Sinopse:
Olhos Verdes trata da aparência e do acaso. Os seus
personagens fazem parte do mundo das aparências: trabalham em profissões ou têm
inclinações que implicam uma evasão da realidade: Pedro Levi é modelo de roupa
interior; Eva Simeão é viciada em TV; o seu ex-marido, Paulo Mateus,
deslumbrou-se com a América, que é "outro mundo"; João Baptista
Daniel, perseguido por Eva mas não se interessando por esta, é director de
marquetingue; Beatriz, sua mulher, é revisora gráfica ("Passa a melhor
parte do seu dia a tornar mais pitoresca a realidade"); as irmãs Fonseca,
Maria do Céu e Maria das Dores, oscilam entre o esteticismo e o esoterismo;
Ísis, amiga de Eva, dedica-se ao disaine; Lourenço é fotógrafo; Anadir é a
rainha dos jingles publicitários... Com todos eles, Luísa Costa Gomes pinta um
nervoso retrato dos seres da sociedade contemporânea, que se entrecruzam
casualmente e se evadem da realidade. Um longo capítulo dedicado a George
Berkeley, o filósofo britânico que tentou demonstrar que a realidade material
só existe na percepção que temos dela, tenta enquadrar a narrativa numa moldura
teórica. Luísa Costa Gomes criou um romance dinâmico, interessante e cheio de
humor, que se reflete em muitas das suas linhas: "Tinha saudades dele a
partir do metro e quarenta de distância"... "As pessoas são capazes
de suportar tudo, desde que o possam suportar confortavelmente
sentadas"... "O Bem vale mais que o Mal porque há de menos. É a lei
da oferta e da procura."
(In Coleção Mil
Folhas, Público)
Comentário:
Confesso que este livro me deixou confuso: as ideias
fundamentais são interessantes:
- Uma sátira bem conseguida ao culto da imagem.
- Uma visão da vida algo sombria, em que os personagens usam
o seu livre arbítrio para construírem a sua própria infelicidade.
No entanto, aos olhos do leitor comum, pouco atento aos
“ismos” e pouco propenso a interpretações profundas ou doutrinais, há aqui
alguma confusão entre o romance e o discurso filosófico; a partir de
determinada altura a própria autora parece hesitar entre o desenvolvimento de
um enredo interessante e bem delineado e, por outro lado, a exposição de ideias
filosóficas que interrompem subitamente a narrativa.
O resultado final foi, para mim, leitor despretensioso, algo
dececionante. Falta aqui uma linha narrativa que esteve sempre ao alcance da
autora mas que esta parece ter recusado, na hesitação referida acima.
Para mim, esta dualidade entre filosofia e literatura de
ficção não resulta numa leitura agradável porque, no meu subjetivo esquema
mental, estamos a falar de duas dimensões fatalmente diferentes. É óbvio que os
grandes escritores de ficção também deixaram marcas profundas ao nível das
ideias, das formas de ver o mundo, das interpretações da alma humana, etc. Mas
conseguiram fazer brotar essas ideias da ficção. Estou a lembrar-me de
Dostoievski, Celine, Camus, Oscar Wilde, Saramago, Lobo Antunes, etc. Mas não
foi isso que esta autora fez; o que Luísa Costa Gomes faz é sobrepor um
discurso filosófico a uma narrativa que, embora à partida interessante, sai
fatalmente atingida por esta mesma sobreposição.
Uma nota final para a forma original (e algo cómica) como a
autora trata os estrangeirismos, escrevendo-os de forma “aportuguesada” em
função da respetiva fonética. Alguns exemplos: brífingue, ol de entrada,
disaine, luques, setendebai, etc.
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