segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

O Amante Japonês - Isabel Allende

Comentário:
Neste seu mais recente livro, datado de 2015, Isabel Allende presenteia-nos com uma bela história de amores que, como não podia deixar de ser, é bem mais que isso; diria mesmo que este livro é bem mais que um romance; é uma obra de ficção, é claro, mas também uma intensa reflexão sobre temas bem atuais como a maneira como encaramos a terceira idade nesta sociedade envelhecida e, ao mesmo tempo egoísta. Envelhecimento da sociedade e egoísmo parecem ser conceitos totalmente incompatíveis; sem solidariedade estaremos todos condenados a um envelhecimento infeliz. Por outro lado, a incontornável questão da eutanásia; ou melhor, do direito a uma morte pacífica; do direito à recusa de um sofrimento atroz que conduz inevitavelmente a essa mesma morte e que pode ser evitado.
Bem ao seu estilo, Allende conta-nos uma bela história em tempos narrativos diferentes, com os saltos temporais que exigem uma leitura atenta; mas não é difícil manter essa atenção tal a fluência e a beleza da escrita. Este parece ser o livro de Allende (pelo menos dos que li) em que a autora se afasta mais do realismo mágico, refugiando-se na história de amor, bem ao gosto dos leitores mais românticos, no sentido lírico do termo. Alma (belo nome, bem adequado à natureza da personagem) é uma idosa apaixonada que vive os seus últimos dias numa espécie de casa de repouso onde é acompanhada por Irina, uma bela jovem emigrante do leste europeu. Ao contrário da maioria dos seus livros, a narrativa não decorre na América do Sul mas sim na Califórnia, onde Allende vive atualmente; este pano de fundo serve para uma análise da sociedade e da mentalidade americana atual no que toca ao tratamento dado aos mais velhos, mas é também ponto de partida para uma viagem em flashback aos tempos conturbados da segunda guerra mundial, acompanhando o intenso amor de Alma por um jardineiro japonês. Este amor representa um choque profundo em termos sociais uma vez que Alma e Ichimei Fukuda pertencem a classes sociais diferentes. Tal choque social fará desta relação, para sempre, um amor proibido; ao longo do livro somos levados a viver essa incrível aventura de dois seres humanos com histórias de vida e destinos aparentemente incompatíveis mas que nunca deixam de cruzar os seus caminhos. Mas os obstáculos a esse amor não se limitam ao problema das classes sociais; Ichimei será vítima de uma perseguição pouco divulgada em termos historiográficos: a perseguição e segregação da comunidade de ascendência japonesa nos Estados Unidos durante a segunda guerra mundial e nos anos que se seguiram; poucos saberão, por exemplo, que estes cidadãos americanos de origem japonesa foram encarcerados em campos de concentração similares aos que os nazis utilizaram na Europa.
Em termos gerais, este livro não deixa de seguir a linha da obra de Allende em dois tópicos essenciais: a preponderância das personagens femininas, acentuando sempre um certo feminismo e, por outro lado, o gosto pela análise dos fenómenos históricos do século XX, sem nunca deixar de parte a defesa de uma ideologia marcadamente socialista, em defesa dos grupos sociais mais pobres e das comunidades marginalizadas. 
Enfim, estamos perante uma obra de leitura muita agradável, num tom neorromântico que faz lembrar A Casa dos Espíritos mas, obviamente, sem o fôlego e a grandeza dessa que foi a verdadeira obra-prima da escritora chilena e, sem dúvida, a melhor obra do realismo mágico se excluirmos dessa competição o incontornável Cem Anos de Solidão, livro-pai de toda a moderna escrita de ficção sul-americana.

Sinopse: (in www.wook.pt)
Em 1939, quando a Polónia capitula sob o jugo dos nazis, os pais da jovem Alma Belasco enviam-na para casa dos tios, uma opulenta mansão em São Francisco. Aí, Alma conhece Ichimei Fukuda, o filho do jardineiro japonês da casa. Entre os dois brota um romance ingénuo, mas os jovens amantes são forçados a separar-se quando, na sequência do ataque a Pearl Harbor, Ichimei e a família - como milhares de outros nipo-americanos - são declarados inimigos e enviados para campos de internamento. Alma e Ichimei voltarão a encontrar-se ao longo dos anos, mas o seu amor permanece condenado aos olhos do mundo.
Décadas mais tarde, Alma prepara-se para se despedir de uma vida emocionante. Instala-se na Lark House, um excêntrico lar de idosos, onde conhece Irina Bazili, uma jovem funcionária com um passado igualmente turbulento. Irina torna-se amiga do neto de Alma, Seth, e juntos irão descobrir a verdade sobre uma paixão extraordinária que perdurou por quase setenta anos.
Em O amante japonês, Isabel Allende regressa ao estilo que tanto entusiasma o seu público, relatando de forma soberba uma história de amor que sobrevive às rugas do tempo e atravessa gerações e continentes.

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