Sinopse:
Alexandre Cabral em Dicionário de Camilo Castelo Branco
considera os Mistérios de Lisboa o "produto de uma imaginação truculenta e
incontrolável". "Os enredos - múltiplos e diversificados -
entrelaçam-se no conjunto dos 3 vols., sendo os seus protagonistas personagens
estranhas que têm em comum a faculdade exótica de mudarem de nome com a mesma
facilidade como quem muda de camisa. Assim, Pedro da Silva, conhecido por João,
chamar-se-á também Álvaro de Oliveira; o "Come-Facas" usava os
seguintes pseudónimos: Barba-Roxa, Leopoldo Saavedra, Tobias Navarro e Alberto
Magalhães, e Sebastião de Melo faz-se passar pelo padre Dinis Ramalho e Sousa e
duque de Cliton. Por outro lado, a vastidão do mundo (Portugal, França,
Bélgica, Inglaterra, África, Japão e Brasil) é o cenário onde se desenrolam os
conflitos ficcionais, marcados por vectores que perdurarão na novelística
camiliana: a vingança, o anátema, o amor de mãe, a passionalidade, que se
confunde com a ganância, a perversidade e a santidade. De permeio indícios vários
de reminiscências biográficas do autor." Mais de 150 anos após a sua
publicação original o livro "em que os pecadores podem ascender à virtude,
e a virtude se conquista através de sofrimentos e lágrimas" é levado ao
cinema pelo realizador Raúl Ruiz.
In wook.pt
Comentário:
Camilo Castelo Branco publicou esta obra com apenas 28 anos,
constituindo a sua primeira obra de grande folego. Não é, nem de perto nem de
longe, uma leitura agradável; trata-se de um livro muito extenso, com centenas
de personagens e um enredo algo complexo, em que as personagens aparecem e
desaparecem de cena de forma algo abrupta. Também as coincidências, essas
inimigas da boa ficção, se multiplicam de forma perturbadora. Talvez, nesta
fase da sua vida, Camilo ainda procurasse um estilo, mas a experiência acabou
por redundar num livro excessivamente extenso e exagerado em vários aspetos.
É conhecida a famosa
instabilidade de Camilo enquanto escritor. Ele é, na sua base, um romântico mas
vai mesclando esse predomínio com traços realistas e até naturalistas. No
entanto, neste livro reina um forte e exagerado romantismo, na análise psicológica
das personagens e, principalmente numa visão catastrofista da vida.
Nas novelas tipicamente românticas do século XIX, a
tendência das personagens femininas vai para o desmaio fácil, o choro e o
desespero. Aqui, pura e simplesmente, elas morrem! Convento, loucura e morte.
Isto, para o leitor comum, como é o meu caso, chega a ser desesperante.
Desistir da leitura foi uma tentação constante. Não o fiz por saber que se
trata de uma obra fundamental na bibliografia de Camilo; mas chega a ser
desesperante a forma como Camilo deixa as suas mulheres cair numa profunda e
dramática instabilidade mental e na velha e irritante estória da morte por
amor!
Quanto aos homens, esses chafurdam no amor, deixam-se
ridicularizar pelas paixões e acabam em duelos de honra! Irritante! O aspeto mais positivo desta obra é, a meu
ver, a abordagem de temas fulcrais da realidade social e política da época, nomeadamente
as convulsões provocadas pela guerra civil entre miguelistas e liberais e,
acima de tudo, a crítica ao sistema de morgadio vigente na época. É nítida
uma certa compaixão e mesmo revolta do autor perante o desprezo a que eram
votados os filhos segundos, em detrimento do morgado. Também os filhos
ilegítimos, os direitos das mulheres, a ignorância da burguesia e a arrogância da
nobreza são temas fulcrais na época, a partir dos quais a escrita de Camilo se
aproxima da abordagem realista, tão bem cultivada pelo seu contemporâneo Eça de
Queirós.
Em suma, trata-se de
uma obra onde Camilo parece ter procurado uma certa erudição, uma profundidade
narrativa talvez influenciada pelo romantismo francês mas que redunda num
enredo pastoso, difícil, pejado de coincidências inacreditáveis e, acima de
tudo, uma melancolia quase macabra onde a morte espreita por todos os lados,
até dominar todo o enredo.
7 comentários:
Se há um escritor grande e número de obras que estou em falta é mesmo Camilo, só me lembro de conhecer Amor de Perdição ainda no tempo de liceu... livro onde pelos vistos os comportamentos das personagens continuaram a ser os mesmos de os mistérios de Lisboa, apenas sem mudarem de nome.
Também para redescobrir este escritor não sei por onde começar...
Hoje o blog já actualizou! Este livro já aparece na minha lista!
Há meses que andava desactualizado.
Bom domingo!
Pois é, Isabel,o Blogspot agora comportou-se melhor(garanto-te que o problema não era das minhas definições). Falta saber até quando.
Carlos, falando com colegas que leram mais obras de Camilo, eles dizem que os mais interessantes são aqueles em que ele se afasta mais do romantismo e entra mais pelo realismo: Eusébio Macário, A Queda de um Anjo, A Brasileira de Prazins, etc.
Por aqui continua sem actualizar :\
Peço desculpa, Sara. Não sei mais o que fazer...
Pode ser que decida passar a maluqueira ao blogspot...Entretanto vou passando por aqui (e vou acrescentar este livro à minha lista...Dele ainda só O Amor de Perdição que não me conquistou e A Queda de um Anjo que achei muito mais interessante)
Cumps!
Estou justamente lendo Mistérios de Lisboa no momento, e gostando, apesar dos muitos defeitos. O lado místico de algumas cenas é um pouco cansativo. Mas o enredo complexo é cativante. Há um pouco de Balzac. O Padre Diniz certamente tem algo de Vautrin. Há momentos em que leio com avidez dezenas de páginas seguidas, e daí de repente o livro fica um pouco maçante. O que me prende mais a ir até o final é uma certa textura no estilo... dá para sentir bem alguns personagens, particularmente a aridez da vida de Angela de Lima, a infelicidade de Pedro no colégio, a perversão do Marquês.
Ary Quintella
Página pessoal: aryquintella.com
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