domingo, 13 de outubro de 2013

A História de uma Serva - Margaret Atwood



Sinopse
Uma visão marcante da nossa sociedade radicalmente transformada por uma revolução teocrática. A História de Uma Serva tornou-se um dos livros mais influentes e mais lidos do nosso tempo.
Extremistas religiosos de direita derrubaram o governo norte-americano e queimaram a Constituição. A América é agora Gileade, um estado policial e fundamentalista onde as mulheres férteis, conhecidas como Servas, são obrigadas a conceber filhos para a elite estéril.
Defred é uma Serva na República de Gileade e acaba de ser transferida para a casa do enigmático Comandante e da sua ciumenta mulher. Pode ir uma vez por dia aos mercados, cujas tabuletas agora são imagens, porque as mulheres estão proibidas de ler. Tem de rezar para que o Comandante a engravide, já que, numa época de grande decréscimo do número de nascimentos, o valor de Defred reside na sua fertilidade, e o fracasso significa o exílio nas Colónias, perigosamente poluídas. Defred lembra-se de um tempo em que vivia com o marido e a filha e tinha um emprego, antes de perder tudo, incluindo o nome. Essas memórias misturam-se agora com ideias perigosas de rebelião e amor.

Comentário:
A leitura deste livro fez-me viajar mentalmente, várias vezes, para esse magnífico livro que é “A Estrada” de Cormac Mccarthy. Neste como naquele, o cenário apocalíptico assola a mente do leitor com aquilo que tem de mais medonho: a sensação de realidade, de um pesadelo real. A serva é uma personagem anónima e subjugada por um mundo onde todo o sonho se perdeu, onde a vida não passa de uma terrível prisão, sem destino, sem qualquer raio de esperança. O seu nome, por exemplo, é apenas um patronímico (Defred resulta do seu dono ser Fred). Até ao nome ela perdera o direito.
No fundo, é esta a realidade contraditória da atual sociedade americana: a pátria do capitalismo, das liberdades individuais, a pátria do sonho, caminha para um abismo. São enormes as implicações políticas desta mensagem; trata-se de um estrondoso grito de alerta perante o crescente radicalismo de algumas ideologias políticas mas é mais que isso: é uma reflexão filosófica mas tremendamente real sobre o futuro da América. E não é só o caminho errado das políticas americanas que está em causa. É também um culto do obscurantismo, da ignorância, que haveria de conduzir a tal desgraça. Essa ignorância haveria de conduzir a conflitos políticos e militares que estiveram na base da afirmação da tirania geradora de tal cataclismo social.
O final do livro revela-nos que o apocalipse não é universal: a velha Europa tinha escapado àquele caminho. Não deixa de ser curiosa esta leitura tendo em conta a onda de pessimismo em que o velho continente está hoje em dia mergulhado.
Um aspeto fundamental deste livro é o facto de serem as mulheres as vítimas de toda a opressão que o regime ultra conservador envolveu; elas são a esperança de um novo mundo mas são também as escravas do regime. O facto de só elas serem portadoras da esperança, gerando filhos (e é essa a sua única função) levou ao inverso do que seria lógico: levou ao desprezo total dos seus direitos e da sua própria vida.
Muito mais do que um livro escatológico, este é um livro negro; a voz da autora soa como um grito de alarme perante as contradições e os erros do sistema político, da mentalidade e das estruturas sociais dos EUA.
No entanto, a intervenção social da mensagem não é o único ponto forte da obra; a narrativa é sempre emocionante, numa estrutura que Margaret Atwood concebeu de forma magistral, com flashbacks que contribuem para manter acesa toda a curiosidade do leitor sobre a origem daquele beco sem saída em que entrara a sociedade norte-americana.

4 comentários:

Carlos Faria disse...

Importa também deixar claro que o livro é de 1985, início do neoliberalismo que ainda não estavam tão negativamente marcado como hoje.
Como bom acompanhante da literatura canadiana, nacionalidade que compartilho com a Portuguesa, conheço bem Atwood (Munro também), ela é sobretudo uma feminista e ecologista. Este livro, mais do que ir contra o capitalismo, é um grito sobre os direitos das mulheres: a mulher apenas máquina de procriação diante dos homens, aspeto valorizado pelo médico compreensivo condenado por aborto. É um grito igualmente ambiental quando as preocupações eram mais contra a poluição química e efeitos na espécie humana do que as alterações climáticas. Daí a infertilidade feminina.
Claro que politicamente o facto dos EUA virarem a ditadura religiosa (quando os evangélicos em expansão na época) é simbólico para os erros do regime. Contudo, não só por patriotismo, essa mancha não se estendeu ao capitalista Canada que olha para a Europa sempre com olhos da terra dos valores ao contrário dos EUA.
Gostei muito do livro, chocou-me muito a cena da tentativa de procriação assistida pela mulher, mas para quem vê a época em que foi escrito e leu Oryx e Crake já do século XXI, vê como a distopia em Atwood evoluiu.

Unknown disse...

Olá Carlos
obrigado por esta excelente contribuição. Eu não tinha reparado que este livro foi escrito em 1985; isso é importante porque só valoriza a visão premonitória da autora.
Nunca tinha lido nada da autora e essas informações que nos dás são preciosas para compreender o seu pensamento.
Eu foquei mais o lado político e social do enredo porque é nesses campos que identifico, mais do que uma distropia, uma previsão de fenómenos cada vez mais reais.
Um abraço e, mais uma vez, obrigado.

Unknown disse...

Quando o mesmo livro me é "recomendado" por várias pessoas num curto espaço de tempo é porque é, de facto, altura para o ler.
Estou muito curiosa em relação a este "A história de uma serva", parece-me ser fantástico.
:)
Boas leituras

Unknown disse...

Patrícia, se pudesse apostar ganhava de certeza: vais gostar!