quarta-feira, 27 de junho de 2012

No Calor dos Trópicos - Flávio Capuleto


Sinopse
“No luxuriante cenário do Brasil imperial, um cônsul português desafia as convenções e o destino."
A queda abrupta de produção de café no nordeste brasileiro estava a arrastar os fazendeiros para a derrocada financeira. Na tentativa de solucionar o problema da falta de remessas, o rei D. Luís convida o Dr. Bragança dando ao seu cortesão a oportunidade de ouro de escapar a uma eventual pena de prisão por crime de adultério. Mas como se o destino reservasse uma armadilha ao novo diplomata, a amante viaja para Petrópolis na companhia do marido continuando ali a sua relação escaldante com o cônsul. Alertado para a traição contínua de sua esposa, D. João frutuoso, o magnata mais poderoso do Reino, banqueiro da casa real e da Coroa Brasileira, prepara uma emboscada ao diplomata, não só para o afastar dos braços de Leonor, mas também para poder exercer livremente o seu poder sobre os negros da roça e a sua vocação esclavagista. Um golpe inesperado dita a sorte dos amantes envolvidos nas malhas do destino

Opinião:
Começo o meu comentário precisamente pelo aspeto menos agradável: a semelhança por vezes acentuada com o enredo de Equador, de Miguel Sousa Tavares. No entanto, a face negativa do meu comentário termina precisamente aqui e atrevo-me a dizer, já de seguida, que gostei mais deste livro do que do Equador.
A escrita de Flávio Capuleto é muito forte. Firme, por vezes dura, por vezes quente, mas sempre muito marcada, às vezes algo exagerada mesmo. Por exemplo, as cenas mais sensuais do livro por vezes ultrapassam o necessário; a meu ver, é claro. Outro exemplo flagrante é a descrição minuciosa e dramática da doença e morte do rei D. Luís: a cena é descrita com muita emoção mas também com um realismo assinalável.
O autor afirmou que a ideia do livro partiu de um guião para cinema; de facto, o tema escolhido é terrivelmente cinematográfico; o assunto é polémico: a resistência dos agricultores portugueses ao fim da escravatura no Brasil. A escravatura era ainda vista como uma condição essencial para o sucesso económico da colónia e o livro acaba por constituir uma homenagem a homens como José de Bragança que lutaram e até morreram pela libertação dos negros.
Embora se trate de um romance de ficção, o fundo da estória é real e retrata de forma muito pedagógica os reinados de dois grandes senhores: o rei português D. Luís, um homem moderno e bom e D. Pedro II, o segundo e último imperador do Brasil, responsável pelo fim da escravatura e pela modernização daquele Brasil herdado da tradição esclavagista portuguesa.
Em conclusão: trata-se de um livro interessante, que se lê com muita facilidade e com um lado pedagógico muito importante.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Governo Sombra - Casimiro Teixeira


Sinopse:
Um thriller de conspirações políticas que retrata as vidas paralelas de dois homens.
Um, desempregado, e com ambições de ser escritor, que desistiu da vida e da procura da felicidade, reencontrando-as ao receber uma estranha mensagem de uma amiga, que lhe encomenda a escrita de um livro sobre a sua vida, conduzindo-o numa viagem obsessiva por uma realidade ficcionada sobre um Portugal secreto e sinistro desconhecido por muitos.
O outro, um político empossado à força por um caciquismo familiar. Professor de história por paixão, torna-se secretário de estado por complacência dos interesses do falecido pai.
Vão ambos embarcar numa odisseia mirabolante de enganos e descobertas, na busca da confirmação da existência de uma ordem secreta, Os Alquimistas, cujo plano efetivo para o nosso país, consiste no controlo absoluto do seu governo, e no domínio total da vontade dos seus cidadãos.
De Nova Iorque a Bruxelas, e por diferentes locais em Portugal, um atroz destino os espera, nesta história implacável, que mistura passado e presente, cheia de suspense e completamente imprevisível.

