Nos últimos tempos, em alguns círculos políticos e
intelectuais tem pontificado uma polémica algo absurda, entre alguma esquerda
tradicional e a direita mais extremista: cada lado parece querer provar a tudo
o custo qualquer coisa como isto: o teu ditador é ainda pior que o meu. Esta polémica parece-me algo insana, pelo simples facto de que, como o comprova
Grossman, ambos estes sistemas totalitários foram absolutamente desumanos.
Inclassificáveis!
Sturm é talvez a personagem central do romance: cientista
judeu ao serviço do Estado Soviético, ele sofrerá de forma dramática o efeito
tenebroso de duas das mais monstruosas tiranias do século XX – o nazismo e o
estalinismo. Neste sentido, Sturm é um personagem algo auto-biográfico: também Vassili
Grossman, funcionário do Estado Soviético mas sempre crítico em relação ao
sistema, sofreu a perseguição dos alemães aos judeus, que acabaram por
assassinar a sua mãe. Mas a acção está longe de se resumir a Sturm. Numa aparência
a fazer lembrar Tolstoi pela enorme quantidade de personagens (umas centenas)
conta-se a história de parentes e amigos de Sturm, em diversos cenários, como a
batalha de Estalinegrado em plena acção, um campo de concentração nazi, um
campo de trabalho soviético, etc. Mas a comparação com Tolstoi termina aí.
Termina onde começa: na quantidade inusitada de personagens. Em termos
literários este livro está muito longe desse clássico russo. Em termos de
estilo Grossman aproxima-se mais da literatura realista da Rússia, nomeadamente
de Maximo Gorki mas também dos contos de Tchekov. E o valor maior da obra é
mais histórico do que literário.
Vida e Destino é uma obra de enorme alcance enquanto
testemunho histórico. Ela testemunha quer a violência nazi quer a inconcebível
ditadura em que Estaline transformou o sistema comunista da União Soviética.
Escrito em 1953, este livro só seria publicado vinte anos depois, após a
abertura da URSS à democracia. O motivo é óbvio: o livro desmascara de forma clara
o despotismo de Estaline. A vitória do absurdo e do arbitrário sobre o
romantismo do ideal comunista que o autor parece encarar como o paradigma
ideal. Na verdade, Lenine é referido várias vezes como o exemplo a seguir, o
ideal que foi deturpado e derrubado pelo estalinismo. E a simpatia do autor
fixa-se claramente nos bolcheviques desiludidos como Mostovoskoi e Krimov.
O enredo decorre, todo ele, de 1941 a 1943, numa fase em que
a guerra matava aos milhares e em que o povo russo sofria as terríveis
consequências da ocupação alemã. No entanto, o que fica no espírito do leitor é
a sensação de que a guerra pouco ou nada mudaria, que os grandes dramas estavam
para lá da guerra.
E o mais abominável é esta sensação de que todo o mal é
praticado em nome do bem; o bem dos judeus, dos católicos, dos comunistas, dos
nazis…e cada noção de “bem” é apenas um motivo para praticar o mal.
Em conclusão: estamos perante um livro muito importante como
reflexão sobre a natureza do poder totalitário e como testemunho histórico de
uma época de quase total insanidade. No entanto, não é uma obra prima em termos
literários. Nem se pretendia que fosse.
3 comentários:
Teu blog é uma de minhas inspirações!!!!
Realmente a história aprazou-me muito, vou procurar iterar-me dos escritos do autor supracitado.
Também tenho um blog, ele é simples e singelo, voltado aos meus textos "críticos" (pois ainda sou uma aspirante rsrsrs), intercala-se com artigos literários como poesias entre outros. Mas como disse, ele ainda é singelo. O link é: http://simples-estudantes.blogspot.com/
Mais uma vez, obrigada pelas suas belas postagens, acredite elas me ajudaram muito.
Desde já agradeço-te, saudações!!!
Este é um livro que há muito estava na minha lista.
Hoje na biblioteca deparei-me com ele e trouxe-o comigo.
Abraço!
Prepara-te porque se bem te conheço, vais gostar, Miguel
Abraço
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