Quando li os dois primeiros livros da trilogia O Século,
deste autor, fiquei um pouco decepcionado. Não que a obra tenha pouca qualidade,
nada disso. Simplesmente esperava ainda mais. Fiquei nessa altura com a
sensação que Follett tinha pretendido fazer uma espécie de Guerra e Paz do
século XX, ficando muito preso a esse modelo e, por outro lado, prendendo-se
demasiado à verdade histórica e mesmo assim falhando em alguns aspetos.
Nada disso acontece em Os Pilares da Terra.
Aqui aconteceu magia. Aconteceu uma verdade histórica
refinadamente retratada e uma criatividade fantástica, num ritmo narrativo
alucinante.
Ler estas 1100 páginas foi uma aventura demasiado breve. O
leitor é embalado neste ritmo narrativo e, de repente, está no fim do livro.
Antes de mais, uma nota muito positiva para a forma tão
verossímil como o autor nos descreve as misérias daqueles tempos (século XII);
de como essas misérias, geradoras de uma tremenda violência, eram causadas por
profundas desigualdades sociais.
No meio de um ambiente de miséria e injustiça, levantam-se
os mosteiros como uma espécie de oásis na desgraça. Os monges beneditinos são,
aqui, testemunho do interesse do autor pela história da igreja, mostrando-nos o
clero regular como um local onde resta a mais pura bondade e humanidade mas
também um microcosmos de todas as misérias do mundo.
No entanto, é nesse microcosmos que se erguerá o símbolo
maior da força da humanidade: a pedra que testemunhará o sacrifício, o
sofrimento, mas também a coragem e a força do ser humano: a catedral; a maior
catedral do mundo.
O cenário político da obra situa-se a partir do final do conturbado
reinado de Henrique I de Inglaterra. A sua morte, precedida de conturbados
acontecimentos de rebeliões e traições, mergulhou a Inglaterra numa autêntica
guerra civil, um período de caos que beneficiou os grande senhores da aristocracia
da terra, mergulhando a população servil numa miséria e violência que servem de
pano de fundo à odisseia dos personagens desta obra.
O clero assume, na narrativa de Follett, um papel bastante
ambivalente; se os monges são o último reduto da caridade e da bondade, não é
menos verdade que a igreja se deixa mergulhar no oportunismo, na cobiça dos
bens materiais e, pior que isso, nas mais soezes maquinações da guerra política,
no acesso às benesses do poder.
O herói do livro, o monge Philip, é uma espécie de síntese entre
o humanismo e a necessidade de acompanhar as maquinações politicas. É genial a
forma como Follett expõe o processo que levou Philip, um monge honesto, a
aceitar negociatas mais ou menos obscuras para se tornar prior e levar a cabo
os seus sonhos.
Ao longo do livro deparamos com uma espécie de psicanálise
da mente criminosa: de como as injustiças sociais e as condições económicas
(miséria material) conduzem ao crime.
Por um lado retrata-se uma Idade Média que nos arrepia pela
violência, pela devastação e pela crueldade humana; mas, por outro lado, é
nesta Idade Média que encontramos todo a força que o ser humano pode demonstrar,
todo o poder de se reerguer, de triunfar mesmo por entre as mais catastróficas
adversidades. É entre o sangue e o sofrimento de todo um povo que se erguem,
imponentes, as torres e as naves das catedrais.
O enredo deste livro testemunha-nos o triunfo do gótico,
esse estilo triunfal que marcou a baixa idade média; Saint-Dennis, essa
magnifica catedral parisiense construída pelo célebre abade Suger serviu de
modelo para a Notre Damme mas também para a catedral de Kingsbridge que o nosso
herói vai construindo.
Uma religiosidade extrema, por vezes totalmente irracional,
em que o diabo tem tanto poder como Deus dá o contexto para um mundo em que os
homens se assumem como deuses ou demónios. Talvez nessa ambivalência do ser
humano resida um dos motivos deste misterioso encanto que a Idade Média
desperta em nós.
Não me permito falar do final do livro, para proteger o
interesse de futuros leitores deste livro; no entanto não resisto a dizer que é
um final grandioso, triunfal e espetacular. Mas também profundamente simbólico:
o triunfo do povo. E do espírito sobre a pedra.
Imagem daqui:
(elenco e cenário da série televisiva britânica)
10 comentários:
Já li o romance e reconheço que é daqueles livros de fácil leitura e informativos para caracterizar uma época.
Sem ser um romance histórico, aproveita acontecimentos reais que dão a conhecer aspetos fundamentais desse período e o caracterizam socialmente.
Não sendo um livro de arquitetura, dá numerosas informações sobre o estilo gótico, descreve os aspetos fundamentais que o caracterizavam e o seu papel social.
Consegue tudo isto num texto não pretensioso, mas com lições de moral e pistas para reflexão.
Olá Carlos
Completaste de forma perfeita o meu comentário.
É um livro divertido e com muita informação
Li esta obra há uns anos e guardo gratas recordações ao ponto de considerar a melhor obra de Ken Follett e dos melhores romances históricos que já li.
começo a não duvidar disso, Miguel.
Sem entrar na discussão do que é ou não um romance histórico, acho que ainda nada supera as obras do Eco,principalmente o Nome da Rosa...
Já li estes livros á uns anos (anterior á serie que passou pela nossa televisão) e posso dizer que na altura a minha vontade de lêr andava um bocado em "baixo",mas posso dizer tambem que foi graças a esta obra genial que a minha "fome" de livros renasceu!
Marco, a série passou na nossa televisão??? E eu perdi-a???
Olá Manuel... deverias mesmo ter começado por estes Pilares da Terra.
A trilogia "O Século" estou a guardá-la para o próximo ano, quando sair o volume final em Setembro.
Li estes dois volumes há dois anos e gostei mesmo muito da obra e da forma cativante como o autor descreve a época, em que a igreja reinava sob a ameaça do inferno eterno.
Sentimos um ódio imenso por alguns personagens e por vezes queremos quase fazer parte da narrativa, para poder fazer justiça.
É sem sombra de dúvidas um livro marcante e "historicamente" bem conseguido.
Quanto à série, ela já passou num dos nossos canais e penso que também passou no cabo, o mesmo aconteceu com "Um mundo sem Fim" que muitos dizem ser "a continuação" de Os Pilares da Terra" (o que não tem nada a ver)
Penso que o livro seguinte segue muito a mesma linha e quase uma cópia de Os Pilares.
Estes livros de Follett continuam escandalosamente caros, além de em Portugal terem sido divididos em dois volumes, o preço absurdo que a Editorial Presença propões, leva a que muitos leitores, não possam usufruir de uma belíssima aventura que é ler "Os Pilares da Terra"
Olá Nuno
lembrei-me de ti quando estava a ler esta obra. Realmente é um livro que assenta na perfeição no teu perfil de leitor. E é, sem dúvida, o melhor que li de Follett e um dos livros mais cativantes de sempre.
O preço é, de facto, escandaloso. A Presença prima por estas exorbitâncias. Por acaso ofereceram-mo senão não sei se o compraria.
A série de televisão afinal está disponível online. Não sei se isso se considera pirataria por isso não coloco aqui o link mas é fácil de encontrar numa pesquisa do google. Google it, como dizem os americanos :)
Sim Manuel, passou na TVI e em um dos canais da fox!
Recomendo!
O Carlos Faria disse tudo (e muito bem)!
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