Opinião:
Eis o primeiro romance sobre a tão famigerada crise. Este é o primeiro livro de ficção que aborda, a meu ver de forma direta e concreta a tão propalada crise que estamos vivendo.
E Casimiro Teixeira não está com “meias medidas”; vai direto ao assunto e acusa: a crise não á mais que a ponta de um iceberg que esconde um grande movimento “subterrâneo” capaz de por em causa a vida de todos nós; a crise não é um elemento conjuntural, é uma manifestação de movimentos de fundo, de um outo mundo que está a ser construído pelas altas esferas financeiras internacionais.
A ideia, no fundo, não é nova: é o pressuposto de um poder político subordinado ao poder económico, ou melhor, financeiro. No entanto, o que nos deixa perplexos, ao ler este livro, é a constatação de que tais mecanismos subvertem por completo os princípios básicos daquilo que consideramos “democracia”: é a afirmação definitiva da elite financeira como detentora de um poder maior, um poder de caráter ditatorial, que esmaga todos os princípios de liberdade individual, consagrados constitucionalmente pelo liberalismo contemporâneo.
As vidas individuais, a esfera privada dos personagens, submerge de forma fatal perante um poder monstruoso que emerge vitorioso, uma espécie de super estrutura capaz de esmagar o individualismo burguês que o próprio capitalismo triunfante havia alimentado e encorajado. O drama desta estória está precisamente nisto: a teoria neo-capitalista transforma em vítimas aqueles que seriam os personagens principais de uma história de sucesso: a história da burguesia capitalista saída das revoluções liberais do século XIX.
Casimiro Teixeira consegue neste livro construir um ambiente de mistério e suspense, uma atmosfera de incerteza que agarra o leitor até à última página. No entanto, este livro teria muito a ganhar com uma revisão eficaz do texto; as gralhas tipográficas prejudicam claramente a leitura.
Mesmo assim, considero este livro uma pedrada no charco da nova literatura portuguesa, que ainda não despertou para uma nova era deste país à beira mar plantado mas claramente desprezado pelo poder político e financeiro internacional. Nós, os portugueses comuns, continuamos afundados numa cegueira cómoda e passiva que urge desmascarar. Casimiro Teixeira deu o primeiro passo. Esse é o grande mérito deste livro.
Ressuscitando fantasmas vivos do passado fascista português, este livro não nos pode deixar indiferente; há forças subterrâneas no nosso mundo. Disso eu já não duvido. E cada dia que passa a realidade triste e sombria deste país dá razão a Casimiro Teixeira.
Enfim, trata-se de um livro que sem ser genial, é uma obra a ter em conta. E de leitura muito agradável.

sábado, 16 de junho de 2012

O Lugar das Coisas - Miguel Almeida


Se a arte imita a vida ou vice-versa
Na arte ou na vida
Quem imita o quê?
Talvez em síntese se possa resumir a vida na arte de saber viver. Quase assim se abre o livro.
Uma poesia feita dos dias; dos atos quotidianos, uns de rima fácil outros que teimam em escurecer a vida. Uma poesia feita dos dias e das noites, de suores e das lágrimas, dos risos e de explosões de prazer, embora serenamente, dos tesouros incontáveis. Do tudo e dos nadas que nos rodeiam.
Como uma flor, que nasce
No lixo, para crescer e florescer
Alimentada nestes espantalhamentos.
E dos dias se levantam por vezes, em explosão, excessos e loucuras, arrebatamentos de poeta, gente normal afinal, gente que percorre o tempo de nascer, viver e morrer, gente que nasce para se fazer pó da terra. Mas, pelo meio há o sol, o mar, o céu e a alegria. A poesia. A poesia que não tem dono, não tem rei nem senhor. A poesia que é liberdade, sonho e vida.
E o homem o poeta o artista o que cria;
…e nisso há poder. Há divindade, há a magia de fazer nascer, de fazer viver. De fazer poesia.
Mas, afinal de contas, triste ilusão, a vida assim cantada em verso não é mais que a alma só de um poeta; um grito ou talvez apenas uma voz suave de alguém… Alguém: um mundo no singular. Sobre quem o cientista berra: Subjetivo!!! No entanto o mundo é inteiro na alma de um só: o poeta. Daí advém o lamento de quem é julgado “difícil”… porque difícil é entender quão simples é a alma.
Fácil é afinal viver e deixar viver. Ler e deixar sentir. Pensar e deixar pensar. E sonhar, acima de tudo.
Livro de capa azul, O Lugar das Coisas é uma espécie de céu, altar em que se celebra a vida, o amor, o lado solar da existência. Nestes tempos sombrios de crise e medo, a poesia de Miguel Almeida emerge como um fio de luz brilhante, ofuscante, por sobre esta vida de autómatos que todos, mais ou menos, carregamos como um fardo. Miguel Almeida, desdizendo o poeta que finge, é o poeta que faz nascer a luz da esperança, de uma vida onde (ainda) há futuro (sonho).
Atrevo-me a afirmar que este é o livro mais pessoal de Miguel Almeida; mais pessoal e talvez mais pessoano; mas deixo essa questão para os que sabem de poesia. Eu, que não sei de poesia, achei estas rimas de extraordinária beleza; de uma musicalidade muito bem conseguida e, acima de tudo, de uma sensibilidade pessoal tocante.

