José Luís Peixoto é já um caso sério na literatura portuguesa. Este Livro é a prova definitiva da sua maturidade literária; diria mais, da sua afirmação como o melhor escritor português da actualidade a par de António Lobo Antunes.
Livro é uma obra claramente dividida em duas partes, bem distintas. Na primeira narra-se a saga de Ilídio e Adelaide, num ambiente rural que atravessa os míseros anos da ditadura salazarista. Tempos de miséria e de fome. Fome de pão mas também de liberdade. Para Ilídio e Adelaide a felicidade era proibida pelo preconceito, pelo medo, pela pobreza de pão e de espírito.
Por todo o lado, a PIDE, o medo, a fome e a ignorância.
Neste reino de injustiça e obscurantismo a emigração ilegal para França, estimulada pelo fantasma de uma guerra colonial (que ninguém entendia) surge como a ponte para a salvação. Uma ponte de esperança mas também envolta em medos e perigos.
Ao longo destas páginas, vamos vivendo a luta permanente destes heróis da miséria e sorvendo com emoção a sensibilidade que Peixoto transpõe para as palavras. Mau grado o ambiente negro que se vivia, Peixoto consegue povoar a narrativa com um sentido de humor discreto mas encantador, que não encontramos nas suas obras anteriores. Talvez este seja o livro em que Peixoto melhor consegue encaixar a poesia que o caracteriza numa narrativa cheia de emoção e incerteza para o leitor.
Na segunda parte do Livro, todo o tom da narrativa se modifica: a esperança renasce; a vida adquire tons mais vivos; o mundo ilumina-se. E o marco dessa mudança é o 25 de Abril. O amor de Ilídio e Adelaide ressurgirá finalmente; a vida passa a ser escrita na cor da esperança. O autor do livro brinca com o narrador e com o leitor, em jogos de palavras e de enredo que encantam quem lê, como se diz na contracapa do livro, “onde se ultrapassam as fronteiras da literatura”.
Nesta segunda parte, a qualidade literária da escrita e a sensibilidade do autor foram capazes de fazer estremecer de emoção e assombro este modesto leitor.
Faltam os adjectivos para descrever esta emoção.
Mais do que cativante, mais do que genial, a escrita de Peixoto é absolutamente mágica. Há episódios que me provocaram um arrepiante estado de deslumbramento que nunca sentira em qualquer outro livro. A não ser talvez esse profundo Voyage au but de la nuit que o próprio José Luís Peixoto tão abundantemente refere nesta obra, mas sem cair nos tons negros, quase apocalípticos de Celine.
Em suma, Livro é O Livro! Talvez o melhor livro escrito em Portugal após o Memorial do Convento e Ontem não te vi em Babilónia.
E termino este comentário com a sensação de que faltam palavras; tudo o que poderia escrever seria insuficiente para exprimir a onda de emoção que este livro me provocou.
Obrigado, José Luís Peixoto!
29 comentários:
Xii!! Já o leste Manuel!! Boa! :) E eu é que estava toda ansiosa! LOL Já o tenho e já peguei, mas tenho tido uns imprevistos e olha tem ficado de lado... Infelizmente... :(
Li a tua opinião na transversal, porque não quero ir com influências. ;)
Eu evito sempre incluir spoilers; acho que podes ler :) Por outro lado, fico com receio que te crie expectativas muito altas, o que nem sempre é bom...
Mas é de facto fabuloso, este Livro, tons de azul!
José Luís Peixoto é um autor que me suscita grande curiosidade, a par de outros nomes sonantes da nossa literatura como Valter Hugo Mãe e João Tordo por exemplo. Ainda não tive oportunidade de o ler, mas adianto já que esta ignorância tem já data marcada para o dia em que irá acabar, o dia em que JLP virá para uma sessão de autógrafos na Bertrand perto da minha área de residência.
Aproveito para informá-lo que adicionei o seu blog à barra lateral de "Outras Leituras" do meu, onde figuram vários outros blogs do género que tenho o prazer de visitar diariamente.
Cumprimentos, Fernando
http://www.otravessaoblog.blogspot.com
Bolas!
Com um comentário desses,vou comprar o livro e ler o mais rápido possível!
Isabel
Ola manuel, enviei para o teu mail. um pequeno questionário, que gostaria que pudesses responder. lá explico melhor, podes reenviar depois para: bloguepaginaapagina@gmail.com
muito obrigado e um grande abraço. Nuno.
Sabia que ia encontrar algo diferente das suas anteriores obras. Ele tinha avisado, que seria, mas não esperava uma obra assim tão diferente das outras, mas com a mesma beleza e singeleza de todas as outras.
