sexta-feira, 28 de agosto de 2015

A Senhora dos Açores - Romana Petri


Comentário:
Não esteja a pensar as suas patetices racionais” – personagem Isabel Lima, dirigindo-se à autora.
Este é um livro diferente. No site da editora vem catalogado como “romance”. Mas não é um romance nem nunca pretendeu sê-lo. É, em parte, uma crónica de viagem. Escrito por uma jornalista e crítica literária italiana em viagem pelos Açores, este livro tem como maior mérito o facto de nos oferecer um retrato dos Açores cheio de humanismo e de beleza. O caráter das pessoas ocupa neste livro muito mais espaço do que as magníficas paisagens da ilha do Pico. Na verdade, este é mais um retrato do povo açoriano do que do arquipélago em si. E que belo retrato! A autora revela-se uma turista diferente, mais interessada nas pessoas e exibindo uma sensibilidade enorme e uma inteligência notável para analisar, compreender e descrever os grandes traços distintivos deste povo, marcado, é certo, pela geografia.
Como não podia deixar de ser, esta análise psicológica do povo açoriano é desde logo condicionada pelas diferenças entre os emigrantes e os residentes na ilha. É nítida e declarada a preferência e simpatia da autora por estes últimos. A emigração não é vista aqui como uma aventura corajosa ou como necessidade absoluta mas sim como uma espécie de cedência à ilusão americana, quase como uma traição à terra. O emigrante é visto como um ser americanizado, na pior aceção do termo: gordo, ignorante e vaidoso. O residente, pelo contrário é elogiado e admirado pela simplicidade, pela maneira de ser honesta, trabalhadora, honrada e sacrificada às exigências da terra e do mar. Os próprio emigrantes acabam sempre por regressar à terra, mau grado a pobreza. Na verdade, o regresso à terra, à procura da identidade perdida não é um mito.
Ao longo da obra é nítida a preocupação da autora em compreender e descrever os usos e costumes, a mentalidade, o pensamento, deste povo, numa manifestação de respeito e admiração que levam a autora a dizer claramente que mais facilmente se imagina a viver nos Açores do que emigrar para a terra da prosperidade, os EUA.
Globalmente trata-se de um livro muito bem escrito, numa tradução que me parece bastante bem conseguida. A sensibilidade da autora destaca-se claramente e exprime-se num estilo descritivo mas agradável.

Sinopse

A Senhora dos Açores traz-nos a história de uma terra longínqua, onde um mundo de mitos e de fantasmas, de pobreza e solidão, servem de pano de fundo à grande migração em direcção ao continente e à civilização industrializada. 
Aqui, nesta ilha rodeada de oceano, apenas resta a certeza dos sentimentos antigos, a substância das recordações, o silêncio e a companhia da natureza. A protagonista entra em contacto com esta comunidade imprevisível, através do encontro com as suas gentes, as histórias e a magia própria do lugar. E, quase sem dar por isso, acaba por se esquecer de si mesma, entrando naquela dimensão intemporal, onde a magia e as mágoas da vida comunicam e se unem. Romana Petri, com este romance, reafirma a singularidade da sua escrita no quadro da narrativa contemporânea italiana, revelando um mundo fantástico e excepcional. 

Uma viagem de descoberta de um mundo outro, os Açores vistos pelos olhos de uma estrangeira, um périplo poético, um caminho de aprendizagem... A personagem principal, uma italiana, um guia misterioso - João Freitas - minúsculos pedaços de terra por entre um imenso oceano.

10 comentários:

Catarina disse...

Nao conheco nem autor nem o titulo.

Unknown disse...

Olá Catarina
eu também não conhecia; foi-me aconselhado por um amigo aqui do blogue

José Passarinho disse...

É uma autora que gosta de Portugal, Esteja Eu Onde Estiver é outro livro que se recomenda. E a senhora dos Açores tem vontinuação em Regresso à Ilha.
Estou agora a ler Beloved de Toni Morrison, mas foi difícil de encontrar...

Carlos Faria disse...

Embora nunca tenha lido nada dela não só já ouvira falar desta obra como ofereci a um parente "Esteja onde eu estiver". Confesso que este artigo despertou-me um certo interesse pela Senhora dos Açores, que se passa na ilha em frente segundo me parece.

Unknown disse...

Já li esse livro e gostei muito, José. Não está no meu blogue porque o li antes de 2004, quando iniciei este registo.
Carlos, este livro tem fases algo monótonas por não ter um enredo ficcional muito linear mas é um retrato excelente das gentes do Pico

Denise disse...

Olá Manuel!

Tenho o "Regresso à Ilha" da autora, que é uma espécie de continuação que retoma as personagens do livro que aqui falas e que eu tanto procuro e está sempre esgotado. Onde o conseguiste comprar?
De Romana Petri já li "Tive de o matar" e recomendo vivamente, bem como "Os Pais dos Outros". Muito bom!

Boas leituras!

Unknown disse...

Olá Denise
encomendei na wook, edição Bertrand. Acho que até estava com desconto...

José Passarinho disse...

O livro Tive de o Matar comprava-se no wook por 1euro...
Foi o primeiro que comprei.
Vale a pena descobrir a autora...
Às vezes as pechinchas são de valor :)

Fernando Évora disse...

Curiosa esta leitura. Li "A senhora dos Açores" neste Verão e tive um misto de sensações. Gostei, não gostei, voltei a gostar. Passou-se um mês sobre a leitura e acho que já gostei mais. Como dizes é uma crónica de viagens em primeiro lugar. E a autora aproveita para explorar o lado humano, o que mais agrada em livros de viagens. Assinala bem a marca americana dos Açores e, em particular, do Pico. Não concordo contigo na questão da traição à terra feita pelos emigrantes em detrimento da pureza dos locais. Parece-me que a Romana Petri até admira os emigrantes mas não os filhos destes, prefere os "americanos" (emigrantes, aos "americanizados". A única crítica que lhe faria é que por vezes desliza para as narrações fáceis dos fantasmas dos mortos (de que abusa a princípio), uma certa cedência ao óbvio bonitinho pelo meio. mas acaba muito bem, acho eu. Enfim, uma visão muito interessante, porque também peculiar, bem escrita, fácil de seguir (sem artifícios e intelectualismos exuberantes) do Pico.

Unknown disse...

Tens toda a razão, Fernando, a crítica é mais aos filhos dos emigrantes, os fieis do Mac Donald :)