Próximo comentário: Governo Sombra, de Casimiro Teixeira

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Até ao fim da Terra - David Grossman



Sinopse: Quando Ora se prepara para festejar a desmobilização do filho Ofer, ele volta a juntar-se voluntariamente ao exército. Num ímpeto supersticioso, temendo a pior notícia que um pai ou uma mãe podem ouvir, Ora parte numa caminhada para a Galileia, sem deixar qualquer rasto para os "notificadores". Recentemente separada do marido, arrasta consigo um companheiro inesperado: Avram, outrora o melhor amigo de ambos, o antigo amante, que tinha estado prisioneiro durante a Guerra do Yom Kipur e fora torturado, e que, destruído, recusara sempre conhecer o rapaz ou ter contacto com eles.
Durante a caminhada, Ora vai desenrolando a história da sua maternidade e inicia Avram no drama da família humana - uma narrativa que mantém Ofer vivo, tanto para a mãe como para o leitor. A sua história coloca lado a lado os maiores sofrimentos da guerra e as alegrias e angústias quotidianas da educação dos filhos: nunca se viu tão claramente o real e o surreal da vida quotidiana em Israel, as correntes de ambivalência sobre a guerra numa família, os fardos que caem sobre cada nova geração. Numa situação de conflito coletivo e duradouro, como conciliar as preocupações individuais de uma mãe que, afinal, prefere a companhia de um filho à missão patriótica? Como manter a causa pacifista se aqueles que podem atirar contra um filho são justamente aqueles com quem se quer fazer a paz


Comentário:
As 681 páginas desta edição talvez afastem o leitor menos paciente. Mas a verdade é que este é um excelente livro. Está aqui, bem despida de adereços, toda a desgraça de um povo condenado à guerra e ao ódio; um povo que conquistou o seu espaço mas que o tem de disputar, sistematicamente, com outros povos, eles também condenados à desgraça.
A forma como Ofer se alista voluntariamente no exército levou a mãe, Ora, a questionar o patriotismo; o mesmo patriotismo que justificara a criação da nação hebraica. O ódio à guerra alia-se ao próprio ódio à nação. A expressão de Ora perante a participação dos filhos no exército é: o país “nacionalizou-me” os filhos.
Este livro é, acima de tudo, um intenso grito anti guerra; uma voz de protesto e de desespero perante a irracionalidade de uma história povoada de ódio.
Mais do que fugir da guerra e da possível morte do filho, é dos mensageiros da morte que Ora e Avram fogem. Sim, porque morte está sempre presente, por todos os lados.
Ao longo da leitura, o leitor sente-se frequentemente asfixiado por este ambiente sóbrio, feito de medo, feito de sangue e horror.
Para Ora, Avram, de quem se separara há muito, é uma espécie de filho que vem substituir Orfer. Ao longo da caminhada, o autor vai descrevendo o passado desta família despedaçada e de um curioso triângulo amoroso; o amor aparece aqui como uma espécie de oásis neste deserto de ódio; no entanto, nem mesmo o amor tem o aspeto de um jardim florido, antes de um jardim coberto de espinhos; um amor que nasceu e cresceu no terror das mais inimagináveis torturas e sacrifícios.
À medida que vai desfiando memórias, Avram descreve as torturas que sofrera na guerra de Yom Kipur. Memórias terríveis, de uma violência atroz, misturadas com sentimentos de culpa e arrependimento. Enfim, uma realidade onde o passado é doloroso e o futuro negro. Sobra um presente não menos feliz. As personagens como a nação: sem sentido, sem lógica, sem um raio de luz a não ser os laços de amor que os prendem uns aos outros.
Como no quadro de Picasso (Guernica) a guerra preenche todos os espaços. Nada existe fora da guerra.
Aqui não há heróis. Nem bons nem maus; os próprios árabes, inimigos ancestrais, não são vistos como “os maus da fita” mas como, também eles, vítimas do ódio e da violência.
Em conclusão, trata-se de um livro sombrio, triste, mas terrivelmente real. Uma estória que dói pela crueza da realidade que retrata; uma obra de ficção que brilha pelo retrato que faz de um sofrimento coletivo onde o pior de tudo é a falta de esperança: o final desilude como a realidade: não há fim à vista para a estupidez dos homens.