Uma história com imensos rasgos de sorrisos e que me transportou para um Portugal dos meus pais, um Portugal que não vivi e que aos poucos vou descobrindo e entendo melhor entre uma leitura e outra. Mas onde também me reconheci e identifiquei nas raízes, nas palavras, nos cheiros e nas vivências.
E uma segunda parte que não esperava, que surpreende e rasga com tudo o que podia suspeitar. Que no final me deixa com uma saudade por ter chegado ao fim.
Agora aguardo com ansiedade o dia 25 para o autógrafo e a conversa da praxe. ;)
Houve momentos nesta leitura que me fizeram lembrar Miguel Torga. Nunca esperei ler tal coisa em Peixoto. Ele está a tornar-se incrivelmente versátil.
Para mim, este é o melhor livro dele (falta-me ler "Cal").
O José Luís Peixoto cada vez me intriga mais. Só oiço maravilhas dele e começo a sentir-me posta de parte por não ter lido nada dele... Mais um para a lista!
Ando ansiosa para acabar de ler a Persuasão de Jane Austen e ir a correr comprar o Livro
Acabei de ler o "Livro".Gostei bastante, embora não tenha encontrado essa emoção de que falam e que talvez eu não tenha sabido compreender.O livro parece escrito por duas pessoas diferentes.Contrariamente à maioria das opiniões, eu gostei mais da primeira parte.Houve momentos em que me esqueci completamente que estava a ler um livro e que sentia as cenas tão reais como se estivesse a ver um filme, com movimento e vida.
Da segunda parte não gostei tanto.Confesso que fiquei até um pouco desiludida.Talvez por ignorância minha, por se calhar não ter entendido bem...não sei...
Mas gostei do "Livro" a falar comigo ( com o leitor ).
E um pormenor particularmente grato para mim: tenho o livro autografado.
Isabel
Isabel
não resisto a contar-te uma história que eu não vou esquecer nunca.
Há uns anos veio a Portugal o meu escritor preferido, Paul Auster. No canal 2, ele deu uma entrevista em que a entrevistadora lhe perguntou algo sobre a interpretação que ele daria a um livro. A resposta dele foi magistral pela modéstia e sentido artístico que revelou:
Respondeu algo como isto: quem sou eu para impôr interpretações ao leitor? Cada leitor interpreta o livro à sua maneira e todas as interpretações são válidas.
Então que é isso de dizeres "Talvez por ignorância minha, por se calhar não ter entendido bem"???
Há tantos livros geniais que a mim não me disseram nada! É perfeitamente natural que não tenhas gostado :) Os escritores não são sagrados. Nem os livros. Nem nada :) (a não ser talvez algo... bem, não vem ao caso :) )
Depois de "Nenhum Olhar", decidi que ia ler muito mais do José Luís Peixoto, mas a promessa ficou por cumprir. Agora, vou aproveitar para comprar, um dia destes, o "Livro", ainda para mais com o incentivo desta crítica. É assim tão fascinante, o livro?
Caro Joe, é um livro diferente, imnovador, principalmente na segunda parte. Como tal, não posso garantir que vá adorar. Mas uma coisa é certa: este Livro não deixa ninguém indiferente.
Um abraço
Óptimo, então! Tenho mesmo de o ler. Obrigado =)
Ops, desculpa, comentei com a conta errada. Era eu quem dizia "óptimo, tenho de o ler" acima.
Também gosto muito do Paul Auster.
Fiquei curiosa...
Que será sagrado, afinal?
Tenho aprendido muito aqui pelos blogues.Como alguém aqui já disse,nem sempre temos com quem falar sobre os livros que lemos.Eu diria até que a maior parte das pessoas que conheço lê menos que eu.Por falta de tempo,de disposição...E quando leio um livro acho interessante discuti-lo.Precisamente porque outros vêem o que nós ( eu ) nem sempre vemos.
Um abraço
Isabel
Olá.
Não gostei muito do que já li de JLP. "Morreste-me" é excepcional, mas "Cemitério de Pianos" e "Cal", na minha opinião, têm um discurso muito melancólico mas pouco tocante.
Não tinha intenção nenhuma de ler este, portanto. Mas intrigou-me bastante compararem-no ao Memorial do Convento e fiquei com alguma curiosidade. Agora que vi qual era a temática do livro tenho que o ler brevemente. Quero mesmo saber se é assim tão bom e o período de transição do Estado Novo para a democracia é uma época que eu gostava tanto de ter vivido que ando sempre á procura de livros sobre ela.
nao entendi nadinha da segunda parte.. alguem me poderia explicar, para que percebesse, o fim do livro?? :s
Olá, não costumo visitar e escrever em blogues mas achei o tema tão interessante que não resisti e deixar a minha opinião. O livro é excepcional. A forma como nos faz interagir com a noção que temos de nós mesmos é arrebatadora, tocando por vezes e de forma surpreendente actos de génio só comparáveis a escritores como Hemingway e Li Bai. Quanto à questão que coloca sobre o final penso que se trata de um daqueles casos em que a resposta é tão óbvia que poderá não ser de fácil acesso. Pense apenas em si e no desdobramento das suas duas realidades: a sonhada e a vivida. Espero que resulte.
