Livro polémico, alvo de ódios e paixões, “O perfume” é, a meu ver, uma obra-prima. O herói, ou melhor, o anti-herói, Jean-Baptiste Grenouille, vive em função do olfacto. O enredo decorre entre os anos de 1738 e 1767, respectivamente anos de nascimento e morte do herói-vilão que protagoniza a obra. Assim, a obra situa-se nos tempos conturbados da Revolução Francesa, em que a realidade social do Antigo Regime é brutalmente destruída, em nome da modernidade. É nesse ambiente de violência mas também de fervor que Grenouille caminha na sua cruzada contra o desprezo, contra um destino que o condenava por, simplesmente, ter nascido no meio do peixe podre. Toda a sua vida gira em torno desse sentido tão desprezado quanto misterioso. Detentor de um dom ou maldição, o cheiro é o seu guia. Sobressai nesta obra carácter infra-humano de Grenouille num tom de hipérbole por vezes exagerada, como se a fronteira entre o homem e o monstro fosse tão ténue que se tornasse irreconhecível. Ele é, assim descrito, uma figura surrealista, a fazer lembrar um quadro de Dali: distorcido pelo seu tempo mas, principalmente, pelo seu carácter. A sua sensibilidade odorífica contrasta, porém, com a ausência de odor próprio, por oposição a uma cidade que parece viver em função do olfacto: a podridão e a miséria das ruas, em contraste com o perfume da burguesia. Assim colocado entre os dois extremos, Grenouille é o anti-herói num mundo crivado de ódio. Inebriado pelo perfume feminino divaga entre a paixão e a violência, entre o amor e a morte. A ausência de odor leva-o a procurá-lo incessantemente. A procura do odor é a procura da sua própria identidade. Um livro violento e triste, que se lê com paixão mas também com revolta, perante uma cidade-luz descrita como a cidade do fedor e perante um personagem abjecto mas terrivelmente humano: porque Grenoille procura apenas a paz de espírito. A sua paz.
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