Sinopse:
A escultora
G.H. conta-nos a sua experiência vivenciada a partir do instante em que entra
no quarto da ex-empregada, vê o surgimento de uma barata no guarda-roupa e esmaga-a
na porta. Daí em diante, tomada por uma mistura de medo e repulsa, G.H. vive
com a barata durante horas e horas a sensação de ter perdido a sua
"montagem humana". A incapacidade de dar forma ao que lhe aconteceu,
a aceitar este estado de perda, a leva a imaginar que alguém está segurando a
sua mão. Desta maneira, o leitor passa a viver junto com a personagem esta
experiência singular.
Romance original, desprovido das características próprias do gênero, A paixão segundo G.H. conta, através de um enredo banal, o pensar e o sentir de G.H., a protagonista-narradora.
Romance original, desprovido das características próprias do gênero, A paixão segundo G.H. conta, através de um enredo banal, o pensar e o sentir de G.H., a protagonista-narradora.
Comentário:
Com tão
pouco se faz um grande livro: uma mulher e uma barata!
Um
intenso e profundo monólogo interior. Uma mulher de classe média alta, artista
solitária, uma barata esmagada na porta de um armário, o quarto despido da
empregada despedida, um intenso e pesado silêncio, uma alma inquieta e um
livro, este que Clarisse Lispector compôs como uma sinfonia, cuidado em cada
palavra, esmerado em cada vírgula, pensado, sentido, pesado, sofrido.
Mulher e
inseto que se fundem devagar, uma mulher cujo passado se desfolha e cuja alma
se despe, à medida que a matéria gelatinosa, esbranquiçada e nojenta, sai
vagarosa do corpo esmagado da barata. Com
Kafka à espreita, um mundo interior vai-se revelando, cheio de chagas, de
matéria pútrida, de sonhos que esbarraram na solidão e nas interrogações
intermináveis que a existência coloca.
A arte de Clarisse Lispector leva
o leitor a, imagine-se, encarar como natural que a mulher acabe por comer a
barata! A fusão
perfeita; a simbiose entre o humano e o passado que a barata (animal quase
fóssil) representa. A identidade plenamente atingida. A resposta a todos os dilemas
de G.H.
Perante a
barata esmagada assomam à memória de GH os episódios mais negros da sua vida,
como o aborto que provocara. A barata torna-se assim testemunha da angústia
existencial de GH mas também sua confidente; aos poucos, elas vão-se identificando
uma com a outra. O inacreditável começa a surgir na mente de quem lê: GH e a
barata terão um destino comum…
A
essência procurada através da linguagem no monólogo e a linguagem, lentamente,
transformando-se na própria essência do livro, como a massa esbranquiçada que
sobressai do corpo da barata de GH comerá, numa ânsia paradoxal de encontrar o
próprio âmago do seu ser.
Perturbador, melancólico, este
livro faz-nos lembrar, várias vezes ao longo da leitura o existencialismo
perturbado de Jean Paul Sartre ou a procura interior em confronto com a frieza
do real, de Simone de Beauvoir.
7 comentários:
Estava curiosa pela análise deste livro :) Ando há algum tempo para apostar na leitura desta escritora. Penso que valerá a pena!
Boas leituras
Sim, Denise, vale a pena, mas prepara-te para uma leitura bem pesada.
de Clarice Lispector apenas li "Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres", desde aí, fiquei interessada em descubrir mais, particularmente este "A Paixão segundo G.H.". com o seu comentário ainda fiquei mais inquieta, porque agora quero mesmo lê-lo e, ai, não há tempo...
Criei a memória-com o passar do tempo é o que perdura- de que esta escritora tem uma sensibilidade muito feminina sem cair na dita "literatura feminina", a sua escrita tem um ritmo característico, a pender para a poesia, para a música- pois que se impõe um regresso a Clarice :D
*descobrir (claro, credo)
Olá C.
de certa forma, fiquei convencido com essa sensibilidade feminina e muito humana, mas a verdade é que o tom melancólico faz-me virar as agulhas para outro lado. as hei-de voltar a Clarice, sem dúvida...
Nunca li nada da Clarice Lispector, apesar de ter um livro dela lá em casa (80% dos livros que tenho em casa, não os li, a isto chama-se uma biblioteca).
Um dos livros mais interessantes e originais que li em 2013
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