Este livro é, acima de tudo, mais uma prova da enorme versatilidade deste escritor. Poucos como ele foram capazes de construir um estilo que perpassou três “escolas” oitocentistas: o romantismo, o realismo e até o naturalismo.
Nesta obra podemos encontrar um pouco de tudo: uma abordagem
de notável crítica social, uma sátira de costumes e, acima de tudo, um
exercício literário do mais fino e requintado humor, ao nível das suas obras
mais hilariantes, como A Queda de um Anjo ou Eusébio Macário.
Esta é a história de um desgraçado; talvez mesmo apaixonado
pelo fado se fado houvesse naqueles tempos. Silvestre segue os ditames do
coração, depois da cabeça e depois do estômago mas só encontra a desventura;
talvez seja esse o destino de quem se deixa conduzir pelas exigências do corpo.
As donzelas e senhoras por quem ele se apaixona são o
reflexo de todos os males da época, que Camilo aponta com mordacidade: a
ignorância da donzela destinada apenas ao casamento, a menina que lê romances
de amor construindo castelos encantados que depois troca pela paixão de um
caixeiro bêbado, a senhora que apenas vê o estatuto social e a renda, ou a
pobre que se desgraçou porque a sociedade a julgou pela aparência.
É muito curiosa, por exemplo, a forma como Camilo, na voz do
narrador (o próprio Silvestre) se refere à mudança de padrão de beleza
feminina: “Estas meninas de quinze anos,
que eu hoje conheço no Porto, são as filhas das robustas donzelas, que me
enchiam de satisfação os olhos na minha mocidade. Que degeneração!”
Também os homens acabam por ser vítimas de uma mentalidade e
de um enquadramento social que Camilo ridiculariza em cenas quase queirosianas:
os duelos patetas e a cobardia de quem nem essa patetice enfrenta, o ridículo
dos cavalheiros que encaram o amor como uma forma de obter distinção social e
que exploram de forma abjeta a posição inferior da mulher na sociedade.
Em conclusão, estamos perante um dos livros mais divertidos
de Camilo Castelo Branco: singelo, fácil, de escrita fluida e despretensiosa,
própria de um escritor que trabalhava para sobreviver. Mas nem por isso deixa
de ser uma obra com grande impacto na sociedade do século XIX, à qual Camilo
não hesitou em apontar os defeitos: o snobismo das aparências de uma
aristocracia falida, a futilidade interesseira do pensamento burguês ou a ignorância
e mesmo o obscurantismo de um Portugal ainda (e sempre) algo medieval.
3 comentários:
Vejo que está numa fase camiliana, já despertou em mim curiosidade pelo escritor, agora se não surgirem imprevistos, espero também em breve vir a descobri-lo.
Carlos, eu não quero causar-lhe deceção; há livros do Camilo que são bem chatinhos :) Mas não é o caso deste nem dA Queda de Um Anjo.
Tenho este livro em casa e até já lhe peguei por duas vezes, mas acabei sempre por não passar das primeiras páginas.
Pelos vistos tenho de voltar a pegar-lhe. ;)
Boas leituras!
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