domingo, 10 de março de 2013

Todos os Nomes - José Saramago

 
Sinopse:
O protagonista é um homem de meia idade, funcionário inferior do Arquivo do Registo Civil. Este funcionário cultiva a pequena mania de coleccionar notícias de jornais e revistas sobre gente célebre. Um dia reconhece a falta, nas suas colecções, de informações exactas sobre o nascimento (data, naturalidade, nome dos pais, etc.) dessas pessoas. Dedica-se portanto a copiar os respectivos dados das fichas que se encontram no arquivo. Casualmente, a ficha de uma pessoa comum (uma mulher) mistura-se com outras que estás copiando. O súbito contraste entre o que é conhecido e o que é desconhecido faz surgir nele a necessidade de conhecer a vida dessa mulher. Começa assim uma busca, a procura do outro.
 
Comentário:
Por detrás do Sr. José, há outro Sr. José. Porque por detrás de cada um de nós, há um Sr. José escondido, o mesmo é dizer, há outra pessoa. A solidão do Sr. José impeliu-o para a criação de um “eu” alternativo. Vítima de um mundo que o isolou, que o tornou autómato, ele procurou acabar com a solidão procurando alguém pelo nome; vasculhou na Conservatória e depois na vida real. Se fosse hoje, procuraria na internet; mas eram os verbetes da conservatória do Registo Civil que estavam à mão.
Começou por procurar os famosos; mas porquê dar importância aos famosos? Só eles importam? Então o Sr. José preferiu procurar uma mulher comum; ele não sabia o que iria encontrar; aliás, será que ele procurava ou fugia? O Sr. José precisava de encontrar alguém ou antes fugir daquele mundo absurdo em que vivia? Talvez as duas coisas.
Na descrição da Conservatória e na forma como ela comanda a vida das personagens, podemos ver traços profundamente kafkianos neste livro de Saramago. Aquela Conservatória, com as mesas a marcar uma rígida hierarquia entre os funcionários, aquele chefe autoritário (pelo menos na aparência) e toda a frieza da burocracia, fazem lembrar, a cada passo, o Processo, de Franz Kafka: a solidão e o absurdo da vida. Mas também a injustiça e o desprezo pelo cidadão comum, típico desta sociedade capitalista e burocrática em que vivemos.
O final do loivro, para além de surpreendente, é uma pérola literária; uma obra-prima de delicadeza, de sensibilidade, de HUMANISMO.
Globalmente, penso que se trata de uma das obras mais perfeitas de Saramago. A sua análise do espírito humano é brilhante; Saramago dá-nos uma autêntica lição de como analisar os comportamentos humanos quando confrontados com a solidão e a banalidade estupidificante da rotina. O Sr. José fazia sempre a mesma coisa. Fazia tudo perfeito. Não cometia um único erro. Nunca se atrasava e nunca se desleixava. Em resumo: era infeliz e só.
Uma mulher desconhecida mudaria a sua vida; uma mulher que nunca conheceu. Podia ter sido outra coisa qualquer. Qualquer objetivo. Qualquer coisa que fosse de facto sua. Qualquer coisa que fizesse dele um INDIVÍDUO e não uma peça banal da máquina.

10 comentários:

Unknown disse...

Grande Manuel...
A tua opinião é soberba.
Dito isto, confesso-te que de todos os livros de Saramago este - e aquele do Elefante - foram os único de que não gostei.
Não consegui penetrar tão profundamente como tu. A "tensão" superficial venceu-me e fiquei pela crosta do enredo, que, certamente por isso, não me cativou.
Admiro, sinceramente, a tua capacidade, meu caro.
Um abraço!

susemad disse...

Como sabes eu sou uma fã incondicional de Saramago!
"Todos os Nomes" foi se não estou em erro o 2.º livro que li dele. As suas obras para além de fantásticas, fazem-nos sempre pensar e questionar todas as coisas.
Esta considerei-a hilariante, foi deveras das obras mais vibrantes! Quem se lembraria de de ter uma coleção como o Sr. José?! E todos nós temos um Sr. José cá dentro, porque a solidão assusta. Porque a vida é algo que nos transcende e que também nos amedronta, pela sua absurdidade.

NLivros disse...

Este foi dos livros de Saramago de que mais gostei.
Já leste História do Cerco de Lisboa? É dos livros de Saramago menos falado e é dos que achei mais interessante.
Abraço!

Unknown disse...

Olá André
Obrigado pelas tuas palavras. Essa capacidade chama-se experiência. São muitos anos... :)
tons de azul
foi isso que mais me encantou no livro: uma leitura da solidão como acho que nunca vi.
Miguel
Acho que o tenho em casa. De maneira que se tu gostaste é motivo de sobra para o ler a seguir.
Abraço

Paula disse...

Olá Manuel como sempre gostei muito da opinião :)
Vou anotar o título!
Abraço

Duarte disse...

Para mim "Todos os Nomes" é o meu livro preferido de Saramago, com a ressalva de que ainda não li todos, mas para superar esta obra de arte, é difícil. Aconselho a todos.

Duarte disse...

Para mim "Todos os Nomes" é o meu livro preferido de Saramago, com a ressalva de que ainda não li todos, mas para superar esta obra de arte, é difícil. Aconselho a todos.

pedro disse...

Também é um dos meus preferidos. Já li e reli.
Gostei de ler este texto e o da Caverna.

teresa dias disse...

Olá Manuel,
Estou na página 39 do livro e está a ser difícil avançar.
Recordo que me aconteceu o mesmo com "O Memorial do Convento", mas depois forçei, avancei e... adorei.
Vou reler o teu comentário e buscar entusiasmo.
Bjs.

Numa de Letra disse...

Também adorei.

http://numadeletra.com/todos-os-nomes-de-jose-saramago-52624

Um abraço.