sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Os assaltos à padaria - Haruki Murakami


Comentário:
Em boa hora a Casa das Letras deu à estampa (detesto a expressão mas por razões misteriosas achei piada usá-la aqui) esta atrativa edição em capa dura e profusamente ilustrada (esta expressão, sim, é linda) como que a justificar o preço desavergonhado de um livro constituído por duas narrativas tão curtas que se leem na paragem do autocarro, mesmo que eles sejam tão pontuais como os TUB da minha magnífica cidade.
Os contos, ligados entre si, foram escritos em 1981 e 1985, portanto numa fase muito inicial da carreira literária de Murakami, não deixando por isso de patentear um caráter claramente experimental. Diria mesmo que mais do que contos, são experiências literárias. Mesmo assim, o traço de genialidade está lá. Para começar, o título: assalto a uma padaria? Coisa estranha? Não há estranheza possível num livro de Murakami. Repare-se: é esquisito que se assalte uma padaria; o pão é barato, pouco lucro haveria de advir da aventura. No entanto, não há bem mais precioso, mesmo para roubar, do que o pão quando se tem fome. 
No primeiro assalto há um pormenor que será premonitório de toda a carreira literária do autor: além dos misteriosos e encantadores gatos, o que é que faz parte de todos (repito, todos) os livros de Murakami? Isso mesmo, a música. A música como arte mas também como necessidade básica de qualquer ser humano; é por isso que o assalto há de redundar numa troca de música por pão. Bonito, hem? Musica, pão e livros. Que mais é preciso para ser feliz?
Já agora: melhor que isso só talvez assaltando um restaurante do Mac Donald’s. Porquê? Resposta a esta pergunta, só lendo o segundo assalto; e aí encontramos suficientes motivos para rir e pensar. 
Enfim, estamos perante dois contos leves e divertidos, cheios de sentido de humor mas também de arte de bem escrever (a tradução pareceu-me bastante correta). Dois contos essenciais para compreendermos a origem da carreira deste génio nipónico que tem o condão de nunca nos cansar com o seu realismo fantástico (mais uma expressão talvez tola mas que me parece adequada a Murakami).

Sinopse in wook.pt:

Conto 1:
Munidos de facas de cozinha, dois amigos põem-se a caminho da padaria. A cena faz lembrar vagamente O Comboio Apitou Três Vezes. À medida que avançam, o odor do pão a cozer no forno torna-se mais forte. Quanto mais intenso o cheiro, mais se acentuava a vontade deles para praticar o mal.
Conto 2:
A meio da noite, um homem e uma mulher casados de fresco acordam com um ataque de fome de que não há memória. Levados pela imaginação, e por dores que se manifestam com a violência semelhante à do tornado em O Feiticeiro de Oz, trocam a cama pelas ruas desertas de Tóquio e passam ao ataque, perpetrando o mais absurdo e delicioso assalto de que há memória.

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