quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Opinião - Abaixo o pedantismo


Num intervalo de leitura de um brilhante Murakami (Kafka à Beira-mar) faço uma investida pela Internet e deparo com algumas ideias que me deixam perplexo.
Eu sei que todo o ser humano tem direito à sua opinião. Sei e respeito.
No entanto, esse respeito não me impede de ficar indignado.
Eu sei que "é bem" dizer que se gosta de escritores obscuros mesmo que não se goste; "é bem" dizer-se amante de música clássica mesmo que lá em casa se oiça a Ágata; "é bem" decorar uns títulos de programas do Canal2 mesmo que, no esconderijo doméstico, se vejam apenas telenovelas da TVI e, quando muito, o concurso do gordo.
Tudo bem, se "é bem" que seja. Mas eu tenho direito à minha indignação e julgo ter motivos sérios para ficar indignado.
Não gosto do fado de Amália Rodrigues, dos livros de Paulo Coelho, da literatura Light em geral, de escritores elitistas e pseudo-intelectuais. Mas nunca direi ou escreverei que essas pessoas são estúpidas, incompetentes e inúteis. Por uma única razão: porque eles contribuem para a felicidade de muitos seres humanos! Por isso, tenho motivos para ficar indignado quando deparo com certas "modas" como considero pedantes, como a de considerar frívola e menor a (abusivamente denominada) literatura de auto-ajuda e desdenhar de determinados escritores apenas porque são populares e acessíveis como Paul Auster e este espectacular Murakami.
Aqui fica pois a minha indignação: uma obra prima não tem de ser um calhamaço duro de ler nem um escritor de génio tem de ser uma mente tortuosa e atormentada.
Sinceramente, cada vez que leio opiniões como as que referi acima, mais me apetece dedicar-me à tal literatura light! Venham daí as Nora Robert's, as Danielle Sttele's e até o velhinho Konsalik. A leitura tem de ser diversão; abaixo o intelectualismo pedante!

12 comentários:

Alice disse...

Não podia dizê-lo melhor. Como dizia a minha avó "cada um é para o que é e gostos não se discutem; se todos gostassem do mesmo ninguém usava amarelo..." E ai é que bate o ponto, uns gostam de literatura light, outros de obras maçudas e dificeis de ler, uns de fantasia, outros de históricos, alguns são mais virados para os políciais, outros para o romance lamechas que os deixa a chorar a ponto de nem verem as letras de detreminada página... gostemos do que gostemos temos que respeitar as escolhas e preferências dos outros e no que respeita a livros...Leitura é diversão, prazer e deleite, não deveria ser nunca uma obrigação, deve ser um acto praticado por gosto e não por ser "bem". Cada vez mais acjo que, como vão as coisas nos dias que correm, já é mais importante ler do que aquilo que se lê...!

NLivros disse...

Eu gosto de Amália. :D

Mas totalmente de acordo. Já tenho, aqui ou ali, referido no pedantismo e seguidismo que prolifera na internet e até no meio bloguista, onde vejo bastante intolerância a opiniões contrárias à maioria. Ou seja, se eu digo que não gosto caiem-me em cima ou então se ouso criticar algo que muitos acham bem, então é o desprezo completo.

Há que respeitar o gosto e a opinião de cada um. Uma das coisas que mais gosto de fazer é trocar opiniões com alguém que tem uma opinião oposta à minha, mas confesso que não é fácil fazer-me entender.

Literatura é diversão, prazer. Não doença, paranóia. Estou farto de dizer isso.

Ju Haghverdian disse...

Disse pouco mas disse o bastante Manuel!

Eu tenho meus "preconceitos" literários (se é que se pode chamar assim) mas fico caladinha para não causar frustrações e desentendimentos.

Não sou obrigada a gostar do que todo mundo gosta, a ler o que todo mundo tá lendo só porque é popular, mas respeito a opinião dos que gostam do que eu não gosto. Por isso que sempre menciono nos meus textos "NA MINHA OPINIÃO".

Falta de respeito e intolerância estão tão presentes em nosso meio que as vezes é mais fácil ignorá-las que perder tempo revidando mas alguns carregam em si esse sentimento mesquinho de querer forçar sua opinião na mente do outro, isso é irritante!

Concordo com Alice e com você, leitura é diversão, é prazer... e a variedade está aí para todos os gostos!

Muito bem dito!

Poeta do Penedo disse...

Caro Manuel Cardoso
retive a frase «leitura é diversão». Gostei!
Cada um é livre de escolher o livro com que mais se identifica, ou que o seu nível intelectual entenda o conteúdo. Para todo o tipo de mercado existe uma panóplia de escritores.
Tanto os leitores como os escritores têm direito à «diversão» que as letras lhes suscitam...em plena liberdade de sentimentos.
Com amizade.

