. O que um escritor nos dá não são livros. O que ele nos dá, por via da escrita, é um mundo. Mia Couto
sexta-feira, 13 de maio de 2005
Dona Flor e seus Dois Maridos - Jorge Amado
O maior mérito desta obra é o retrato eficaz da realidade brasileira, principalmente ao nível mental e religioso. O vocabulário utilizado é riquíssimo e reflecte precisamente essa multi-culturalidade própria do Estado da Bahia, onde se desenrola a acção. A religiosidade que mistura ao mesmo tempo o catolicismo e o candomblé, colocando as personagens do candomblé lado a lado com os santos e heróis do catolicismo (algo que, na verdade, se enquadra na religiosidade baiana, já que Salvador tem mais igrejas que qualquer outra cidade do Brasil e ainda assim é centro das religiões de origem africana). A outra característica vem a ser o facto de que Vadinho e Teodoro são metáforas para o id e o superego, respectivamente. Vadinho é rebelde, impulsivo, espontâneo e dado ao caos (no seu caso, o jogo); Teodoro é metódico e controlado ("Um lugar para cada coisa e cada coisa em seu lugar" é seu lema, pendurado na farmácia). Assim, a imagem de Flor pacificamente com os dois, totalmente feliz, invoca o ideal de equilíbrio entre os dois. Não é, a meu ver, uma obra de grande alcance literário: excelentes descrições, humor a rodos, linguagem muito atractiva e um vocabulário rico não compensam a falta de profundidade das ideias expostas. Nem seria talvez essa a intenção de Amado. Mas é precisamente a leveza, a graciosidade, que impedem essa abrangência, essa profundidade que caracterizam as obras-primas. Talvez estas características ajudem a explicar o sucesso das adaptações de Amado às telenovelas. Enfim, um livro que, mau grado a sua incrível extensão, se lê com agrado, mas do qual pouco fica no arquivo da memória.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário