quarta-feira, 24 de julho de 2013

O Voo do Noitibó - João Lobo


Sinopse:
Em O Voo do Noitibó, João Lobo, fiel a uma gramática de procura e indagação, desentranha seis histórias de criaturas nimbadas pelo sortilégio do tempo natural, daquele tempo que está para além dos espaços físicos e dos marcos históricos, e que encontra medida no ádito improfanado da memória, e preexiste às circunstâncias dos factos que confundem os sentidos e cegam o entendimento do homem hodierno.
In caligrafo.pt
Comentário:
O noitibó é um pássaro noturno; mais do que isso, ele é a noite; o símbolo vivo da escuridão e das sombras que a povoam. Da mesma forma, este livro é a expressão da noite humana e dos mistérios com que a natureza envolve os homens.
Confesso que o início da leitura foi difícil. João Lobo coloca nestes contos toda a linguagem como expressão da alma deste povo minhoto, possuidor de um linguajar cheio de preciosidades linguísticas. Nesse âmbito, esta obra funciona como uma espécie de repositório de um vocabulário que ameaça o esquecimento. E grande parte do encanto desta leitura reside precisamente nesse imenso desafio que se coloca ao leitor: entrar na linguagem como porta de acesso à alma popular.
Em algumas passagens, este livro faz lembrar alguns dos escritores neorrealistas portugueses mas especialmente o grande Aquilino Ribeiro. Tal como na obra do grande mestre, também, em João Lobo sentimos o perfume da terra e a alma popular.
No entanto, em algumas passagens do livro, o aspeto quase barroco da linguagem dificultam de tal maneira a tarefa do leitor que a dimensão lúdica da leitura quase se perde.
Quando João Lobo consegue conciliar essa alma popular, esse sentimento de pertença à terra com uma narrativa minimamente interessante para o leitor, o livro assume caraterísticas bem interessantes, como no conto “Belzebu”, em que se exprime uma mensagem original e bem atraente: a ideia segundo a qual, mais do que um espírito divino, todos nós, seres humanos partilhamos um pouco do mal universal; uma espécie de bafo do diabo…

Em conclusão, podemos dizer que estamos perante um livro de difícil leitura e interpretação mas com um grande valor antropológico e linguístico. A preocupação maior do autor não foi escrever uma obra atrativa; foi deixar para a posteridade uma memória viva de um povo, bem como de toda a força da sua expressão linguística.

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