Sinopse:
Em O Voo do Noitibó, João Lobo, fiel a uma gramática de
procura e indagação, desentranha seis histórias de criaturas nimbadas pelo
sortilégio do tempo natural, daquele tempo que está para além dos espaços
físicos e dos marcos históricos, e que encontra medida no ádito improfanado da
memória, e preexiste às circunstâncias dos factos que confundem os sentidos e
cegam o entendimento do homem hodierno.
In caligrafo.pt
Comentário:
O noitibó é um pássaro noturno; mais
do que isso, ele é a noite; o símbolo vivo da escuridão e das sombras que a povoam.
Da mesma forma, este livro é a expressão da noite humana e dos mistérios com
que a natureza envolve os homens.
Confesso que o início da leitura
foi difícil. João Lobo coloca nestes contos toda a linguagem como expressão da
alma deste povo minhoto, possuidor de um linguajar cheio de preciosidades linguísticas.
Nesse âmbito, esta obra funciona como uma espécie de repositório de um
vocabulário que ameaça o esquecimento. E grande parte do encanto desta leitura
reside precisamente nesse imenso desafio que se coloca ao leitor: entrar na
linguagem como porta de acesso à alma popular.
Em algumas passagens, este livro
faz lembrar alguns dos escritores neorrealistas portugueses mas especialmente o
grande Aquilino Ribeiro. Tal como na obra do grande mestre, também, em João
Lobo sentimos o perfume da terra e a alma popular.
No entanto, em algumas passagens
do livro, o aspeto quase barroco da linguagem dificultam de tal maneira a
tarefa do leitor que a dimensão lúdica da leitura quase se perde.
Quando João Lobo consegue conciliar
essa alma popular, esse sentimento de pertença à terra com uma narrativa
minimamente interessante para o leitor, o livro assume caraterísticas bem
interessantes, como no conto “Belzebu”, em que se exprime uma mensagem original
e bem atraente: a ideia segundo a qual, mais do que um espírito divino, todos
nós, seres humanos partilhamos um pouco do mal universal; uma espécie de bafo
do diabo…
Em conclusão, podemos dizer que
estamos perante um livro de difícil leitura e interpretação mas com um grande
valor antropológico e linguístico. A preocupação maior do autor não foi
escrever uma obra atrativa; foi deixar para a posteridade uma memória viva de um
povo, bem como de toda a força da sua expressão linguística.
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