Sinopse:
Uma rapariga pedala na fúria do momento, sempre a pior, numa
tarde ensolarada de Maio. Um casal revisita lugares de outrora. Uma mão desce
sobre uma laje. A sombra de um choupo. Um rapaz caminha sobre a terra sob o
peso de uma questão. Uma velha descasca peças de fruta antes de falar. Uma
mulher olha um filho como se caminhasse sobre uma plataforma ferroviária. Uma
bengala, de madeira, em silêncios de adeus. O mundo, lá fora, já uma noite
imensa. Enquanto sorrisos sob uma luz.
Comentário:
Pedro de Sá tem vindo a construir um percurso curioso na
nova literatura portuguesa; um percurso discreto, feito de passos suaves e
seguros, desde o prometedor Olhei Para Trás e Sorri, de 2010, até este quase
maduro romance.
Na verdade penso que estamos perante um dos mais
prometedores escritores da nova vaga. Um escritor que caminha a passos largos
para a maturidade. A minha maior dúvida é esta: será que o seu merecido
reconhecimento público será possível nesta editora?
Este romance, que se lê quase de um fôlego tal a cadência da
sua escrita, revela traços de originalidade notáveis mas também (e acima de
tudo) de uma qualidade literária que deriva, em grande parte, de uma
interioridade exposta em palavras e frases sentidas, transparentes no
sentimento e na leitura da alma humana.
Em primeiro lugar, destaca-se ao longo da leitura uma
curiosa abordagem bucólica dos cenários, que leva o leitor a viajar até aos
mais puros escritores românticos da literatura portuguesa; tais cenários funcionam
como pano de fundo àquilo que mais me impressionou neste romance: uma abordagem
singular da alma humana. É que por vezes há olhares distanciados na vida que,
afinal, nos escondem o óbvio que vem das almas:
“Perdemo-nos tanto a
olhar o longe que não ouvimos a súplica perto.” (Pág. 53)
Pedro de Sá, neste
livro fala-nos das súplicas que vêm das almas. A sua escrita caminha sobre
sombras introspetivas, deixando um rasto de António Lobo Antunes. Talvez, como
aconteceu com os seus personagens, o autor tenha enveredado por esse caminhar
para o interior, para dentro de si ou para dentro de uma certa alma universal. Afinal
de contas, o que lemos em Henrique, Andreia ou Eduarda são imagens, retratos
interiores, divagações das profundezas da alma, diálogos de cada um deles com
eles mesmos e os outros como espelhos ou contrapontos às vezes, como obstáculos
ou desafios outras vezes.
Mas nestas almas, mesmo que mundos transformados em ilhas,
há sempre pontes que se constroem; há vias de acesso a margens separadas, a
espaços de paz atravessados por torrentes caudalosas que, no entanto, a luta a
que chamamos vida permite vencer.
É também do equilíbrio tantas vezes precário dessas pontes
que Pedro de Sá nos fala. E a angústia dessa instabilidade, a fronteira do medo
que vai transmitindo a quem lê uma perspetiva de desequilíbrio, de precaridade,
que avassala todas essas (e estas) almas: de quem lê, de quem escreve e de quem
é inventado. Talvez pela ordem inversa…
E o tempo, esse monstro; esse rio caudaloso, intempestivo,
que separa margens.
“À sua volta, sentem o
amanhã. Regina apenas o presente. Afinal, a dor ensina-nos o momento. E ela
ficou, para sempre, enredada numa margem a olhar a corrente” (Pág. 120)… a
espera da vida; a luta contra e a favor do tempo; a procura incessante de uma
margem sonhada, feita de paz mas separada pelo tempo de uma outra margem, a do sofrimento.
Ou talvez as duas sejam uma e a mesma margem…
4 comentários:
Desconheço de todo este escritor, mas o artigo levantou uma questão sobre o reconhecimento dele enquanto fiel à editora que o tem publicado.
Há muito que me questiono, quanto da nova literatura em Portugal, premiada, valorizada, discutida nas redes é um fogacho propagandístico movido pelas editoras e quanto sobra de qualidade e profundidade?
Já li excelentes livros contemporâneo, mas já li obras premiadas que me interrogo: por quê?
Aí está, Carlos. Porquê?
Estou como o outro: não acredito em bruxas, mas que as há, há.
Pedro de Sá, Luis Novais, Cristina Torrão, Fernando Évora. Não dizem nada às grandes editoras nem aos maiorais dos prémios literários. Mas dizem imenso a quem os lê...
Olá Manuel!
Gostei imenso do teu comentário, que me incentivou a ler mais sobre este escritor. Já há uns meses que li sobre "Queria Rever o Teu Rosto ao Entardecer" e fiquei muito interessada em conhecer mais.
Concordo igualmente com essa questão relacionada com as editoras e a qualidade (real) das obras...
Permanece um grande «porquê».
Boas leituras.
Pois é, Denise, parece que a qualidade deste escritor não é apenas opinião minha.O certo é que só por acaso os descobrimos e isso é profundamente injusto.
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