Profundamente auto-biográfica, esta obra revela todo o pensamento tortuosamente poético de Hesse. Numa síntese perfeita do seu misticismo oriental e da sua dimensão poética, Hesse constrói uma narrativa angustiada mas sentida, poética mas real, complexa mas terrivelmente bela. Harry Haller é o rosto da tristeza, o Lobo das Estepes, melancólico, perdido na vida, na busca permanente de um sentido que o faça compreender a existência. Sem destino definido, sem explicações a dar a si mesmo para a impossibilidade de compreender o mundo, Harry é um ser errante, dilacerado pela dúvida, pela desesperada necessidade de compreensão da alma e da busca da sua libertação. Recusa o mundo sem forças nem coragem para dele se demarcar. Anti-burguês, tortura-se porque não consegue demarcar-se de uma vivência burguesa, como que encarcerado no ambiente que o rodeia. No meio da tortura da vida, vai descobrindo que a dualidade do seu ser: o lobo que de vez em quando se torna burguês ou o ser emotivo que por vezes assume a racionalidade; o lobo ou o homem. Mas a sua angústia não se resolve com a constatação destes antagonismos; a pouco e pouco, no entanto, vai descobrindo que o ser humano não é duo mas múltiplo: ele não é a soma de dois “eus”, duas forças mais ou menos antagónicas que o ser humano por vezes parece ser. A sua personalidade é um campo de batalha entre muitas forças que por vezes se complementam outras se digladiam. Mas na maior parte das vezes estas faces do caleidoscópio revelam-se incompatíveis, causando angústia e desespero. Só enfrentando esta multiplicidade e assumindo estas múltiplas dimensões, o ser humano pode encontrar a felicidade. Tornar-se-á louco aos olhos do mundo; no entanto, feliz! A necessidade de auto-conhecimento, de compreensão profunda do ser e do sentido da vida avassala Harry até ao dia em que, no limiar da salutar e redentora loucura, descobre a verdadeira raiz da felicidade: o humor. Compreende o que consegues compreender e ri-te de tudo o resto, poderia ser uma espécie de lição a retirar deste livro. Daí a referência recorrente a Mozart: o exemplo da loucura saudável, do génio que ri daquilo que não compreende. Esta descoberta faz com que o final da obra seja surpreendente. A angústia, o medo, o desespero dão lugar ao hilariante mundo da loucura, das mil e uma faces da alma.
3 comentários:
Não consegui "entrar" neste livro, dum escritor que adoro; às vezes acontece,,,
É um livro fortíssimo,SEVE
Já me aconteceu isso e depois, passado uns anos, voltar a tentar :)
"O jogo das contas de vidro" foi uma das minhas melhores leituras ... simplesmente surpreendente ... Também fiquei pelo caminho n "o lobo das estepes" ... vou tentar voltar ao caminho ...
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