Ao permitir a publicação destas cartas, Lobo Antunes abre-nos, descaradamente, a porta à sua privacidade. Muitas vezes, ao longo do livro, o leitor sente-se um intruso na intimidade do autor. É impressionante a forma como o grande escritor exprime de forma honesta e comovente os seus sentimentos mais íntimos, uma intensa vida interior que só a solidão proporciona. O amor e a saudade são os temas gerais das cartas. O subtítulo do livro (“Cartas da guerra”) é, de certa forma, enganador. A guerra é sentida como um monstro estúpido e absurdo, do qual se evita falar. Por dois motivos: porque era vedado ao soldado transmitir informações relevantes e porque, para Lobo Antunes, falar da guerra era algo doloroso. É como se as cartas funcionassem como uma forma de escapar ao monstro e não para dar notícia dele. São desabafos íntimos e, acima de tudo, uma imensa manifestação de amor. Um dos aspectos mais surpreendentes das cartas é a manifestação dos gostos literários do autor. Surpreendente a forma como revela um certo criticismo em relação a escritores muito conceituados, como se o auto-conceito de Lobo Antunes como escritor superasse todas as estrelas da literatura universal. Mas não; trata-se apenas de momentos de euforia que, em breve, são substituídos por fases de depressão em que se considera o mais fracassado dos escritores. Ao longo das cartas, vai-nos dando conta, a par e passo, da escrita da sua primeira grande obra: ”Memória de Elefante”. Aqui reside um dos maiores motivos de interesse destas cartas: o relato do sofrimento do escritor, dos seus momentos de euforia e de crises de inspiração. Interessante também a forma como se esforça por recusar influências, se bem que nunca esconda a sua admiração por escritores como Faulkner, Céline ou Garcia Marquez. Intimamente, Lobo Antunes vagueia entre uma modéstia exagerada, deprimida, e um convencimento entusiasmado. Talvez essas oscilações sejam o reflexo do momento depressivo que vivia. Mas são também, sem dúvida, traços característicos da genialidade do grande escritor; um escritor que sonhou com o Nobel e que, cada vez mais, o merece. Mas para lá da genialidade do escritor, da sinceridade das suas confissões, da bravura do soldado/médico, sobressai a grandeza do homem: um homem bom, delicado, sensível, altruísta, generoso – um homem comoventemente bom.
Sem comentários:
Enviar um comentário