domingo, 20 de dezembro de 2009

O Arquipélago da Insónia - António Lobo Antunes

Memórias de uma infância feita de fantasmas vivos, vidas entrelaçadas numa insónia única, a tristeza por todo o lado, porque dela se alimenta a vida e a terra, esperanças nenhumas, sonhos ausentes, apenas memórias…
Um poço que sepulta talvez um irmão, talvez um pai, talvez uma memória ou um desejo, uma planície que os sepulta a todos, vivos na insónia, na vida igual, no trabalho igual, na dor igual.
E a morte, por todo o lado, poderosa e indiscreta, brincando com o destino da gente, ora aqui ora ali, atacando descarada depois escondida, disfarçada, tão presente que por vezes nem se sabe quem morre (o que é que isso interessa?) a morte é mais forte que os mortos, estes calados obedientes respeitosos… os mortos que morrem mas vivem, teimam porque a memória persiste. Esperança nenhuma nem Deus, só a memória, só os mortos que persistem…
Três gerações, um tempo só, indefinido, único no entanto, sem início nem fim como a tristeza.
Memórias, esquecimento, revolta, solidão, nunca futuro, nunca esperança porque o tempo não é o que será, o tempo ri, não sorri, apenas desdenha, pérfido, implacável, aborrecido mas trocista do destino da gente…
O tempo que gasta o amor que nunca existiu (que disparate amor, talvez respeito, talvez obediência como a dos bichos), amor palavra vã, ausente, sem sentido… a não ser Maria Adeleide, sim, Maria Adelaide (“com vontade de levar-te para onde ninguém nos conhecesse e pudéssemos, por assim dizer, estar em paz… não me atrevo a sugerir que felizes”)… mulher, amor, sonho algum, talvez ilusão de vida que não foi, vida apenas pensada, sonhada sem esperança. Ou talvez amor a mãe e o avô, a mãe e pai, a mãe e o padre, o avô e a avó, o avô e a cozinheira: talvez amor ou vingança ou ódio, tanto faz…
E Maria Adelaide: o amor que não conhece voz, não existiu sendo real, distante, tão distante dos pulsos das empregadas que o avô agarrava – chega aqui – amor não, qual amor, antes carne viva entre mortes e lágrimas…
E a mãe a chorar, Maria Adelaide sem voz, o pai idiota, a filha do feitor a chorar, a avó como um pires que treme na chávena… talvez tudo isto uma insónia de Deus – como pode o neto estar em paz e afinal que é ele, quem somos? Sombras de Deus?
Um pouco mais que uma mão cheia de personagens que são ilhas desertas, formando arquipélagos onde as ilhas se mudam como as estrelas, ilhas que trocam de lugar, porque tanto faz, uma no lugar da outra e a vida é igual a desgraça igual a terra igual, talvez o nome diferente, (que diferença faz?) a morte igual, a morte que é de cada um e é de todos, morremos à vez, como na dança das cadeiras, aqui as cadeiras da solidão.
E a espera. A espera que é a insónia. Talvez ânsia de paz na alma da gente (ou fantasmas? Os fantasmas têm nome?).
Uma mão cheia de fantasmas dançando ao som do silêncio ensurdecedor da tristeza.
E um livro sem beleza.
De beleza só a escrita. Nem a estória porque as vidas não têm estórias, apenas talvez espera e insónia.

12 comentários:

Anónimo disse...

Oi Manuel!
Vim te esejar um Feliz Natal e um ano novo cheio de realizações.
Bjs.

susemad disse...

Foi o primeiro e único livro que li de Lobo Antunes. Gostei imenso desta história, que estranhei no início a sua escrita e depois já não consegui parar de ler. Surpreendente!

Teresa Santos disse...

E só há beleza explicita? E só há beleza na vida, na alegria explicitas? Quando não somos capazes de ver na vida real -incluindo a morte -, nada mais que tristeza, apetece-me dizer: "que pobreza!"
Apenas só mais uma nota.
Conheço bem a obra de Lobo Antunes, que considero ser maior escritor português do séc. XX.

Unknown disse...

Fátima, obrigado e retribuo! Um feliz Natal e um Ano Novo cheio de alegrias.
Tonsdeazul, acho que se gostaste deste deves gostar de "Ontem não te vi em Babilónia". É o mesmo estilo, a mesma estória sem estória, ou multiplas estórias, como na vida!
Teresa Santos, captou o essencial de Lobo Antunes e por isso diz que é o maior escritor português do século XX e concordo.
Por falar em coisa explicitas: eu não devo ter deixado suficientemente explicito (como Lobo Antunes não deixa, nem tem de deixar) que a beleza da escrita é a beleza da tristeza na morte, no esquecimento, na solidão, na insónia. A beleza da escrita de Lobo Antunes reside precisamente na beleza das coisas tristes...

Teresa Diniz disse...

Olá Manuel
Que difícil falar de Lobo Antunes! Também o considero o maior escritor português do século XX (e já vamos no XXI). Tenho lido muita da sua obra, mas ultimamente acho que anda em círculos, continuando obcecado por temas e figuras que já reconhecemos de outros livros anteriores. Esse ainda não li, no entanto, reconheço muito do que dizes. As suas obras maiores: Tratado das Paixões da Alma, Manual dos Inquisidores, O Esplendor de Portugal, os livros do meio da carreira. Adoro a maneira de escrever de ALA, escreve ao ritmo do que pensa, sente, respira. Um nome grande, provavelmente merecedor do Nobel.
Para ti, Bjs e Bom Natal.

Nuno Chaves disse...

é um dos livros que quero ler durante o proximo ano. Boas Festas São os Votos do Página a Página, cheio de livros no sapatinho. Feliz natal.
Nuno Chaves

Nuno Chaves disse...

é um dos livros que quero ler durante o proximo ano. Boas Festas São os Votos do Página a Página, cheio de livros no sapatinho. Feliz natal.
Nuno Chaves

Paula disse...

Olá Manuel,
Espero em breve ler algo de Lobo Antunes.

Um FELIZ NATAL para ti e para os que mais amas.

Um abraço!

Fernanda Assis disse...

Oi Manuel,

Passando para te desejar um Feliz Natal para você e toda sua família e um 2010 com muito amor, saúde, paz, sucesso e muitaa alegria. beijo

Ju Haghverdian disse...

Um Natal maravilhoso para ti também Manuel, desejo ótimos momentos, ótimas lembranças, e ótimos livros para nos deliciarmos em 2010!
Passando um pouco corrido, voltarei com calma para ler melhor a última resenha.

carlos disse...

Boas
Sinceramente...comecei a ler este livro (O arquipélago da insónia) está na minha estante desde 2008, e pelas primeiras páginas lidas, parece-me que volta para lá.
Se esta escrita é a do maior escritor português, o Aquilino Ribeiro deve andar às voltas no túmulo, O Saramago sem virgulas...entende-se melhor
É a minha modesta opinião
Carlos

Unknown disse...

Olá Carlos
eu senti isso quando comecei a ler Lobo Antunes. Parecia-me tudo tão confuso, tão disparatado. Até que descobri um truque: deixar de me preocupar em entender o enredo; fixei-me mais na escrita tem si e descobri uma espécie de poesia na prosa que em encantou.
Mas eu acho que a leitura deve ser diversão; deve ser prazer, por isso tenho de reconhecer que Saramago dá outro prazer...
Quanto a Aquilino, gosto, mas há outros neo-realistas que prefiro. Isto se considerarmos Aquilino como neo-realista, que é discutível...