segunda-feira, 23 de novembro de 2009

O Tigre Branco - Aravind Adiga

O Tigre Branco é um dos livros mais corajosos e inteligentes da última década. O autor, indiano radicado nos EUA, descreve o percurso de vida de Balram, um jovem indiano, pobre nascido entre os mais pobres. No entanto, Balram desde cedo revela a inteligência e a ambição que o levarão a galgar os degraus do sucesso até se tornar um empresário de sucesso na “nova” Índia.
O livro está escrito em forma de cartas ao primeiro-ministro chinês, reforçando desde o início o paralelismo entre as duas grandes potências emergentes no novo quadro geo-político e económico mundial.
Inacreditável é a palavra que mais vezes me assomou à consciência enquanto lia esta obra. De facto, a Índia que Adiga nos descreve é absolutamente dominada pela injustiça social e pelo inacreditável reinado da corrupção. Uma sociedade apodrecida pela ganância que vai acentuando as diferenças entre aquilo que o autor considera serem as “duas Índias”: a da Escuridão, onde os pobre se digladiam por uma sobrevivência precária e a da Luz, onde a ganância domina a vida de uma classe capitalista sem escrúpulos.
As antigas tradições daquela velha Índia, daquele mundo encantador de Deuses que convivem em paz e harmonia com os homens, parecem ter desaparecido. No espírito do autor, todo esse misticismo não passa de folclore para mostrar aos ocidentais.
Para subir na vida, para chegar à Luz, Balram teve de penetrar no mundo da corrupção desenfreada, da hipocrisia e da desonestidade mais descarada, até ao ponto de assassinar o patrão, de quem tinha uma imagem bastante positiva. Assim, Balram é apresentado como um personagem moralmente contraditório, que valoriza a humanidade do ser e os valores éticos que o ligam por exemplo, à família, em descarada contradição com uma capacidade de adaptação ao mundo da corrupção e da desonestidade, indispensável para atingir a “Luz”.
Assim, a Índia é-nos apresentada como uma potência emergente mas cujo poder económico assenta na desigualdade e na exploração. Tudo se passa como se o velho sistema de castas tivesse encaixado no espírito capitalista que acentua esse fenómeno de desigualdade e de segregação.
O estilo bem humorado, profundamente sarcástico de Adiga acentua o carácter chocante da obra. O autor não hesita em utilizar uma linguagem crua, cáustica e por vezes violenta para caracterizar uma sociedade onde todos os valores morais parecem irremediavelmente perdidos. A própria família é já dominada por este espírito de luta, pela ambição material, mesmo ao nível dos mais desfavorecidos.
Em suma, um livro chocante, descarado, que nos leva a reflectir sobre a natureza do progresso. As potências emergentes, como a China e a Índia, baseiam o seu crescimento na desigualdade. Perturba-nos este caminho. Até que ponto será este o caminho a seguir por esta humanidade? Até que ponto o progresso poderá ainda ser algo que beneficie, de facto, a humanidade?

8 comentários:

Anónimo disse...

Gostei Manuel!
Já anotei e vou procurar.
Bjs.

Paula disse...

Um dos melhores livros que li este ano. Aliás, este ano já li bastantes livros bons. Digamos que um ano que se vai revelar de boas leituras!!
Gostei do novo look do blogue.
Um abraço

Teresa Diniz disse...

Já tinha este livro na minha lista a ler, mas fiquei com mais vontade ainda. Este ano tenho andado mais à volta da literatura lusófona.
Dizes bem "As potências emergentes baseiam o seu crescimento na desigualdade". Também me aflige. Para onde caminhamos?
Bjs

NLivros disse...

Viva!

Este é, em principio, o melhor livro que li em 2009 e um dos melhores desta decada.

Um pérola!

Cump.
Miguel

Ju Haghverdian disse...

Uau, lembrou-me de Montesquieu e suas Cartas Persas, escrito na mesma forma... em forma de cartas, o que da aquele clima intimista ao leitor!

Incrível quando percebemos, ao ler livros de diferentes culturas, como governos ou impérios são tão similares. Não importa se é na Ásia, na Europa, na América, hoje ou há 600, 1000 anos atrás - corrupção, demagogia, injustiça social... todos esses governos são baseados nos mesmos princípios, mantendo-se no poder através da ignorância popular... por isso que eles dão tão pouco valor a educação, porque quando mais ignorante é o povo, mais chance eles têm de se manter no poder.

Ótima dica Manuel, gostei bastante da sua resenha e seu ponto de vista sobre a obra!

Muito obrigada pela visita.

Unknown disse...

Miguel, eu neste ano não li muitos livros mas li livros muito bons, por exemplo, A Estrada, A Saga de um Pensador, O Monte dos Vendavais, Jesusalém, O Tambor e este, o Tigre Branco.
Mas este está entre os melhores dos melhores! Só não gostei muito daquela desvalorização da espiritualidade hindu e budista. Por mais que o autor diga que esses valores estão perdidos ou são inúteis e risíveis, é nítido esse desprezo...
Teresa, este livro é importante para compreender o mundo em que vivemos. Tenho a certeza que vais gostar!
Ju
as tua palavras estão carregadas de significado e davam para uma imensa conversa sobre o mundo actual. De facto, assim como os valores mais bonitos da humanidade são universais, também os mais nefastos o são...

pedro aguiã disse...

Olá professor!
Li este livro na semana passada e confesso que fiquei chocado com a sinceridade que Adiga nos conduz ao longo do livro.
É uma profunda análise, leviana mas carregada de sentido, ao estado de pobreza que se vive na Índia, que nós,ocidentais, nem sequer imaginamos o que se passa.

Anónimo disse...

Olá tenho muito interesse em ler esse livro, alguém sabe ou pode disponibilizar o PDF.