Unknown disse...

Olá! Achei muito legal a idéia de colocar as frases sobre literatura de vários autores, bem legal seu blog, parabéns! =)

Anónimo disse...

Manuel ----

ei indigno-me também !!
abaixo o pedantismo a todos os níveis , que só demonstra estupidez !

abrç
teresa

Teresa Fidalgo disse...

Manuel Cardoso,
Não pude deixar de sorrir enquanto lia o que escreveu...
Ainda há dias tive uma "discussão" do género: alguém, não importa quem, que lê o que acha fino para depois vir debitar conhecimentos, através de considerações maçudas, desinteressante e impertinentes, para cima de quem não tem pachorra, mas tem um mínimo de educação para não o mandar calar, perguntava-me se eu já tinha lido um livro qualquer, de um escritor qualquer, que eu já nem me recordo. Pelos vistos era um escritor que devia ser lido!
Como a minha resposta foi que desconhecia escritor e livro, a pessoa mostrou um ar de admiração, própria de quem não entende o facto de se não conhecer tais coisas.
Ora, eu apenas lhe respondi isso mesmo que o Manuel aqui diz - que leio por puro prazer, porque me dá satisfação e não para vir chatear os outros com a minha enorme cultura e sabedoria. Que certamente lia outras coisas que não seriam do seu (dele) agrado nem conhecimento, e não queria saber se estavam ou não dentro dos livros de leitura obrigatória.
Acrescentei: Então, e para o escandalizar ainda mais um bocadinho, digo-lhe que não gosto de Eça de Queiroz, acho-o um chato, e embora tenha lido uma meia dúzia de obras dele (precisamente porque achava que devia gostar e queria tentar...), continuo sem lhe achar gracinha nenhuma. E agora? Passei a ser uma inculta literária? Não faz mal... continuo a ler por puro prazer.

A propósito, neste momento estou a ler "Inventar a Solidão" de Paul Auster, e estou a achar muito interessante.

Cumprimentos

Teresa Fidalgo disse...

Nota ao comentário anterior:
Essa tal pessoa de que falei, quando a conheci, há pouco mais de 5 anos, nunca tinha lido nada de Jorge Amado. Mas um dia destes veio perguntar-me se eu já tinha lido uma das obras dele (já não me lembra qual). Como eu disse que sim, obrigou-me a aturar não sei quanto tempo as suas maravilhosas interpretações, e esteve ali a "explicar-me" a escrita de Jorge Amado e o sentido dos seus livros... (provavelmente decorado da wikipédia, ou coisa assim, como é seu hábito!).
Haja paciência, de facto, para pedantismos!!!

Paula disse...

Olá Manuel,
A leitura deve ser sobretudo um prazer, quer seja Nicholas Sparks, Dostoiévski, Nora Roberts ou Kafka...
O que importa realmente é que nos diga algo e que nunca seja penoso de ler. Porque quando assim o é devemos desistir logo :P
Um abraço

Unknown disse...

Alice,
é isso mesmo. Eu já li livros que a generalidade da crítica "deita abaixo" e que eu adorei. Não me canso de dizer isto: literatura é arte! E a arte é democrática: está a berta a todas as interpretações.

Iceman
as tuas palavras fazem-me lembrar um fórum de um site sobre literatura em que participei há uns anos e de onde acabei por fugir "a sete pés" (do fórum, não do site) precisamente pela intolerância de alguns "puristas-elitistas" que por ali andavam. Já afirmei isto algumas vezes e repito: o maior mal dos nossos tempos é a intolerância.

Ju
completamente de acordo contigo.
(estou cheio de curiosidade para ler a tua opinião sobre o A. Cury)

Poeta
adorei essa expressão: "liberdade de sentimentos". Nós, como já conversamos, somos "homens de Abril" e ambos sabemos como a obscuridade ainda reina em muitos espíritos.

Lívia
se gostaste dessas frases deixo-te aqui uma indicação de um site que vais adorar: www.citador.pt

Teresa
eu até compreendo a estupidez. O próprio conceito de estupidez é subjectivo. Mas há uma forma de estupidez que me irrita mesmo: é quando vem embrulhada em snobismo cultural.

Teresa Fidalgo
como eu te compreendo! Já tive algumas "discussões" dessas e concluo que nem vale a pena discutir com esse tipo de pessoas. É simplesmente lamentável.
Por exemplo, Jorge Amado: eu até me parece que ele nunca quis transmitir grandes mensagens na maioria das suas obras. É um bom contador de histórias e pronto. E que ninguém me venha obrigar a ver mensagens profundas onde eu não vejo senão histórias :)
Essa obra do Auster é das coisas mais bonitas que já li.

