Nesta obra, o melhor escritor norte-americano da actualidade põe em cena todo seu conhecimento e sensibilidade cinematográfica, herdadas da sua vasta experiência no género, como realizador e argumentista. Aliás, não deixa de ser curioso que o filme baseado neste livro, a estrear em breve, tenha sido rodado em Portugal, o que prova mais uma vez a predilecção de Auster pelo nosso país. Neste livro, narra-se a vida de um homem que, depois de passar pela dolorosa experiência da morte dos filhos e esposa, se dedica por inteiro à escrita, nomeadamente à reconstituição da vida de um génio do cinema mudo, Hector Mann, misteriosamente desaparecido. Na primeira fase do livro, é tocante a forma como Auster sente e exprime a crueza do sofrimento humano e da solidão. A revolta invade o próprio leitor, perante a crueldade do destino do personagem principal. A partir daí, toda a escrita de Auster embeleza de forma genial a passagem gradual da tragédia à procura da motivação pela vida. A solidão dá lugar à esperança. A tristeza dá lugar ao frémito que impede de pensar, esse "stress" que dá à vida aquela velocidade que nos aliena mas que, ao mesmo tempo, nos anestesia perante a tragédia. Tal como noutras obras de Auster, também aqui perpassa a ideia de que não pode haver felicidade sem sofrimento. Assim, David Zimmer procura uma espécie de redenção perante o passado e fá-lo através da escrita. Mais uma vez, um tema querido a Paul Auster: o próprio acto de criação literária; a envolvência do escritor na obra criada e a amálgama entre o criador e a criação. No final fica o optimismo mau grado o tom trágico que percorre toda a obra. Há qualquer coisa de mágico em Auster: a vida é dolorosa mas preciosa. As alegrias são efémeras mas singulares. Estas ideias, tão caras a grandes escritores que, sem dúvida influenciaram Auster (Dostoievski, Kafka…) são envolvidas numa das maiores qualidades do autor: a sua magnifica vocação de contador de histórias; a sua capacidade de expressão narrativa faz dos seus livros magnificas fontes de entretenimento, retirando a literatura daquele aspecto enfadonho e pseudo-intelectual em que, infelizmente, muitos autores actuais se sepultam.
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