Sinopse:
Moçambique, década de 1990. Numa terra devastada pela guerra, um
menino sem memória é encontrado por um velho errante. Muidinga e Tuahir, ambos
marcados por conflitos que não entendem, desprovidos de passado e de esperança.
Unidos, fazem de um machimbombo incendiado a sua casa, e de um diário,
encontrado junto de um cadáver, a sua demanda. Nas linhas do caderno, Muidinga
acredita ter um mapa que o levará de volta à sua mãe. Nessa busca, o insólito
par descobre-se, reinventa-se, enfrenta a insanidade e a miséria que grassam em
seu redor, e recusa deixar morrer o alento. Tal como a terra que percorrem sem
destino, uma terra que nunca dorme, nunca descansa, uma terra sonâmbula.
Já adaptado ao cinema, Terra Sonâmbula foi considerado um dos doze melhores romances do século XX em África. Cruza elementos da cultura tradicional moçambicana com a própria história do país, realismo e magia, factos e símbolos, Terra Sonâmbulaé, acima de tudo, um hino ao poder dos sonhos e da vida.
Já adaptado ao cinema, Terra Sonâmbula foi considerado um dos doze melhores romances do século XX em África. Cruza elementos da cultura tradicional moçambicana com a própria história do país, realismo e magia, factos e símbolos, Terra Sonâmbulaé, acima de tudo, um hino ao poder dos sonhos e da vida.
Comentário:
Este talvez seja o melhor livro de Mia Couto.
Pelo menos, é o mais simbólico. Tudo neste livro é pensado,
calculado, como se tudo o que Mia escreve tivesse por trás um segundo significado.
Mas é também o livro de Mia Couto que mais me agradou em termos de
linguagem:
O que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto
a gente sonhar a estrada permanecerá viva. É para isso que servem os caminhos,
para nos fazerem parentes do futuro.
A paisagem se
mestiçara de tristezas nunca vistas, em cores que se pegavam à boca.
Isto é Poesia saída da terra. Os livros de Mia Couto têm este
condão de nos embalar numa beleza impar das palavras. A sua escrita sintética,
depurada, tem a mesma beleza que as paisagens de Moçambique.
Aqui, o céu se tornara
impossível. E os viventes se acostumaram ao chão, em resignada aprendizagem da
morte.
O chão, a vida e a morte; o céu enquanto sonho.
… a guerra que
contaminara toda a sua terra
A guerra contaminara a terra com a morte.
Seu conceito era que a
morte nos apanha deitados sobre a moleza de uma esteira. Leito dele era o puro
chão, lugar onde a chuva também gosta de deitar:
Um conceito puro da terra: o pai de Kindzu encarava a terra
como algo de puro e benéfico; ainda não estava conspurcada e amaldiçoada pela
guerra.
Taímo recebia notícia
do futuro por via dos antepassados. Dizia tantas previsões que nem havia tempo
de provar nenhuma. Eu me perguntava sobre a verdade daquelas visões do velho,
estorinhador como ele era.
O pai de Kindzu alinhava o tempo numa única realidade,
sintetizando passado, presente e futuro através do sonho.
O comerciante indiano, Surendra, vítima de racismo, por ser
”monhé”: Eu gosto de homens que não tem
raça. É por isso que eu gosto de si, Kindzu.
Depois há aqueles palavras em que Mia Couto transforma
adjetivos em verbos; fico sem saber se será recurso literário de Mia Couto ou parte
integrante do falar moçambicano?
As palavras originárias do falar moçambicano soam a poesia:
“pensageiro” J o
povo fala poesia…
E depois há o autor, na sua forma peculiar de brincar com a
língua portuguesa, criando palavras como “administraidor”.
- Fica saber: o chão
deste mundo é o tecto de um mundo mais por baixo. E sucessivamente, até ao
centro, onde mora o primeiro dos mortos.
A terra está sempre presente. Numa visão ecológica, ela é o
mundo natural que se mistura com a vida humana. Mas numa visão mais
transcendente, ela é a pátria dos mortos que, no entanto, fazem parte do mundo
dos vivos.
A guerra é uma desgraça que nunca vem só. Além de trazer a
fome, trouxe a corrupção, que é a forma de os ricos se fazerem donos daquilo
que seria dos pobres.
O tchóti, o anão caído dos céus, é o elemento fantástico que
representa a intervenção do além na vida dos homens; ele não é da terra, assim
como a bela mulher, a aparição que surge ao rapaz, no barco. Farida era filhado
Céu. Pelo contrário, o velho Siqueleto é emanação da terra, mas uma terra
violenta porque violentada, cruel porque vítima de crueldade.
Os personagens do livro são, todos eles, nómadas;
desenraizados; como se a terra, sonâmbula, lhes fugisse.
Nhamataca, amigo de Tuhair, é o fazedor de rios: a água
purifica a terra, é o elemento positivo. Veja-se a diferença entre o autocarro
e o barco; aquele encerra a morte, enquanto o barco abriga o amor.
Na parte final o mar surge como elemento redentor e nascente
de esperança, por oposição a uma terra sonâmbula, na antecâmara da morte e de
um autocarro queimado, onde a esperança da partida para outras paragens há
muito morrera.
Esta guerra não foi feita
para vos tirar do país mas para tirar o país de dentro de vós – diz o
feiticeiro; é com esta angústia de uma terra vencida pela guerra e de um povo
massacrado que termina o livro.
3 comentários:
Pela poesia da escrita, pelo ritmo da obra, pela desolação envolvente, sempre que lia as páginas deste romance parecia-me que tinha entrado num sonho e viajava por um mundo entre o real e o irreal amargurado de uma terra queimada por uma guerra que está sempre presente mas não é personagem da obra, mesmo assim Mia Couto teve o condão de me ir deixando triste e a gostar de ler a estória em simultâneo
Carlos, este escritor tem algo de mágico. É impossível não nos deixarmos contagiar pelas suas palavras, pela poesia, pelas sensações de África.
Eu gosto muito da literatura africana mas Mia Couto é muito, muito especial...
Já li várias vezes que uma das melhores coisas em saber português é poder ler Mia Couto no original. Não consigo não concordar.
http://barbarareviewsbooks.blogspot.pt/
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