Há uns tempos, Chico Buarque dizia que quando escreve procura sentir a música das palavras. Músico genial, ele expressa nesta obra, através das palavras, toda a musicalidade que lhe vai da alma à caneta. As letras volteiam em frases de melodia melancólica; a escrita em si, as palavras simples e sentidas são, por si só prazer em estado puro para quem lê.
Para quem, como eu, havia lido Budapeste há pouco tempo, este livro é uma agradável surpresa. A dimensão poética da escrita transforma o acto de ler num exercício de prazer, mau grado toda a melancolia, toda a tristeza que estas letras exprimem.
Em Budapeste, Buarque construiu um enredo com o qual pretendeu ilustrar as suas ideias; em Estorvo, Buarque deixa fluir essas ideias, sem se preocupar com grandes tramas narrativas.
Conta-se a história de um homem só na grande cidade, desintegrado de um meio onde predomina a exterioridade, a vaidade e o materialismo. A futilidade das classes superiores, da alta burguesia a que a sua família pertence, contrasta com a miséria que alimenta o crime. Entre uma família fútil, de corações entorpecidos pela fortuna e uma horda de criminosos com os quais se envolve, o nosso personagem deambula na solidão, na incerteza, na falta de identidade.
Ele vive em permanente equilíbrio precário entre o sonho e a vigília, o real e o pesadelo, a inquietação e o medo, sempre na margem do mundo. Vítima da modernidade, ele narra-nos os seus dramas submetendo a eles todo o percurso narrativo, num monólogo interior em que narrador, personagem e autor se misturam.
Perde-se o sentido da vida; perdem-se as raízes do ser…
A cidade transforma-se num imenso deserto, onde tudo perdeu o sentido.
Podemos dizer que este livro é a expressão máxima da solidão humana.
Sem dúvida um livro cheio de beleza literária onde faltará, porventura, uma estrutura narrativa capaz de enredar o leitor naquilo que a maioria de nós procura num livro: uma estória. Estorvo não é uma estória: é a alma de um homem que é estorvo no mundo. Ou melhor, a estória de um mundo que é estorvo para um homem.
Sem dúvida um livro cheio de beleza literária onde faltará, porventura, uma estrutura narrativa capaz de enredar o leitor naquilo que a maioria de nós procura num livro: uma estória. Estorvo não é uma estória: é a alma de um homem que é estorvo no mundo. Ou melhor, a estória de um mundo que é estorvo para um homem.
E para todos os que, como eu, idolatram o GÉNIO que enfrentou a ditadura com as letras, aqui fica uma das coisas mais GENIAIS alguma vez escrita e cantada:
4 comentários:
Bonita canção.
Isabel
Olá, como brasileira, obrigada por compartilhar esse clip de tão comovente canção do nosso Chico.
Mária, como português, tenho muito orgulho nesse irmão de sangue que nos deu um exemplo de luta. E que nos continua a maravilhar, também com a escrita.
Grande Chico!
Exatamente o que senti ao ler Estorvo há muitos anos! Voltarei aqui.
Continue escrevendo.
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