segunda-feira, 16 de maio de 2005

Viagem ao Fim da Noite - Louis Céline

França, durante a 1ª Guerra Mundial. Ferdinand Bardamu é um jovem francês que gasta uma vida toda entre a carnificina das trincheiras, o inferno das colónias, a solidão de Nova Iorque e, finalmente, a paz pobre de uma França saída da Guerra. Uma França triste e miserável. Por todos estes destinos errantes estendeu-se uma vida feita de miséria, infortúnio e a pior das desgraças, uma solidão involuntária, uma condenação perpétua ditada por uma personalidade abatida, esmagada. Mau soldado, colono frustrado, médico fracassado, Bardamu percorre a vida entre a desgraça universal, impotente e miserável. Ainda, e sempre, a dualidade solidão-loucura Por toda a obra perpassa a revolta pelas condições riais da existência de Ferdinand e da maior parte das personagens. Aqueles que escapam à miséria, os ricos, são vistos como abutres, personagens principais de um mundo repleto de injustiça. Trata-se, portanto, de uma visão profundamente pessimista do mundo e de uma humanidade enterrada na guerra, no colonialismo absurdo e desumano. Este pessimismo torna-se mais evidente na descrição de uma sociedade injusta e cruel. Mas todo este contexto, toda esta vida de sofrimento, não faz de Ferdinand um herói nem um mártir. As desgraças da vida fazem dele um ser frio, cruel e egoísta. A miséria degenera a alma e endurece o coração. A luta pela sobrevivência transforma a sua vida numa luta cruel e permanente contra tudo e todos. Aí reside um dos valores mais altos desta obra: a análise psicológica das consequências da miséria, lembrando Dostoiévski. Talvez ainda mais negro do que a miséria material é o vazio de sentimentos revelado pela maioria das personagens de Céline. Amor? Amizade? Solidariedade? Tudo palavras vãs, insignificantes, mesmo ausentes. Espíritos desprovidos de carácter e de sentimentos, almas vazias em corpos mirrados pela noite cerrada que é a vida. Uma das visões da humanidade mais negra, pessimista e real que alguma vez se escreveu. Brilhante.

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