Comentário:
Quem conhece Camilo Castelo Branco do Amor de Perdição e desse conhecimento formou opinião, certamente ficará surpreendido com estas Novelas do Minho. Trata-se de uma obra em que o nosso genial Camilo demonstra toda a sua versatilidade como escritor, pondo em evidência dotes de sátiro notáveis, capazes de fazer rir e sorrir o leitor mais sorumbático. Que grande distância marca este Camilo realista em relação ao Camilo romântico! Mas este realismo é substancialmente diferente daquele que foi cultivado pelo seu rival Eça! O realismo de Camilo vai mais longe na sátira, quer de determinados padrões sociais quer mesmo do próprio romantismo e do naturalismo, tão em voga no século XIX português; na verdade, o mundo rural, tão bucólico e romântico em Júlio Dinis, aqui é povoado de gente interesseira e paisagens dominadas pelo estrume dos animais.
Por exemplo, na introdução ao conto O Comendador, Camilo faz uma exposição delirante da cidade de Braga, com um humor muito sarcástico: os seus hotéis pouco higiénicos, o passeio público com toda a sua futilidade, as farmácias com preços exorbitantes, enfim, com toda a ironia, “uma segunda Paris”.
Camilo conhecia como ninguém o carácter minhoto: alegre, folgazão, beberrolas, bom anfitrião, mas também vingativo em questões de honra e malandro quanto baste no que aos negócios diz respeito.
Mas também a crítica social é uma preocupação constante. No conto O Comendador, aborda o tema dos enjeitados de uma forma crítica e cómica: Belchior, o enjeitado, haveria de vingar-se da sociedade e recuperar a mulher amada, a riqueza e a honra.
A crítica social é o tema fundamental, também, do livro O Cego de Landim: o cego é uma figura de estilo que envolve um certo sarcasmo; é caso para dizer que ele de cego nada tinha: enganava tudo e todos, agindo com a ladroagem e ganhando outro tanto denunciando-os à polícia. É o retrato típico do malandrote à minhota que fez fortuna com base nos negócios pouco claros que, naqueles tempos, muitos procuravam no Brasil, regressando ao Minho como beneméritos.
No entanto, o Destino, como sempre nas novelas de Camilo, teria uma palavra a dizer…
A crítica política e social, em A morgada de Romariz: Silvestre de S. Martinho era um fogueteiro que encontrou por acaso um tesouro escondido pelo avô. E assim se fez nobre, comprando uma propriedade da fidalguia.
Em O Filho Natural, Vasco Marramaque foi eleito deputado por “novecentos mil-réis, trinta e nove cabritos e duas e meia pipas de vinho verde”. Aí “Chegou, no delírio da sua alucinação, a imaginar que no Parlamento era necessário saber a língua portuguesa!” Esta passagem faz lembrar A Queda de um Anjo na sátira política.
Álvaro, filho enjeitado de Vasco vai enriquecer no Brasil, levado por outro Álvaro enjeitado que lá enriquecera: o Brasil é encarado como uma espécie de terra prometida, último recurso dos enjeitados.
Também o conto O Degredado está repleto de “farpas” políticas.
Um belo conto é sem dúvida Maria Moisés. Nesta novela, mais do que em qualquer outra, CCB satiriza a sabedoria popular baseada em crendices e na ignorância. Mas o alvo maior é um conceito de honra e uma moral hipócrita e violenta, cujas maiores vítimas eram as mulheres que engravidavam fora do casamento e os filhos naturais daí resultantes. Os homens, esses, vivem alheios a tudo isso…
Mau grado esta tendência antirromântica, CCB não consegue afastar-se totalmente das suas raízes românticas. Por exemplo este livro, Maria Moisés, é uma narrativa capaz de fazer chorar as pedras da calçada… Sem dúvida um belo exemplar da criatividade, da imaginação e do humanismo deste enorme escritor português.
Pela sua extensão, e também porque foi publicado em separado, decidi não incluir neste comentário a novela A Viúva do Enforcado, que será comentada em separado.
Sinopse:
Livro recomendado pelo Plano Nacional de Leitura, "Novelas do Minho" teve apenas uma edição em vida do autor, publicada entre 1875 e 1877. O 1º volume, "Gracejos que Matam", publicou-se em final de 1875. No ano seguinte foi a vez dos 2º ao 7º volumes, respectivamente, "O Comendador", "O Cego de Landim", "A Morgada de Romariz", "O Filho Natural" e "Maria Moisés". No ano seguinte publicou-se a continuação de "Maria Moisés" (8º volume), "O Degredado" (9º) e a mais conhecida das novelas, "A Viúva do Enforcado" (volumes 10 a 12).
in www.fnac.pt
7 comentários:
Camilo é um dos meus escritores preferidos...
Til, eu também gosto muito, mas o que ele tem de mais encantador é também o seu maior pecado: é versátil mas ao mesmo tempo é difuso, indefinido... não consigo explicar bem isto, mas parece que nunca encontrou uma linha única... acho o Eça, pro exemplo, mais claro, mais definido
A capacidade satírica de Camilo também me surpreendeu (e encantou) na Queda Dum Anjo.
vou seguir o teu conselho, amigo Manuel Cardoso, e irei ler estas novelas, de que, obviamente já conheço o título. Fiquei deveras curioso em conhecer essa nova (para mim) faceta do nosso imenso Camilo. E se dizes que consegue ser mais caústico que o mestre Eça, caramba...vamos ás novelas. Um abraço.
Olá caro Poeta! Que bom é ver-te por cá! :)
Este Camilo(sim, porque há muitos "Camilos" é mais complexo que o Eça; tem um humor mais sarcástico, mas muitas vezes também cai em clichés um pouco aborrecidos a fazer lembrar o Amor de Perdição. Mas tem momentos hilariantes, isso tem.
Confesso que apenas conhecia Camilo do Amor de Perdição. Desconhecia que tivesse outra faceta que não a ultra romântica. Obrigada pela sugestão :)
Sim, Jacqueline. É um escritor muito multifacetado. Há coisas muito engraçadas, para além das Novelas do Minho, por exemplo Eusébio Macário e a Queda de um Anjo
beijinhos
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