terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

A Vida de Pi - Yann Martel

Pi é um personagem fascinante, daqueles que qualquer leitor gravará na memória; e A Vida de Pi é um livro único. Belo, fantástico, soberbo.
Pi teve uma infância extraordinária: um professor comunista, um pai apaixonado por animais e três religiões que mostravam a Pi todo o encanto que pode haver na religião: mundos de paz, de bondade e de comunhão com a natureza. As religiões não têm de ser o meio fértil dos ódios, guerras e fanatismos. Talvez só os indianos percebam esta beleza. Até neste aspecto este é um livro único: bem diferente daquelas visões tenebrosas da Índia que a literatura nos tem oferecido. Não se trata aqui da Índia corrupta e miserável, mas da Índia mística e profunda, bela e guardiã dessa paz interior a que chamam misticismo.
Mesmo tratando-se de uma história bastante dramática, Martel não prescinde de um sentido de humor fino e discreto numa escrita sentida, simples e profunda, com um envolvimento filosófico que dá à obra uma grande riqueza de conteúdo.
As magníficas descrições da vida animal não se restringem a uma abordagem romântica e bucólica: a luta pela sobrevivência no barco naufragado assume contornos de extremo dramatismo; a luta pela vida e a impiedosa ausência de sentimentos exigem que a sobrevivência apele ao egoísmo. A crueldade é levada ao extremo. No entanto, quando Pi se encontra no alto mar, meses a fio, junto de uma fera de dois metros de envergadura, a esperança nunca vacila. A vida vai perdendo sentido, a espera corrói a esperança mas nunca a destrói. O medo que lhe desgasta a alma é o mesmo medo que lhe serve de defesa.
Na sinopse deste livro fala-se de uma mistura entre o real e o absurdo. Mas trata-se, por assim dizer, de um absurdo real, um absurdo que se cristaliza em situações reais e objectivas: o rapaz e a fera frente a frente, rivais e aliados, o instinto e a razão, ambos presas e predadores. Entre Pi e o tigre não há uma relação de aliança; não há romantismo nesta história; há o matar e o morrer, a morte e a sobrevivência.
Um rapaz e um tigre, sozinhos num barco salva-vidas, em pleno Oceano Pacífico, durante sete meses. Não se trata de um tema particularmente propiciador de um enredo interessante. No entanto, Martel consegue-o com mestria, transformando um quotidiano monótono num drama permanente, numa narrativa sempre emocionante. Em algumas passagens, este livro assemelha-se ao mais assombroso documentário do Nathional Geographic. Aliando uma fértil imaginação a um conhecimento profundo do mundo animal, o autor cria situações magníficas como um impensável combate entre um tigre e um tubarão, numa luta que deixa o leitor aterrado e ao mesmo tempo maravilhado.
Na luta permanente entre o homem e o animal não é a inteligência daquele nem a força deste que triunfa; é a força mental. O querer. A vontade. É na vontade que reside todo o heroísmo e o maior herói é aquele que consegue desafiar os limites da resistência. Esse heroísmo é servido, no entanto, por uma arma poderoso – a esperança. É a capacidade de sonhar que salvará Pi. É o sonho que nos comanda a vida, afinal.
Num dos episódios mais belos deste livro, Pi vai parar a uma ilha fantástica, onde depara com algas carnívoras e lagos que transformam a água do mar em água doce. Esse episódio ilustra com mestria a linha ténue que separa a realidade da fantasia; ou melhor, que ilustra na perfeição a beleza real que há na fantasia.
O final do livro é belíssimo por envolver uma mensagem extraordinária: por vezes a realidade é muito mais bela que a fantasia.
Avaliação pessoal: 9.5/10

18 comentários:

NLivros disse...

Sabias que ias gostar.

Faz parte do meu top.

Paula disse...

Eu também sabia que ias gostar :)
A história tem partes distintas e todas elas belas. Gostei especialmente da parte da religião e claro que toda a acção que decorreu no salva vidas :)
Uma leitura imperdível!

N. Martins disse...

Mais um que tenho de ler. Só leio coisas boas acerca dele.

Unknown disse...

Iceman e Paula
modéstias à parte somos três leitores "experimentados" e adoramos o livro. Agora eu pergunto, porque é que Yann Martel não é um nome de tanto sucesso como outros, por exemplo os sorumbáticos que os críticos adoram ou os romances de cordel que o marketing promove?
N. Martins, tu serás a próxima a adorar este livro. Tenho a certeza.

