Sinopse
Publicada pela primeira vez em 1992, A Feira Dos
Assombrados, tem como cenário a velha cidade do Dondo, às margens do Rio
Quanza, em Angola, nos últimos dias do século XIX. Tudo começa com a descoberta
de um misterioso cadáver: O primeiro corpo que o rio trouxe ainda nos pareceu
humano. Tinha as partes todas de que somos compostos, a pele lisa e sem
escamas, como a nossa, e os enormes olhos abertos guardavam até um resto de luz
e de calor. A partir desta descoberta, o Dondo, lugar inteiramente apartado do
mundo, vai mergulhar num estranho pesadelo. Uma alegoria sobre a presente
situação política e social de Angola.
Comentário
É uma limitação minha, reconheço, a pouca apetência para ler
e gostar de contos. Talvez por esse motivo, esta foi a obra de Agualusa que
menos me entusiasmou.
Estas estórias parecem-me algo insipidas quando comparadas
com os livros de maior folego deste grande escritor angolano. Seja como for, não
deixam de marcar presença os mais significativos traços da sua escrita: a fantasia, a ingenuidade do falar do povo,
a poesia da linguagem falada, naquela mescla sui generis do português com a voz
da terra africana. Por exemplo: (o boato) “ faz acontecer; dá acontecência ao insucedido.” Repare-se na forma
simples, sintética, como se alia a musicalidade da língua à verdade ingénua e,
ao mesmo tempo, profunda da sabedoria popular.
No conto principal, que dá título ao livro, Agualusa faz
entrar em cena a sua paixão pela história de Angola, nomeadamente pelo período final
do século XIX. Aí se cimentou a presença portuguesa na ocupação da terra
angolana. E é de uma forma crua, quase brutal que Agualusa nos transmite a
imagem do colonizador:
“Os ratos não tardaram
a fugir, transferindo-se para o norte com as suas veneradas doenças de ofício,
as suas balanças viciadas, as suas quinquilharias baratas, o seu vinho triste,
os seus ferros de educar gentio. E por ratos quero dizer os comerciantes
portugueses, quase todos antigos degredados, a medrosa cáfila de pequenos
artífices e as inevitáveis putas, ávidas aves que vêm e que voam…” É a
tristeza nua e crua da verdade histórica, de uma nação brutalmente colonizada e
espoliada.
Nesse conto, o mais extenso, na típica mescla de fantasia e
realismo que carateriza este autor, dá-se conta do aparecimento de uma série de
misteriosos cadáveres, trazidos por um rio, o Quanza. Simbolicamente, o
primeiro cadáver surge no dia 31 de janeiro, o dia em que a monarquia
portuguesa foi pela primeira vez abalada. Sobreviveu, no entanto, como
sobreviveria a miséria moral do colonizador, assim como a terra sedenta de
liberdade.
Na verdade, este conto destaca-se dos restantes não só pela
sua extensão mas principalmente pelo simbolismo do seu conteúdo; os cadáveres
trazidos pelo rio são as oferendas negras de uma realidade externa que fez
Angola mergulhar no terror, no medo, na tristeza.
Mau grado toda a poesia desta escrita e todo este
simbolismo, o leitor fica algo dececionado; de Agualusa espera-se sempre um
pouco mais.
3 comentários:
Pelo menos gosto muito de contos, não conheço o livro, prefiro bons contos a um mau romance, mas sem complexo também maus contos me desiludem.
Como não conheço o livro, não me posso pronunciar, mas do que já li tenho perspetivas altas com Agualusa, pelo que compreendo que é mais fácil a desilusão assim.
Contos também são complicados pra mim, eu gosto, mas nem todos me agradam.... mas apesar de vc não ter se empolgado tanto, me deu uma certa curiosidade.
Mesmo assim, Carlos, continuo a considerar Agualusa um escritor genial.
Bem vinda, Kézia. O que me dececiona nos contos é, na maior parte das vezes, saberem a pouco...
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