terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Barroco Tropical - José Eduardo Agualusa

Um escritor vesgo, Bartolomeu, que lutava por se desamordaçar. Uma cantora, Kianda, cuja música era a linguagem dos Astros, uma modelo, ex-miss, que um dia caiu do céu. Angola, 2020. Um mundo em harmonia que, segundo Kepler, se expressa em música triste e lamentosa; a Terra chora; e continua a chorar, a terra angolana…
Um homem que morre lentamente depois de ver morrer a filha; uma esposa que não sabe se o há-de abraçar ou matar; - Abraça-o, diz a irmã, que morto já ele está. Bartolomeu vai morrendo mas lutando. Amores que se cruzam e descruzam e rancores que podem ser mais fortes que amores. E Pascal Abide exemplo extremo, real, do oportunismo que destrói a terra angolana: empresário das telecomunicações, senhor controla-tudo, traficante de armas, corrupto, criminoso, traficante de drogas, premiado pelo governo, íntimo da Senhora Presidente, embaixador de Angola no Vaticano.
O temor reverencial, doutra forma dito o medo, paralisante, monstro simpático que convida ao sossego, à harmonia da conivência, à paz da hipocrisia. Uma mulher com sinais no corpo, há que ler os sinais ou ser devorado. E a miséria de um povo nos subterrâneos dos prédios, nas catacumbas da vida.
Mas há sempre o sossego; há pessoas que são sempre lugares. Há sempre Lulu, o marido fiel de Kianda, o refúgio, o ultimo reduto, pessoa que é lugar. Sim, porque o amor é um lugar seguro e há pessoas que são assim: apenas um lugar seguro de onde nunca poderemos nem quereremos escapar. Como Luanda suja, miserável, corrupta, irresistível.
Por todo o lado, a magia do saber africano, a fantasia, o encanto da terra e dos seus fantasmas, refúgio, um lugar para onde se escapa a revolta. O lugar de onde a riqueza não sai nem entra, riqueza de um povo, de almas que não participam no jogo do poder. Apenas um povo ingénuo e sábio que sabe falar chuva, falar vento e conversar com o capim.
Mas em Luanda é preciso não falar; calar e seguir as pisadas do poder. Submissão. E Tata Ambroise, o feiticeiro do governo, o torturador, alma santa que cura desvalidos, ignorância ao serviço do poder. A boca voraz do monstro.
Kianda e Núbia, as mulheres que parecem existir para preencher os sonhos dos homens, mulheres que dão vida à existência. A exaltação do feminino, a beleza mais pura num mundo de podridão.
Em suma, um livro escrito na nostalgia, triste, às vezes apocalíptico, sem nunca perder a capacidade de sorrir, talvez o sorriso do desprezo. Uma visão pessimista mas também encantada de Angola que talvez se estenda à vida.

4 comentários:

Anónimo disse...

Anotadinho!
Já está na minha lista.
Bjs.

Paula disse...

Barroco Tropical...li e gostei muito deste livro.Foi o primeiro que li do autor.
A crítica a Angola é bastante visível e com bastante ironia ou não fosse Agualusa um crítico do regime angolano.
A queda final, não é mais do que a queda de Angola :)
Um abraço

Unknown disse...

Olá Paula
gostei da tua leitura da queda.
Kianda cai de um prédio e Núbia, simplesmente, cai do Céu (diz-se que de um helicóptero, mas quem sabe?).
Eu tinha interpretado desta forma: a queda do feminino, duas mulheres que são personificações da beleza, sobre o mundo absurdo, material, criminoso dos homens. Notei em Agualusa um certo fascínio pelo universo feminino (será ilusão minha, que só li este livro dele?). A queda de Núbia, logo no início do livro é um episódio difícil de esquecer para quem lê este livro; há ali um toque de magia, um não-sei-quê de encanto... difícil de esquecer e de explicar.
No entanto, as nossas leituras podem ser complementares: Angola e mais especificamente a bela Luanda são femininas. E não me refiro só ao género das palavras; refiro-me ao sentido que Agualusa lhes dá!
Angola cai, estatela-se, perdida na guerra e na estupidez dos homens.
Seja como for, Agualusa foi, para mim, uma descoberta fantástica. Como tinha sido, no ano passado, o angolano Mia Couto.
Há sempre tanta coisa bela para descobrir nos livros!!! :)
Beijinhos

Unknown disse...

...queria dizer "moçambicano Mia Couto"