sábado, 9 de junho de 2012

Os Malaquias - Andréa del Fuego




Os Malaquias é um livro curioso. Com um aspeto gráfico original e atraente, com um formato aparentemente facilitador da leitura (capítulos curtos), depressa, no entanto, nos deixa presos à página, muitas vezes tendo de voltar atrás e reler, tal é a complexidade da escrita. À partida, o enredo é simples e claro. Mas a linguagem de Andrea del Fuego torna-se complexa devido ao excesso de sintetismo. Fica a ideia que autora quis cortar tudo o que fosse excessivo e acabou por nos deixar apenas um esqueleto da estória e pouco mais que isso.
No entanto, comecei este comentário pelo lado menos positivo do livro; porque as suas qualidades superam, a meu ver, em muito, estes eventuais defeitos.
Em primeiro lugar, fico com a sensação de que este livro é uma pedrada no charco da atual literatura brasileira ou mesmo na sua história. Do que me é dado conhecer, encaro a literatura do Brasil como essencialmente urbana. Desde Machado de Assis até à atualidade, os grandes escritores brasileiros afastam-se claramente do mundo rural. É a esse mundo rural que Andrea del Fuego se dirige neste livro; um mundo de pobreza, injustiças e, essencialmente, em conflito com a própria terra. De facto, não há aqui uma ideia de ligação à terra mas sim de afastamento, de conflito. As personagens do livro parecem fugir da terra; estão em constante viagem: depois da morte do casal Malaquias, atingido por um raio, os seus três filhos separam-se. O mais velho é adotado pelo proprietário do latifúndio, o do meio é adotado pelas freiras e ficará anão. A mais nova, Júlia, permanecerá em trânsito; ela simboliza essa fuga permanente que é a vida. No final do livro todos eles procurarão essa fuga; todos enveredarão por uma viagem de que não se conhece o destino mas que parece ser, ela própria, o destino final das personagens.
A vida é vista como uma viagem; “toda a gente que espera vem para o porto”, diz Eneido, o homem da caverna que espera o navio onde todos embarcarão; uma caverna de onde se podem ver as sombras da verdade, como em Platão, mas também a caverna de onde se partirá para a última viagem, que redimirá o mundo.
Voltando ao enquadramento de Del Fuego na literatura brasileira, podemos dizer, com algum arrojo que o seu estilo fará lembrar a linguagem crua e fria de J. Ubaldo Ribeiro em O Farol; no entanto, é dos Buendia de Garcia-Marquez que nos lembramos ao ler este livro, na tradição do realismo fantasioso e encantado da boa literatura sul-americana.
A linguagem de Del Fuego é profundamente poética e simbólica, com uma beleza por vezes arrasadora. Uma linguagem rural, popular e poética, com uma economia de palavras por vezes exagerada: “Nico a viu, e mais nada, o resto da noite…” é uma frase que exprime toda a poesia de um encontro fatal e, ao mesmo tempo, resumida de uma forma extrema.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

A melhor leitura de Maio


O que o dia deve à noite - Yasmina Khadra

é, sem dúvida, um grande livro. Consegue aliar de forma perfeita a ficção à história. envolvendo o leitor numa intriga fascinante, um enredo em que os dilemas morais de qualquer ser humano se misturam com os maiores dramas históricos do último século, nomeadamente a segunda guerra mundial e as guerras coloniais.
Liberdade e tolerância não são conquistas do século XX nem da modernidade. Pura e simplesmente não são conquistas da Humanidade. Nunca o foram. Alguma vez o serão?