Li este livro pela primeira vez quando ainda era estudante.
Hoje, uns 30 anos depois, deliciei-me da mesma forma com as aventuras e
desventuras deste deputado transmontano do século XIX mas que nos faz lembrar,
a cada passo, os políticos de hoje em dia. Afinal, há vícios que são
intemporais.
Calisto Eloy de Silos e Benevides de Barbuda, o morgado de
Agra de Freimas era um ingénuo, o puro, o quase santo miguelista, defensor
acérrimo da moral e bons costumes. Logo no início da carreira tentou impor na
câmara de Miranda do Douro as leis do foral de Afonso II. Não lho permitiram, afirmando
os progressistas que tais leis estavam desatualizadas. Calisto ficou
despeitado! Furioso! Como podem a moral e os bons costumes estar
desatualizados? Esta pureza de sentimentos, esta generosidade na defesa dos
valores maiores, fazia de Calisto o verdadeiro anjo! Uma preciosidade!
Casado era com a prima Teodora, uma mulher pouco afortunada
pelas belezas temporais mas um exemplo de qualidades morais; um poço de
virtudes. Uma mulher ignorante mas pura, feia mas adornada pelas maiores
virtudes da alma.
No entanto, bastaria avançar uns dez anos na linha do tempo
para encontrarmos um Calisto Eloy deputado em Lisboa, elegantemente vestido,
fumando charuto e acompanhando uma bela e elegante amante, nos teatros da
capital. Até de partido mudara: tornara-se deputado do governo, traindo todos
os princípios conservadores que tão acerrimamente defendera.
Esta é a caricatura de toda a corrupção a que o poder
conduz. Um livro que se afasta imenso do tradicional romantismo camiliano para
formar um quadro de crítica social que o aproxima, por exemplo, da crítica
queirosiana.
O provincianismo é o menos mau dos males. Muito pior que ser
provinciano é defender ideias ao sabor das conveniências. O tradicionalismo de
Calisto é visto como expressão de uma certa ingenuidade. Pelo contrário, a sua
adaptação aos luxos e vícios do poder são expressão de toda a hipocrisia que o
próprio poder gera.
É um pouco injusto considerar Camilo um escritor romântico
ou de novelas “fáceis”. Ele revelou uma qualidade que poucos conseguiram
superar: a versatilidade. Este livro é incomparável, como foram incomparáveis
As Novelas do Minho ou Eusébio Macário.
O que mais surpreende neste livro é a extensão da visão
crítica de Camilo; não é só a hipocrisia da classe política que está em causa;
é o seu intemporal oportunismo, mas é também a crítica de costumes, a crítica
social a uma fidalguia pedante, beata e ignorante de que ainda hoje encontramos
eco nos corredores do poder político.
Enfim, um livro agradável, por vezes hilariante, inteligente
e… atual!
2 comentários:
Também li o livro nos meus tempos de estudante, ainda no liceu, e pouco me ficou na memória. A reler, sem dúvida, a tua opinião só reforçou a minha vontade de reler os clássicos portugueses. Com a exceção de Eça, conheço-os pouco.
Praticamente não li nada de Camilo Castelo Branco,lembro-me de quando estudante no secundário de ler algo dele, mas já nem sei o que foi.
Todavia ando fascinado com os clássicos europeus da literatura do século XIX, que pelo que tenho visto dava igual valor à elegância e forma da escrita, ao conteúdo da estória e informação e formação do leitor,pelo que é muito provável que comece a conhecer também a literatura nacional do mesmo século.
Eça conheço bem, alguns mais populares como Júlio Dinis dos tempos da escola... mas sei que há muito a descobrir e Camilo seguramente será um deles.
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