Nuno Chaves / Página a Página disse...

Bem... bem acho que me convenceram... primeiro a Paula, agora tu Manel, assim que tiver oportunidade tb. eu o vou ler.
depois digo-vos alguma coisa.

Unknown disse...

Fico à espera da tua opinião. Mas sabendo como és, aposto 100 euros como vais gostar.

Nuno Chaves disse...

:) :) Vou Cobrar!

Anónimo disse...

Pelos comentários aqui deixados parece-me que se não ler estou a perder um bom livro.
É outro daqueles que não me chamaria a atenção.
Acho que não resisto e vou comprá-lo.
Isabel

Margarida Fonseca Santos disse...

Um livro fascinante... Já o tinha lido em inglês há anos, ainda bem que agora está traduzido, é um livro a não perder.

Ana Costa disse...

Estou a pensar oferecer este livro a uma amiga que adora animais e trabalha num zoo.
Contudo ela não é nada adepta de religiões, pelo que gostaria de saber de que forma é abordado este tema, se for possivel.

Obrigada

Unknown disse...

Ana, se a tua amiga gosta de animais deves oferecer o livro. É lindíssimo. A questão da religião aqui é secundária e só é abordada de forma genérica, no inicio do livro.
beijinhos

Ana Costa disse...

Obrigada Manuel, vou oferecer sim. Tenho lido opiniões muito boas sobre o livro, provavelmente vou acabar por adquiri-lo para mim também.

Beijinho

Anónimo disse...

Sou obrigado a discordar. Terminei o livro tem poucos minutos, e graças ao final sinto que perdi um bom tempo de vida — e é bom reforçar, "graças ao final".

Quando comecei a ler o livro, não sabia se a história era baseada em fatos reais ou não. Baseado nas explicações que o livro nos dá de início, esperei para descobrir por mim mesmo. E nisso eu posso dizer que o livro é, de fato, uma história e tanto: enquanto lia, senti como se lesse um verdadeiro relato, e supus com ainda mais força que a história era real.

Com certeza, e com razão, alguém pode argumentar que eu deveria ter desconfiado, ou que talvez eu tenha sido ingênuo por acreditar assim na história, mas, convenhamos, depois de tudo que já vimos acontecer na história do mundo, é realmente tão difícil de acreditar na história em questão? Com o sem-número de vezes que a natureza já nos surpreendeu antes, mostrando sempre que a conhecemos muito menos do que pensamos, é mesmo tão difícil acreditar no que nos conta a história?

Porém, ao contrário do que muitos devem achar, minha decepção não reside no fato de, no fim, eu descobrir que era tudo ficção (o que eu descobri ao pesquisar na internet, já que até a ultima linha o livro me pareceu extretamente plausível). Mas, ao contrário da conclusão a que chegou a resenha acá, eu não creio que o caso seja de "a realidade ser mais bela que a fantasia", mas sim a fantasia servindo como opção para uma história real, porém nada bela.

Em outras palavras: ler um livro de ficção está dentro dos meus limites, sendo já de comum-acordo que estou para ler uma "mentira". Mas gastar horas de vida, para no final o autor estragar a merda toda nos dizendo que mesmo na ficção tudo era uma mentira? Sério? Era tão difícil assim colocar um final feliz e deixar a história bela como estava? Minha sugestão é: quando chegar na terceira e última parte, nas ultimas páginas, pare de ler, e fique com o final que tens em mente. Nada pode ser pior do que o final verdadeiro.

E não diga que eu não avisei.

adrianemarise disse...

Alguem teria o livro "A vida de Pi" em pdf ou doc, estou procurando mas não estou conseguindo achar....

adrianemarise disse...

Alguem teria o livro "A vida de Pi" em pdf ou doc, estou procurando mas não estou conseguindo achar....

Isabel disse...

Vim aqui espreitar, porque hoje fui ver o filme e gostei. Despertou-me a atenção e fui vê-lo porque precisamente me lembrava do comentário entusiasta que aqui tinha lido. Se não fosse por este comentário, o filme se calhar passava-me ao lado.
Um Abraço

Unknown disse...

A propósito, Isabel: li hoje uma crítica horrível a este livro e ao filme. Quanto mais livros leio mais abomino os críticos. O que vale é que poucos leem o que eles escrevem senão ninguém lia nada em Portugal.

Isabel disse...

Gostei muito do filme.
Quanto aos livros, digo-te que confio bastante na tua opinião.
Um abraço