Paula
eu tenho por regra seleccionar muito bem antes de começar a ler. Mas se ao fim de 10 ou 20% do livro sentir que é maçada, largo e acabou! E quero lá saber se é clássico ou light.

BEIJINHOS E ABRAÇOS a todos, devidamente distribuidos :)

Anónimo disse...

Bom, eu venho um bocadinho atrasado, mas li o seu artigo e vi que tinha comentários, pelo que resolvi coscuvilhar - é a palavra certa. Julgava que ia encontrar peitos inchados de indignação pela pertinência ter referido o pedantismo dos nossos pseudo-intelectuais.

Num comentário acima, alguém escreveu "Cada um é livre de escolher o livro com que mais se identifica, ou que o seu nível intelectual entenda o conteúdo", e penso que é por aí que se deve ir... ou não. Vejamos: isto de haver livros para determinados públicos, é uma falácia. A arte enquanto tal é para todos, e deveria estar (não está) ao alcance de todos. Apreciar arte, seja em que área for, tem também uma aprendizagem. Diz o Manuel que não gosta de Amália. Eu também não gostava, ou dizia não gostar, mas aprendi a gostar. Não de tudo, obviamente, mas há fados cantados por ela que são dignos de serem apreciados como arte, quando arte já são eles na música e letra de que são compostos. Os gostos realmente não se discutem, mas é discutível aquilo que queremos ou não aprender a gostar. Não foi à toa que a literatura, a pintura, a música, o teatro, a dança, etc, tem vindo a ficar como testemunho da humanidade de geração em geração. O que desaparece será realmente o que menos interessa. Em termos práticos isso acontece muito com a música pop: todos os anos, ou cada década, surgem centenas de artistas e bandas que têm êxitos estrondosos em que talvez muitos tenham mesmo alguma qualidade. Mas depressa são esquecidos. Na literatura, que é do se fala aqui, também. Não sei se Paulo Coelho e Daniele Steel irão desaparecer da história, o tempo o dirá. Mas sabemos que não desapareceram Homero, Petrarca, Shakespeare, Cervantes, Voltaire, Balzac, Stendhal, Dostoievski, Tolstoi, nem os nossos - Camões, Camilo, Eça, Pessoa, etc. São só uns escassos exemplos. Muitos se seguirão, do séc. XX, deste século e seguintes, pelo menos enquanto a humanidade existir. Então, se tais vultos continuam tão vivos na nossa cultura, a quem muitos dos artistas actuais vão ainda beber, porque razão desprezá-los se é apenas o nosso gosto (ou a nossa maturidade intelectual) que ainda não está preparado para os entender e apreciá-los? Este é apenas o primeiro ponto, se é disto que se tem vindo a falar. O segundo ponto que quero referir vem na sequência: a leitura deve ser prazenteira, e realmente para isso há imensos livros, desde os bons aos maus, desde que - lá está - se goste. Mas se falarmos em ler como forma de apreciar a arte da literatura isso não pode ser visto assim: temos de aprender a "gostar", não só porque aprendemos valores que representam a nossa cultura ao longo dos tempos, mas também porque ao descobrirmos a chave para entrarmos em certos livros/autores ditos "mais difíceis e maçudos" teremos a alegria de encontrar peças de rara beleza que até então nos tinham passado despercebidas. Terceiro ponto: no meio disso existe, claro, pedantismo de muitas pessoas que em vez de ajudar os outros a compreender, sobem aos seus altares e julgam-se intelectuais só porque dizem que gostam disto e daquilo, quando até nem corresponde à verdade. Da mesma forma que existe a ignorância pedante: quantos e quantos escrevinhadores andam por aí com livros publicados ou a soprar as suas "obras-primas" na internet auto-titulando-se de poetas e escritores? Esses, pobres, são também pedantes: de nada sabem e pensam saber tudo só porque publicaram uns papeis, ou escreveram bonito.

Um abraço.

Unknown disse...

Meu caro alexandre, tocaste num ponto essencial: no aprender a gostar. Isso exige humildade, que muita gente não tem em quantidade suficiente. Exige também mente aberta e tolerância; admitir que outras coisas, diferentes das que estamos habituados, possam ser interessantes.
Num outro post, eu defendo a ideia de que um livro é bom se obedecer a uma das duas condições: ser agradável ou ensinar-nos algo.
Para falar de um exemplo que conhecemos bem: Lobo Antunes; quando comecei a ler ALA achei-o difícil e desinteressante. Mas aprendi a gostar. E com que prazer aprendi isso!