Comentário:
Lúcio é um jovem desiludido não se sabe bem com quê, talvez com ele próprio e com o seu caráter. A sua personalidade sombria, cheia de dúvidas existenciais e problemas de identidade levam-no a deambular entre o estado depressivo e a procura do prazer radical. Um qualquer português médio, habituado às duras condições de vida do trabalho mal pago, facilmente diria que este personagem precisava era de trabalhar. Na verdade, o diletantismo de Lúcio só é possível por se tratar de um jovem de boas famílias...
No entanto, o que está aqui em causa não é o quadro social nem as condições económicas dos personagens; é o fado português; é o triste e acabrunhado ser português...
Este fado português, triste, sombrio, pessimista, derrotado, irrita-me profundamente. E nesta fase de inicio do século XX, quando este livro foi escrito, esse tom sombrio parece ter-se tornado uma espécie de moda. Um certo pessimismo diletante que Sá-Carneiro transpõe para o seu protagonista, Lúcio, mas que era também o traço definidor do seu caráter e que o levaria ao suicídio. No entanto, este pessimismo vem acompanhado de um narcisismo profundo. Lúcio, como Sá-Carneiro, tinha consciência da sua genialidade; no entanto, tudo se passa como se o mundo os desprezasse e eles tivessem que destruir o seu próprio caminho: um com o suicídio e o outro com a passividade total perante uma acusação errada de assassínio. E Lúcio nada faz para contrariar a injustiça que o leva à cadeia. Como se a desgraça fosse uma fatalidade e ele fosse totalmente impotente para contrariar o destino.
Tudo se passa como se esse pessimismo, essa tendência para a auto-destruição seja uma espécie de destino a que o ser humano assiste impávido. Irritante.
Sinceramente, gostava de saber o que diria Eça de Queirós desta "moda". Provavelmente faria da vida de Lúcio (ou de Sá-Carneiro) uma comédia. Infelizmente, Sá-Carneiro preferiu fazer da sua inércia uma tragédia e suicidou-se.
Nada disto deve, no entanto, desvalorizar o livro; o conto, de pouco mais de oitenta páginas, lê-se de forma fácil e fluída, à boa maneira dos contos de Allan Poe que Sá-Carneiro certamente leu. O caráter "policial" e algum "suspense" conferem à narrativa um tom bastante ligeiro e interessante.
Nesta velhinha edição da Europa-América deparamos com uma "pérola" extra: uma excelente introdução de António Quadros, onde se retrata este curioso escritor português, futurista deprimido, poeta brilhante e romancista melancólico, amigo pessoal de Fernando Pessoa.
Sinopse:
"A Confissão de Lúcio", considerada a mais importante obra de Mário de Sá-Carneiro, tem como base o triângulo amoroso entre Lúcio, o seu amigo Ricardo de Loureiro e a mulher deste, Marta. Nesta novela escrita em forma de policial, o narrador, Lúcio, confessa a sua inocência, depois de ter passado dez anos na prisão acusado da morte de Ricardo, ocorrida em circunstâncias misteriosas e da qual a única testemunha é o próprio Lúcio. Obra vanguardista, nela se encontram algumas das obsessões do autor: o amor pervertido, o suicídio, o sentimento de incompletude e de alienação do eu que lhe conferiram uma aura de poeta maldito.
in www.fnac.pt
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