domingo, 15 de maio de 2005

Portugal Hoje - O Medo de Existir - José Gil

Trata-se de uma visão algo pessimista do ser português, uma análise da alma portuguesa que privilegia os seus traços mais negativos. É portanto, uma visão extremamente crítica. Para Gil, o povo português é, por natureza, avesso àquilo a que chama “inscrição”, ou seja, afasta-se voluntariamente daquela perspectiva crítica e interventiva que seria essencial para a plena democracia. Atribui grande parte dessa tendência ao período salazarista que, na sua perspectiva, marcou os portugueses de forma indelével, retirando-lhes o sentido de participação democrática. Fica a sensação de um certo reducionismo. É pouco crível que, por um lado, as marcas do fascismo tenham perdurado de forma tão marcante até aos nossos dias e, por outro lado, que este fenómeno seja especificamente português. É comum ouvirmos e lermos observações deste tipo noutros países ditos civilizados. Como explicar, por exemplo, as elevadas taxas de abstenção eleitoral em países que nunca viveram em ditaduras? Um outro traço característico que aponta ao “ser” português é o pensamento “pequeno”. Os portugueses gostam de tudo o que é pequeno, recusando-se a abraçar planos a longo prazo. Falta ambição e auto-estima para que o talento e o trabalho resultem em progresso. Mais uma vez, fica a pergunta: será isto assim tão típico e exclusivo do povo português? No entanto, neste aspecto, não é difícil dar razão a José Gil. Uma outra característica da alma lusa será a inveja. O português não quer ser melhor que o outro: quer que o outro lhe seja inferior. Por isso, não valoriza as suas potencialidades, preferindo desvalorizas as dos outros. Mas não será essa uma tendência natural do ser humano? Estas características essenciais do carácter português estão a contribuir, na perspectiva do autor, para a perda de uma oportunidade única para afirmar o nosso país no contexto europeu. No entanto, é caso para perguntar: quantas oportunidades “únicas” já perdemos ao longo da História de Portugal? No meio de tudo isto, Gil é bastante crítico em ralação ao papel da Comunicação social e das estruturas políticas. Os meios de comunicação social alimentam a preguiça mental e os políticos cultivam o imobilismo. Parece-me que esta obra cai em três equívocos fundamentais: - Exagero no papel negativo do regime fascista. Não duvido dos seus efeitos negativos. No entanto, há problemas de fundo que ultrapassam em importância a responsabilidade de Salazar. - Falta de uma perspectiva histórica mais profunda: o ancestral saudosismo, o velho pessimismo saudosista, a tendência para o lucro fácil herdada dos descobrimentos e do ouro brasileiro são fenómenos históricos que marcaram indelevelmente a alma portuguesa e que Gil esquece. - Falta de profundidade. Fica a ideia de uma obra escrita para o grande público, também ela voltada para aquele objectivo que Gil tanto critica: o sucesso fácil. Sobre este tema seria certamente muito mais proveitosa a leitura de O Labirinto da Saudade: Psicanálise Mítica do Destino Português, do grande Eduardo Lourenço (1978).

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