Adorei o blogue. Continuem com estas iniciativas, têm todo o meu apoio.
Valete Frates
Paula Coelho
muito obrigado pela sua visita a este meu cantinho.
Realmente, o que diz deixou-me a pensar; o sonhado e o vivido são tantas vezes coisas distintas que esse confronto deixa um rasto de angústia..........
obrigado...
Olá! Gostei muito do seu blog e também da opinião! Ainda não comprei este livro, mas vou comprar! Mas vou acabar primeiro os que tenho e então leio este! :)
Se quiser visitar o meu blog é:
milestrelasnocolo.blogspot.com
E então, já leu "Cal"? Foi o primeiro que eu li, do JLP. Desde então, já li quase todos.
Não senti essa profunda emoção ao ler o "Livro", embora me tenha prendido do princípio ao fim, como sempre.
O meu eleito é o "Cemitério de pianos". Estou a relê-lo, agora, pela terceira vez... este, sim, sempre com a mesma emoção.
Parabéns pelo seu blog. Gostei muito de passar por aqui.
Muito obrigada. Boa semana.
Luz
Olá Luz
continua a faltar-me ler o Cal. :( Há tanta coisa para ler...
o Cemitério de Pianos é um livro fortissimo. Mas aquele desfecho é de uma tristeza terrível. É um livro cuel, não achas?
Obrigado pelo elogio e volta sempre :)
Partilho em completo a tua opinião. Como na gíria se diz, tiraste-me as palavras da boca.
Adorei o LIVRO, para mim sem dúvida nenhuma a melhor obra de JLP e para mim até agora o melhor livro lido desde que me lembro de ler.
Sublime.
Mais um amigo que encontro aqui... Sim, porque quem nos faz feliz através do seu trabalho deve ser considerado amigo. Não sei se usas o Goodreads, mas eu dei 5 estrelas a este livro, que achei excelente. Adoro a escrita do José Luís Peixoto... Ainda por cima, ele usa expressões, termos e descreve costumes que me são familiares e que me causam nostalgia, saudades dos meus tempos de infância... Eu sou natural do concelho de Alcoutim, no limite do Algarve, onde os usos e costumes (e termos, claro) são muito semelhantes aos do Alentejo. O José Luís Peixoto é alentejano, de modo que... É quase como estar a ler uma carta de um amigo de infância.
Adorei este livro.
Temos tão bons escritores em Portugal, de vários estilos, nõ percebo como as pessoas preferem autores estrangeiros. Neste momento, estou a ler outro dele, "Abraço", que não é um romance mas um conjunto de crónicas, em jeito de memórias, que estou a achar maravilhoso :)
Não tenho participado tanto porque o Algarve é bom para os pobres: Há trabalho. A um ritmo alucinante, mas há :)
Um abraço, Manuel :)
Olá São
Uso o Goodreads mas tenho isso muito desatualizado.
Eu sou fã da língua portuguesa! Temos escritores absolutamente geniais que deixam a milhas muitos estrangeiros que fazem sucesso com base em estratégias comerciais e nada mais. Não me refiro só a portugueses mas também brasileiros e africanos de expressão portuguesa
Abraço!
Totalmente de acordo consigo.
Obrigado, Anam
Este livro é lindíssimo :) . Aliás, tudo o que tenho lido do José Luís Peixoto é lindíssimo. Um dos meus escritores favoritos da actualidade. Tenho pena de não ter lido todos, porque acho que não me cansava de os ler. Há pouco tempo saiu o "Galveias" e tive mesmo pena de não poder comprá-lo. Mas infelizmente , actualmente vivo com algumas dificuldades e comprar livros é um luxo que tenho que ir deixando para trás :( ... Para mal dos meus pecados, a biblioteca mais próxima que tenho actualmente tem poucos livros dele. Mas outros de que também gostei imenso foram "Abraço" e "Cal".... Se bem que também gostei de "Nenhum olhar" e de "Minto Até ao Dizer que Minto", o qual me fez rir imenso.
Queria ver se aghora no Natal conseguia comprar algum... Tenho ouvido falar muito bem d' "O Cemitério de Pianos" e tenho grande curiosidade pelo "Galveias"...
Abraço :)
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