981 e 1985, portanto numa fase muito inicial da carreira literária de Murakami, não deixando por isso de patentear um caráter claramente experimental. Diria mesmo que mais do que contos, são experiências literárias. Mesmo assim, o traço de genialidade está lá. Para começar, o título: assalto a uma padaria? Coisa estranha? Não há estranheza possível num livro de Murakami. Repare-se: é esquisito que se assalte uma padaria; o pão é barato, pouco lucro haveria de advir da aventura. No entanto, não há bem mais precioso, mesmo para roubar, do que o pão quando se tem fome. 
No primeiro assalto há um pormenor que será premonitório de toda a carreira literária do autor: além dos misteriosos e encantadores gatos, o que é que faz parte de todos (repito, todos) os livros de Murakami? Isso mesmo, a música. A música como arte mas também como necessidade básica de qualquer ser humano; é por isso que o assalto há de redundar numa troca de música por pão. Bonito, hem? Musica, pão e livros. Que mais é preciso para ser feliz?
Já agora: melhor que isso só talvez assaltando um restaurante do Mac Donald’s. Porquê? Resposta a esta pergunta, só lendo o segundo assalto; e aí encontramos suficientes motivos para rir e pensar. 
Enfim, estamos perante dois contos leves e divertidos, cheios de sentido de humor mas também de arte de bem escrever (a tradução pareceu-me bastante correta). Dois contos essenciais para compreendermos a origem da carreira deste génio nipónico que tem o condão de nunca nos cansar com o seu realismo fantástico (mais uma expressão talvez tola mas que me parece adequada a Murakami).

Sinopse in wook.pt:

Conto 1:
Munidos de facas de cozinha, dois amigos põem-se a caminho da padaria. A cena faz lembrar vagamente O Comboio Apitou Três Vezes. À medida que avançam, o odor do pão a cozer no forno torna-se mais forte. Quanto mais intenso o cheiro, mais se acentuava a vontade deles para praticar o mal.
Conto 2:
A meio da noite, um homem e uma mulher casados de fresco acordam com um ataque de fome de que não há memória. Levados pela imaginação, e por dores que se manifestam com a violência semelhante à do tornado em O Feiticeiro de Oz, trocam a cama pelas ruas desertas de Tóquio e passam ao ataque, perpetrando o mais absurdo e delicioso assalto de que há memória.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

O Amante Japonês - Isabel Allende

Comentário:
Neste seu mais recente livro, datado de 2015, Isabel Allende presenteia-nos com uma bela história de amores que, como não podia deixar de ser, é bem mais que isso; diria mesmo que este livro é bem mais que um romance; é uma obra de ficção, é claro, mas também uma intensa reflexão sobre temas bem atuais como a maneira como encaramos a terceira idade nesta sociedade envelhecida e, ao mesmo tempo egoísta. Envelhecimento da sociedade e egoísmo parecem ser conceitos totalmente incompatíveis; sem solidariedade estaremos todos condenados a um envelhecimento infeliz. Por outro lado, a incontornável questão da eutanásia; ou melhor, do direito a uma morte pacífica; do direito à recusa de um sofrimento atroz que conduz inevitavelmente a essa mesma morte e que pode ser evitado.
Bem ao seu estilo, Allende conta-nos uma bela história em tempos narrativos diferentes, com os saltos temporais que exigem uma leitura atenta; mas não é difícil manter essa atenção tal a fluência e a beleza da escrita. Este parece ser o livro de Allende (pelo menos dos que li) em que a autora se afasta mais do realismo mágico, refugiando-se na história de amor, bem ao gosto dos leitores mais românticos, no sentido lírico do termo. Alma (belo nome, bem adequado à natureza da personagem) é uma idosa apaixonada que vive os seus últimos dias numa espécie de casa de repouso onde é acompanhada por Irina, uma bela jovem emigrante do leste europeu. Ao contrário da maioria dos seus livros, a narrativa não decorre na América do Sul mas sim na Califórnia, onde Allende vive atualmente; este pano de fundo serve para uma análise da sociedade e da mentalidade americana atual no que toca ao tratamento dado aos mais velhos, mas é também ponto de partida para uma viagem em flashback aos tempos conturbados da segunda guerra mundial, acompanhando o intenso amor de Alma por um jardineiro japonês. Este amor representa um choque profundo em termos sociais uma vez que Alma e Ichimei Fukuda pertencem a classes sociais diferentes. Tal choque social fará desta relação, para sempre, um amor proibido; ao longo do livro somos levados a viver essa incrível aventura de dois seres humanos com histórias de vida e destinos aparentemente incompatíveis mas que nunca deixam de cruzar os seus caminhos. Mas os obstáculos a esse amor não se limitam ao problema das classes sociais; Ichimei será vítima de uma perseguição pouco divulgada em termos historiográficos: a perseguição e segregação da comunidade de ascendência japonesa nos Estados Unidos durante a segunda guerra mundial e nos anos que se seguiram; poucos saberão, por exemplo, que estes cidadãos americanos de origem japonesa foram encarcerados em campos de concentração similares aos que os nazis utilizaram na Europa.
Em termos gerais, este livro não deixa de seguir a linha da obra de Allende em dois tópicos essenciais: a preponderância das personagens femininas, acentuando sempre um certo feminismo e, por outro lado, o gosto pela análise dos fenómenos históricos do século XX, sem nunca deixar de parte a defesa de uma ideologia marcadamente socialista, em defesa dos grupos sociais mais pobres e das comunidades marginalizadas. 
Enfim, estamos perante uma obra de leitura muita agradável, num tom neorromântico que faz lembrar A Casa dos Espíritos mas, obviamente, sem o fôlego e a grandeza dessa que foi a verdadeira obra-prima da escritora chilena e, sem dúvida, a melhor obra do realismo mágico se excluirmos dessa competição o incontornável Cem Anos de Solidão, livro-pai de toda a moderna escrita de ficção sul-americana.

Sinopse: (in www.wook.pt)
Em 1939, quando a Polónia capitula sob o jugo dos nazis, os pais da jovem Alma Belasco enviam-na para casa dos tios, uma opulenta mansão em São Francisco. Aí, Alma conhece Ichimei Fukuda, o filho do jardineiro japonês da casa. Entre os dois brota um romance ingénuo, mas os jovens amantes são forçados a separar-se quando, na sequência do ataque a Pearl Harbor, Ichimei e a família - como milhares de outros nipo-americanos - são declarados inimigos e enviados para campos de internamento. Alma e Ichimei voltarão a encontrar-se ao longo dos anos, mas o seu amor permanece condenado aos olhos do mundo.
Décadas mais tarde, Alma prepara-se para se despedir de uma vida emocionante. Instala-se na Lark House, um excêntrico lar de idosos, onde conhece Irina Bazili, uma jovem funcionária com um passado igualmente turbulento. Irina torna-se amiga do neto de Alma, Seth, e juntos irão descobrir a verdade sobre uma paixão extraordinária que perdurou por quase setenta anos.
Em O amante japonês, Isabel Allende regressa ao estilo que tanto entusiasma o seu público, relatando de forma soberba uma história de amor que sobrevive às rugas do tempo e atravessa gerações e continentes.